Rita Cruz Enfermeira Especialista em Saúde Materna e Obstetrícia
Falar de Perda Gestacional é falar de um tema muito especial e muito “querido”. Por tudo aquilo que é, o que envolve, o que me dá enquanto Mãe e Enfermeira, por tudo aquilo que ainda falta e urge fazer. Sim, é preciso fazer mais, muito mais!
Ser Enfermeiro é também estar presente em momentos menos felizes e menos bons. Nas maternidades não existem só situações boas e positivas, não nascem só bebés saudáveis, lindos e maravilhosos. Não nascem só bebés de termo…
É também nas maternidades que surgem situações muito delicadas. Diagnosticam-se mortes in-utero, malformações incompatíveis com a vida, situações de gravidez não evolutiva, de gravidez ectópica, de abortamento espontâneo, trabalho de parto espontâneo antes da viabilidade, entre inúmeras outras situações particulares e delicadas.
Os Enfermeiros são cruciais em todo o processo de Perda Gestacional. Questiono-me, várias vezes, se temos consciência de que marcamos todas as pessoas que se cruzam connosco nos mais pequenos e simples gestos. Muitas das vezes, acho que não. E, com estes casais em particular, falhamos!
Falhamos imenso em aspetos simples, mas que são importantes para os casais. A forma como dizemos, como fazemos, a postura que adotamos, os julgamentos e críticas que fazemos…são, muitas vezes, as queixas dos casais e, não propriamente, o tipo de procedimento ou protocolo que tiveram de seguir.
Enquanto Enfermeira, vivo e lido com casos de Perda Gestacional quase diariamente no serviço onde trabalho. E confesso que não tinha noção dos inúmeros casos que existem de Perda Gestacional, até eu lidar com eles.
A Perda Gestacional continua silenciada, pouco reconhecida e valorizada. É experienciada por muitos casais, mas falada por poucos.
Ela existe e está presente diariamente em todas as instituições hospitalares. Então, porque é que a mantemos escondida? É preciso falar da Perda Gestacional nas instituições hospitalares! É necessário preparar os Enfermeiros para lidarem com estas situações especiais, formar Enfermeiros mais capazes e mais conscientes de que é preciso marcar a diferença e ser diferente, que os Enfermeiros percebam que cada caso é único e que os cuidados têm que ser diferenciados e personalizados, os Enfermeiros procurarem saber mais sobre aquele caso em questão antes de atenderem os casais. Além disso, é necessário olhar com atenção para as instituições hospitalares e assumir que pouco se faz neste âmbito e que muito pode ser feito…
É urgente mudar o acompanhamento
Deixemos de atender estes casais junto de grávidas que esperam consultas e ecografias, de fazer consultas de Psicologia para culpabilizar os casais, desvalorizar as suas queixas e necessidades e apenas medicar para que esqueçam aquela dor, deixemos de colocar estes casais no mesmo espaço em que se vivem momentos felizes e nascem bebés, chega de fazer os casais esperar por uma resposta para o caso que estão a vivenciar: sozinhos!
É urgente mudar o acompanhamento que é dado em todo o processo, e constituir equipas de Profissionais de Saúde que realmente queiram “vestir a camisola” e dar a “cara” por um tema tão especial. É necessário unir forças e trabalhar realmente em equipa. Independentemente do serviço em que trabalhamos, seremos sempre Enfermeiros que acompanhamos casos de Perda Gestacional. A articulação entre os Enfermeiros dos diferentes serviços que acolhem estes casais tem de ser melhorada e otimizada.
Não pode ser mais um caso de Perda Gestacional! Tem de ser o caso daquele casal, o filho daquele casal, as necessidades daquele casal e o bebé em quem depositaram tanto amor e tantos sonhos, quer tenham sido alguns dias ou semanas!
As respostas têm de ser melhoradas e ajustadas. Independentemente do tempo de gestação, a dor é válida, existe e tem de ser confortada.