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Testemunhos Testemunhos Interrupção Médica da Gravidez

Quando percebi a situação com a qual teria de lidar, senti a necessidade de procurar testemunhos para compreender, de algum modo, como me sentia e com o que estava a lidar.

Em março 2023 descobri que estava grávida do meu 4º filho. Foi uma gravidez inicialmente de risco tendo em conta que estava com descolamento do ovo. Repouso possível + progesterona. Na eco às 13 semanas estava tudo bem. Diagnóstico Pré-Natal também normal.

No início de Agosto, ao realizar a ecografia morfológica, percebemos que algo não estava bem com o funcionamento do coração do bebé. Nesse mesmo dia, realizei o ecocardiograma fetal que confirmou uma doença cardíaca congénita rara e de grau muito severo (1/10 000 bebés). Recebemos o gélido diagnóstico “incompatível com a vida”.

Como assim “incompatível com a vida”? O meu bebé de 20 semanas tinha uma vitalidade excelente, desenvolvia-se muito bem mas tinha um coração que só funcionava por estar ligado através da minha placenta… mesmo assim, não baixámos os braços e investigámos tanto… pedimos informação a equipas médicas portuguesas bem como a médicos internacionais peritos na patologia mas, infelizmente, não tínhamos as probabilidades a nosso favor.. repetimos mais 2 ecocardiogramas fetais e a evolução não era positiva, sem estabilidade.

No final de agosto, passámos por todo o processo do parto para nos despedirmos do nosso P. às 22 semanas. Pegámos nele ao colo, estivemos o tempo possível com ele (nunca é suficiente) e viemos para casa de braços vazios.

Depois deste grande desafio, surgiram outros bem difíceis, sendo um deles contar aos irmãos que o bebé tinha morrido por estar doente e que não iria voltar. É um grande desafio sermos bons pais quando temos o nosso coração partido… Ainda hoje falam sobre ele e em como gostariam que ele ainda estivesse na minha barriga. Acreditam que temos um anjinho a olhar por nós.

Lidar com o pós-parto de colo vazio é um dos maiores desafios psicologicamente e fisicamente. É um processo solitário dado que já não existe um bebé “a visitar”. Ver a barriga a regredir e mais tarde lidar com o regresso da menstruação que parece mais um murro no estômago… Contudo, a verdade é que, por mais difíceis e desafiantes estes momentos sejam, é importante lidarmos com eles porque nos ajudam no luto. Sinto que, ter dado espaço às emoções e lidado com tudo o que estava a sentir fisicamente, me ajudou no processo. Mas sim, não deixa de ser horrível.

Outro desafio, com o qual tenho lidado, é de facto a nossa cultura não saber lidar com o sofrimento. Os dias passam, as pessoas continuam as suas vidas e é como que nos seja exigido o mesmo. Como se o luto tivesse uma validade. Como se continuarmos tristes e em sofrimento já não fizesse sentido. Como se tivéssemos de voltar à “normalidade”. Para as outras pessoas sim, é a normalidade. Mas para nós… deixou de ser… e a verdade é que, grande parte das pessoas, não sabem lidar com o nosso sofrimento. Só não nos querem ver assim. Mas faz parte do caminho. E é/será durante o tempo que for necessário. Cada um tem o seu tempo de cura, de encontrar um novo sentido para a nova e difícil realidade. Não voltamos a ser a mesma pessoa. É inevitável. E há uma nova versão nossa que temos de conhecer e adaptar no dia-a dia. Na verdade, é uma fase em que estamos a sobreviver.

A quem esteja a lidar por esta difícil experiência, um grande abraço. Sigam o vosso coração e lidem com o vosso dia-a-dia conforme sentem que deve ser. Procurem ajuda mesmo que sintam que estão a “lidar bem” com o processo.

Um abraço

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Olá!

O meu nome é Zita, perdi o meu bebé a 12 de maio de 2023 e este é o meu testemunho sobre diagnóstico de Trissomia 21.


A minha gravidez começou logo mal, quando, no primeiro ultrassom (5s), a médica me disse que eu tinha um descolamento de cerca de 70%, do saco gestacional, devido a um hematoma de origem desconhecida. Estive um mês e meio de repouso absoluto, a tomar progesterona e a repetir o ultrassom todas as semanas.

O hematoma foi desaparecendo e eu fui ganhando esperanças. Às 12 semanas, o hematoma desapareceu. Fiquei radiante e decidi aproveitar a minha gravidez.
Na semana a seguir, com 13 semanas, fui fazer a primeira eco e lembro-me perfeitamente do silêncio da sala depois da médica ter dito, com ar desolado: “Oh Zita …”

Segundos que pareceram horas até eu perguntar o que se passava. O meu bebé tinha líquido no crânio que ia até ao rabinho, como uma espécie de “bossa”.

Fiz a amniocentese no dia seguinte e depois de duas semanas angustiantes, veio o resultado. Trissomia 21 e problemas cardíacos.

Fiquei sem chão, mas a decisão estava tomada desde o primeiro dia de suspeita. No dia 12 de maio dei entrada na Maternidade, para fazer a interrupção da gravidez.

A decisão mais madura e difícil da minha vida. O dia mais desafiante e doloroso (a todos os níveis) da minha vida. Com 14 semanas, deixei o meu menino ir embora.

Não me fazia sentido colocar no Mundo uma criança assim. Sem sequer saber o grau, o meu pensamento era: quando eu morrer, quem cuida do meu amor? Então preferi sofrer eu.

Escrevo o meu testemunho porque vejo que se escreve muito sobre a perda na gravidez e após, mas a decisão de os deixar ir penso eu que fica um pouco esquecida…Só queria dizer a todas as mães que passam pelo mesmo que não estão sozinhas.

Apesar de tudo, só carrego boas memórias do meu menino. Guardei todas as fotos dos ultrassons que fiz. Tirei fotos da minha barriguinha.

Enquanto a tive (mesmo depois de saber o diagnóstico) mostrei-a orgulhosamente ao Mundo porque era o meu filho que ali estava. E na hora de o deixar ir sofri, chorei muito, dei muitas, muitas festinhas da barriga e disse-lhe Adeus.

Agora estaria com 7 meses. E isso dói.

Mas tudo passa…
Será sempre o meu primeiro filho.

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28/07/2023 Leonor, a nossa menina que brilha no céu

2019 foi o ano em que nasceu a nossa primeira menina… Luana ❤️

Passados 4 anos voltámos a sonhar… e o nosso mundo iria ser novamente cor de rosa.

A Luana ficou radiante, ia ter uma mana… Um dia ao regressar da escola disse que o nome seria Leonor.

Não podíamos estar mais felizes!. Tínhamos desejado tanto esta gravidez, esta menina.

Eu costumava gozar com o meu marido ao dizer-lhe que, na próxima gravidez, iria ser outra menina para o deixar com mais cabelos brancos.
Mal nós sabíamos o que estava para nos acontecer …

Dia da ecografia morfológica , a nossa menina tinha uma obstrução no intestino. Naquele instante ao ouvir o médico, o meu coração ficou apertado, as lágrimas corriam me pela cara.. entrei naquele consultório tão feliz mas saí completamente arrasada, eu senti que era algo grave.

Foi recomendado pelo Dr. Eduardo sermos acompanhados pelo centro diagnóstico pré-natal na Maternidade Bissaya Barreto. Até sermos chamados passou-se mais de 1 semana e meia. Já estava com 24 semanas e uns dias.

Fizemos novamente outra ecografia e para além da obstrução, a nossa menina tinha ascite no abdómen (líquido) , aquela réstia de esperança que levávamos dissipou-se…

Entrámos noutra sala onde nós esperavam 4 médicas de Obstetrícia e genética. sabia que não ia sair dali com boas notícias e assim foi… viemos para casa , já com o papel assinado para o pedido de interrupção de gravidez… a decisão mais difícil e dolorosa que tivemos de tomar, sabendo no entanto que seria o melhor.

Chorámos os dois agarrados no carro, nunca pensámos passar por uma situação destas, os sentimentos eram muitos: revolta, frustração, uma tristeza imensa que nos inundou o coração e agora? Como iriamos dizer á nossa Luana que a mana não iria vestir as roupinhas que lhe tínhamos comprado, nem brincar com ela? A vida não nos prepara para isto…

Começámos por dizer que a mana Leonor tinha um dói dói na barriga e só com esta informação, a nossa Luana deixou de falar na mana, deixou de dar beijinhos na barriga … como se ela também sentisse que estava tudo errado.

Esperámos dois dias pela decisão e tinha sido negada a interrupção, pois os médicos que faziam parte do conselho de ética queriam mais exames. Voltámos passados dois dias para fazer nova ecografia e a ascite tinha desaparecido. Por momentos pensámos que era algo bom, mas depressa percebemos que não… Embora a ascite tenha desaparecido, o rim esquerdo não funcionava e estava cheio de quistos. Tudo indicava ser uma doença genética e, com este novo resultado, a nossa interrupção foi aprovada no mesmo momento.

Sexta-feira, dia 28/07/2023. Dei entrada para ser internada para começarmos o processo. De todas as picadas que levei para retirar sangue, para a amniocentese, a que mais me doeu no coração foi aquela agulha a entrar na minha barriga para parar o coração da minha menina, para que ela não sofresse em todo o processo da expulsão. Não há palavras que descrevam o que senti . Só desejava que passasse tudo rápido, pois tinha acabado de perder a minha filha apesar de ela ainda estar na minha barriga mas já sem vida…A minha Leonor já era uma estrelinha ✨

No dia seguinte, pelas 20h, acabava todo o processo de parto, estava completamente arrasada. Tivemos um parto normal a sabermos que não vamos ouvir o choro do nosso bebé, nem vamos sair da maternidade com ele. Perguntaram-me se queria ver a minha menina mas eu não quis. Não iria suportar ter a minha filha morta nos meus braços, iria ser demasiado para mim. Preferi ficar com a imagem da carinha dela nas ecografias e idealiza-la como eu imaginei .

Têm sido dias muito difíceis para nós, mas continuamos no caminho. Não há palavras que nos possam apaziguar a dor no coração, só o tempo… porque nunca vamos esquecer todo o processo que passámos. Vai ser sempre um filho que nós perdemos.

Mamãs e papás, muita coragem e força, e não se esqueçam que tudo é um ato de Amor .
Falem os dois sobre o assunto, não se fechem, se acharem que é demasiado procurem ajuda psicológica.

A toda a equipa da maternidade Bissaya Barreto, só temos a agradecer pois cruzámo-nos com profissionais com uma gentileza imensa, e que nos ajudaram muito a passar por tudo o que lá vivemos.

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Carta aberta a um Amor Maior.

A ti, que lutas todos os dias, que passaste o inverno entre internamentos, mas que não perdes a inocência e a simplicidade de um sorriso.

Aquele sorriso, fácil de encantar, que faz qualquer pessoa dar uma gargalhada, que apesar das limitações, consegue aprender e que bem que aprendes!

Curioso, que gosta de histórias, de pintar e de Metallica! És tão fácil de cativar… e os nossos abraços? Esses são só nossos!

A ti, que vives no Céu, eu sei que não temos aventuras como com o mano, nem brincadeiras, porque a maior aventura vivemo-la todos os dias: aprender a viver longe de ti, foi o maior desafio de todos. Maior do que qualquer internamento, paralisia cerebral ou falar pouco.

Passaram 4 anos e eu contínuo a pensar em ti, todos os dias, onde quer que vá! E não adianta que me digam “que foi melhor assim…”. Não foi, nunca será. Melhor para quem? Para ti, que nunca conheceste o poder de um abraço? Para mim e para o pai, que pensamos como seria ter-te aqui a fazer macacadas de criança? Ou para o mano, que queria ter com quem brincar?

Somos uma família de 4, separados por um Céu de saudade. Hoje nem que as estrelas brilhem, cá dentro, tenho uma trovoada de sentimentos. O tempo passa, mas o Amor que tenho por vocês, esse é infinito e nunca deixarei que me digam que foi melhor… não são os outros que carregam um filho num colo de 2… e enquanto assim for, serão sempre meus…

Amor infinito,
Mamã

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Depois de casarmos, planeámos ter um bebé. Fizemos as consultas e exames de preconceção, bem como a toma das vitaminas pré-natais, tudo muito certinho.

Descobri no dia 24 de janeiro de 2022.  Uma felicidade enorme com aquela inocência à mistura. Fiz uma surpresa ao meu marido, com uma brincadeira numa caixinha. Estávamos tão felizes… O nosso sonho estava ali.

Pelas 7 semanas comecei com perdas de sangue, dirigi-me às urgências no qual foi descoberta uma gravidez gemelar. Avisaram-me imediatamente que normalmente um dos bebés não evolui. E assim foi. Na semana seguinte voltaram a avaliar e um dos bebés não tinha evoluído.

Sinceramente não lidei como uma perda, porque o saco já estava vazio e acabámos por nos concentrar no bebé que estava a evoluir bem. Continuei com algumas perdas, mas sempre me foi dito que seria devido à perda do primeiro bebé.

Até às 12 semanas confesso que nunca achei que a gravidez fosse para a frente. Mas chegámos ao marco que achava eu o mais importante: a ecografia do 1ºtrimestre. Tudo normal e dentro dos parâmetros nessa ecografia.

Pelas 16 semanas descobrimos que seria menina, a nossa Ema. O nosso sonho tornado realidade. Cada vez sentia-a mexer mais e lembro-me de comentar isso com a obstetra do qual me respondeu “é sinal de vitalidade” (nunca me esquecerei desta frase).

Tínhamos férias marcadas para o dia seguinte à eco do 2º trimestre, pensando nós que tudo continuaria a correr bem. Estava a ser acompanhada como gravidez de risco, mas, como me foi dito que estava sempre tudo bem, confiei.

Nessa ecografia, a médica guardou para o fim para nos dizer vagamente e sem chamar as coisas pelos nomes que as coisas não estavam bem. Saiu do consultório, voltou e não explicou nem disse absolutamente nada. Pedi-lhe o relatório e recusou. Foi-me dito que seria enviado à minha obstetra e que ela depois falaria comigo. Vi logo que seria grave, pois esconderam-me informações das quais tinha direito. No dia seguinte, tivemos a consulta com a obstetra que nos explicou melhor, e disse realmente que parecia ser muito grave. Partimos imediatamente para uma amniocentese.

Doeu-me a alma. Doeu-me cada veia do meu corpo. Nunca na minha vida experimentei dor tão forte como aquela.

Uma semana depois veio o primeiro resultado e tudo normal (enchemos-nos de esperanças).
Só 4 semanas depois do exame é que recebemos o resultado completo. Aí o mundo caiu-nos. A nossa bebé não iria sobreviver.
Foi uma grande luta entre profissionais de saúde que tiveram zero de empatia e que me trataram como a “batata podre do hospital”, e entre os que me acolheram com uma humanidade sem igual e me deram tudo o que precisava.
Tínhamos de interromper a gravidez e isso incluía um parto normal, que é tudo o que menos queremos viver quando vivemos um pesadelo destes…

No dia 12 julho, às 26s+6d, foi feito o feticídio. O momento mais difícil que alguma vez vivi. Terem de parar o coração da minha filha, ainda dentro de mim. Sentia-a mexer até ao fim. Doeu-me a alma. Doeu-me cada veia do meu corpo. Nunca na minha vida experimentei dor tão forte como aquela. Nem sabia que a dor física se podia juntar à dor emocional e tornar-se aquele monstro. Parte de mim morreu naquele dia, sabem? Não ficamos as mesmas pessoas.
Como é que uma vida acaba onde tudo começa? Nada fazia sentido. Saí despedaçada, vazia, mal via o chão de tanto chorar.

Após 2-3 dias de uma dolorosa e difícil indução de parto, nasceu a minha Ema, às 00h25 do dia 15 de julho.

Foi um parto tão silencioso que se torna assustador.  De facto, há choro, mas não é o choro do bebé, só os nossos, e há um bebé, mas um bebé sem vida, que não levamos para casa. A minha pequenina, minha Ema, o meu maior amor nos meus braços.

Qual é o propósito de um nascimento sem vida?  O meu desejo de ser mãe estava nos meus braços e era agora um sonho destruído…
Ficámos ali, meia hora a namorar a nossa filha, o primeiro e último colo que lhe íamos dar. Qual o propósito de um nascimento sem vida? Numa sala onde a vida começa, onde o choro deveria ser de alegria e de um bebé com vida…

Os dias seguintes foram um turbilhão de sentimentos. Chorávamos dia e noite. Não dormíamos. Assistimos ao meu corpo pós-parto, confusos com tudo. Ainda hoje, não há uma única vez que não me olhe ao espelho e não me imagine grávida da minha borboleta. Fica-nos marcado no corpo. 

A minha filha será sempre o meu grande amor, a minha borboleta. Vou guardá-la e lembrá-la sempre.

Após uns dias  procurei ajuda aqui no “Amor para além da Lua” onde me acolheram e me ajudaram, como eu tanto precisava (e que eu agradeço tanto).
Com o passar do tempo, com toda a dor, revolta e também amor nasceu também a minha grande vontade de ajudar.  
E assim, no dia 5 de agosto, criei o “Amor com Asas”, uma página também de apoio à Perda Gestacional e Neonatal. Um projeto ao qual me dediquei de corpo e alma, que me ajudou e ainda ajuda muito, na evolução da minha recuperação. Tornou-se a minha terapia também.
Em outubro juntou-se a minha querida Telma, uma grande amiga que chegou à minha vida com a luz que eu precisava, unidas pela dor da perda.
Como designer, também criei o meu atelier “Amor de papel” onde transformei também a minha dor em amor, com ilustrações de nascimentos e perdas de bebés.
Espero do fundo do coração que aqui, no “Amor para além da Lua” ,encontrem o conforto que precisam. Não se sintam sozinhos, é um caminho difícil, mas partilhamos a mesma dor. 

Um abracinho a todos,

Renata

Pode visitar as páginas nas redes sociais da Renata em:

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Há muito que quero partilhar convosco a minha “história”. mas a verdade é que ainda não tinha conseguido reunir as forças suficientes e, por outro lado, não queria que fosse apenas um “despejar da minha revolta”. Queria que, de alguma forma passasse uma imagem de esperança a todas vocês.

Provavelmente vou chocar algumas mamãs desse lado mas…terei de ser sincera convosco…Ser mãe nunca foi (durante quase toda a minha vida) um sonho! A minha história de vida (e que não vale a pena falar agora dela) não me permitia fazer do ser mãe um sonho.

Levei muitos anos a “mentalizar-me” porque, no fundo, também não me via sem filhos… Aliás, há mais de 10 anos que sabia que se conseguisse engravidar, iria ser um menino e que se iria chamar Miguel. Não me perguntem onde fui buscar esta certeza mas eu sabia, não sei como…

Finalmente ganhei coragem e, passado 1 ano e 2 meses de tentativas e com uns simples sintomas que poderia indicar uma gravidez, lá fiz o único teste de gravidez da minha vida e que mostrou um “GRÁVIDA 3+”. Foi um misto de felicidade, de preocupação, de medo mas… acima de tudo um “consegui”, um “fui capaz”!

Seguiram-se os passos normais, as consultas normais, as ecografias…fiz tudo como “manda a lei”, tanto no serviço nacional de saúde como nos intervalos das consultas no público, com a minha obstetra.

Às 6 semanas tive um “sustozinho” de uma perda de sangue e fui às urgências mas fiz uma medicação e tudo evoluiu de forma positiva. Também foi nesta consulta que ouvi, pela 1ª vez, e sem estar a contar com isso, o coração do bebé. Foi lindo!

Por volta das 15 semanas tive a confirmação que iria ser um menino, o meu Miguel.

Andando com a história para a frente e a 2 dias de fazer a ecografia do 2 trimestre fui às urgências pois, pela 3ª ou 4ª vez durante a gravidez, tinha umas dores de cabeça muito fortes.

Ali, naquela sala pequena, o mundo desabou! A partir daí, dessas palavras, foi como se entrásse em “piloto automático”, como se ficasse anestesiada, como se deixasse de estar lá (mas também não vos sei dizer onde andaria)…

Só fui porque uma amiga minha enfermeira e o meu namorado me pediram quase por favor só para ir ver. Para mim não passavam das minhas enxaquecas e que teria de as aguentar, uma vez que a medicação que faço em S.O.S para elas, não deve ser feita durante a gravidez.

Sempre ouvi dizer que na gravidez não era possível ter enxaquecas mas, a verdade, é que não estava a conseguir concordar com essa afirmação.

Entrei nas urgências dia 01 de Agosto (a 1 dia de fazer 21 semanas) a pensar que me iriam dar uma medicação qualquer na veia e que iria para casa passadas uma ou duas horas…só quenão!

Realmente fizeram-me essa medicação, o que me fez passar a dor de cabeça mas a tensão estava um pouco elevada e estava a perder proteína na urina. Teria de ficar para o dia seguinte. Esse ter de ficar manteve-se até dia 04 de agosto, altura em que fui transferida para a maternidade Bissaya Barreto em Coimbra.

Só posso dizer que foram dias de muito medo, por não saber o que se passava comigo, nem com o meu bebé. Muito medo de pensar sequer que o poderia vir a perder. Era tão pequenino, tão calminho, tão bem comportado, não me fez um único enjoo…se não fosse o crescer da barriga, nem parecia grávida. Como é que agora conseguiria imaginar não o poder fazer viver?!

Estive sempre rodeada de profissionais humanos, tanto médicos, como enfermeiros, como assistentes operacionais, devo-lhes muito mas…a minha saúde continuava a deteriorar-se. Numa semana inchei de tal maneira que aumentei 9kg de peso. A proteína que perdia na urina era cada vez mais, o fígado estava mal, os rins estavam mal, a hemoglobina muito baixa, as plaquetas muito baixas e a tensão sempre alta, principalmente a baixa…mas, sentia-me bem, acreditam?! Embora, cada vez mais sem esperança num final que considerasse feliz…

Dia 08 de Agosto fui chamada a uma sala, juntamente com o meu namorado, onde estava o diretor do serviço, o diretor do hospital, a equipa de enfermeiros desse turno e foi-nos transmitido que o bebé era pequeno para o que seria de esperar, que a minha placenta não estava a alimentá-lo convenientemente, que os meus órgãos estavam a entrar em falência e que teriam de interromper a gravidez.

Ali, naquela sala pequena, o mundo desabou! A partir daí, dessas palavras, foi como se entrásse em “piloto automático”, como se ficasse anestesiada, como se deixasse de estar lá (mas também não vos sei dizer onde andaria)… Era uma decisão que só eu e o meu namorado poderíamos tomar mas…não havia mais nenhuma! Por isso, e até hoje, não percebemos o porquê de ter de fazer um pedido à comissão de ética do hospital a pedir essa interrupção.

Percebo que será uma maneira dos profissionais se salvaguardarem, mas…será que eles saberão o que significa para uma mãe, para uns pais fazer um pedido para que matem o filho?!

Ainda hoje, passados 4 meses, se me pedem para assinar qualquer documento, eu viajo instantaneamente para aquela sala, para o assinar daquela folha branca! A única coisa que de alguma forma me alivia um pouco a dor, é que os médicos sempre disseram que se eu ficasse em risco de vida, eles iriam intervir mesmo sem o parecer dessa comissão de ética e…foi mesmo isso que aconteceu!

Às 22 semanas e 1 dia (dia 10 de Agosto) nasceu o meu Miguel, de parto normal e sem direito a epidural, uma vez que o valor das minhas plaquetas não me permitiram levar…

Tive dores, induzir o parto foi horrível, as contrações não são fáceis e o expulsar a placenta também não foi (tive de ir ao bloco para conseguirem) mas o que mais me doía e dói, até hoje, é a alma! Tudo, todos os sonhos acabaram ali e tenho muitas saudades das coisas que nem nunca vivi, não sei se me conseguem entender…

Escolhi (e uma vez que moramos a muitos quilómetros da maternidade e o meu companheiro estava a acabar de chegar a casa depois de ter estado comigo) passar pelo parto sem a presença dele, escolhi poupá-lo a isso. Não o deveria ter feito! O pai precisa estar connosco para conseguir perceber melhor por tudo o que passámos. Se me posso arrepender de alguma coisa, é do ter poupado a isso sem sequer lhe perguntar qual era a decisão dele.

Também escolhi não conhecer o meu Miguel…ainda não sei se fiz bem já que em quase todos os vossos testemunhos vocês escolhem ver os vossos bebés mas…a verdade é que não tive coragem. Foi o que me fez mais sentido na altura, sabendo que só teria essa oportunidade e que me poderia arrepender mais tarde…(e ainda não me arrependi).

Passado todo este tempo ainda não temos resultados dos exames feitos ao bebé e placenta, nem de análises super específicas feitas a mim (e só terei nova consulta em Fevereiro!) que me expliquem o porquê, precisava disso para me aliviar, de alguma forma…o diagnóstico foi que tive pré-eclâmpsia com síndrome de HELLP mas não percebem o porquê. Até porque, ao que parece, a pré-eclâmpsia está descrita nos manuais que pode acontecer a partir das 20 semanas mas nunca acontece, é só mais no final da gravidez e eu…comecei antes das 19 semanas, até! Todos são de opinião que tive algo muito grave mas…não o conseguem explicar! Provavelmente terei alguma doença autoimune mas não sabem com certeza e muito menos qual! Ainda pensaram que poderia ser hipertensa ou diabética antes da gravidez e não saber mas…isso já está posto de parte.

Será que alguma vez conseguirão descobrir? Não sei. Será que poderei voltar a tentar?

Não sei. Será que ainda está guardado algo bom para mim? Também não sei, mas gosto de pensar (e agora consigo finalmente fazê-lo) que foi o melhor para mim mas, e acima de tudo, para o meu Miguel. Ele está bem e eu também terei de ficar para ele estar feliz, acredito nisso!

Se é fácil? Não! É a pior coisa do mundo! Nenhuma mãe devia passar por isto mas, com muita força de vontade e ajuda psicológica, posso dizer-vos que é possível ter esperança num futuro mais bonito para nós.

Mesmo com frases do tipo “sabes, também já não és nova”- fiz agora 40 anos…; “foi melhor agora que mais para a frente”- às 22 semanas +1dia dói menos?! É perder um filho; “Não podes estar assim”- quem disse? Eu estou como quero e consigo!; “Não chores!” – porquê? Tenho mais é de chorar, deitar tudo cá para fora!; “Sabes? É o teu corpo que não dá!”-esta foi a mais dura porque até agora tudo indica que foi mesmo o meu corpo que foi fraco, mas precisava que me dissessem isso? Ninguém precisa!

Nós somos mais fortes, sabemos que, no fundo, as pessoas não sabem o que dizer e, quando dizem, só dizem disparates! Coitadas é delas!

Estamos numa época do ano que julgo ser ainda mais desafiante para todas nós (e o meu Miguel tinha data prevista de nascimento para dia 11 deste mês de Dezembro e seria o seu 1º Natal) mas nós somos fortes, somos guerreiras e vamos conseguir lidar com tudo isto com mais leveza, já que esquecer nunca o vamos conseguir (e acho que nem queremos).

Desejo que também vos seja possível acreditar e dou um grande beijinho no vosso coração. Estou aqui e disponível para falar convosco, em particular, se sentirem que vos posso ajudar com alguma coisa.

Mamã da Estrelinha Miguel

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Hoje, um ano depois do dia mais triste das nossas vidas, abro pela primeira vez, o meu coração para partilhar a minha história, a nossa história. 

Hoje, com o coração mais calmo, e depois de aceitar que deixar partir é um ato de amor, venho contar-vos que a perda de um filho é dos momentos mais traumáticos na vida de qualquer família.

Era Agosto e nós íamos fazer a ecografia morfológica, decidi levar a nossa filha para que pudesse ver pela primeira vez o mano/a. 

Sempre ouvi dizer que as mães têm um sexto sentido, e caramba… nesse dia fiquei a saber da pior forma possível, que afinal ele existe mesmo.

Pouco tempo antes de entrar no consultório, lembro-me perfeitamente de dizer esta frase “tenho tanto medo que não esteja tudo bem”. E não, não estava. Mal eu sabia que partir daquele dia, iria carregar uma das maiores dores em toda a minha vida. 

Entrámos no consultório, entusiasmados. Afinal íamos ser pais de 2, que bênção!

O médico coloca a sonda, e pergunta-nos se já sabemos o sexo do nosso bebé, e nós respondemos que não. Minutos depois, recebemos a notícia que íamos ter mais uma menina, para fazer companhia a este nosso leque familiar de mulheres. 

Pouco tempo depois, um silêncio invade a sala. A dada altura, decidimos perguntar se estava tudo bem, ao qual prontamente o médico me diz que não, não está tudo bem. O seu bebé tem um quisto no cérebro, tem de ir imediatamente à maternidade fazer exames mais específicos. 

Saímos desalmadamente daquele consultório, lavados em lágrimas, em desespero e completamente sem reação. 

Rapidamente as nossas famílias nos prestaram auxílio e vieram ao nosso encontro. Nessa tarde, corremos todos os hospitais possíveis. Estava a ser seguida no hospital particular, e dirigi-me as urgências ao qual rapidamente fui descartada, pois poderia não ser uma gravidez evolutiva. A resposta que me foi dada, era de que se tratava de uma situação muito burocrática. Corri mais 2 hospitais, acabei na Maternidade Alfredo Da Costa, onde com a maior empatia do mundo, me marcaram uma consulta no Diagnóstico Pré-Natal. Um sítio onde tudo começa, e onde acaba para muitos dos bebés. 

Era sábado, tinha um fim-de-semana inteiro pela frente…foi horrível. Não estávamos a conseguir aceitar o que se estava a passar, e estávamos aterrorizados a espera que a segunda feira chegasse. 

O dia chegou, dirigi-me à Maternidade Alfredo da Costa para a minha primeira consulta, no local onde ninguém quer estar, o diagnóstico pré-natal. Lá eu poderia imaginar que aos 30 anos de idade, iria ter de passar por um processo tão difícil como este.

No dia 15 de Outubro , no dia em que se celebra o dia da consciencialização da perda gestacional, a Benedita veio ao mundo, num parto respeitado e humanizado.

Depois de várias horas em espera lá entrei, e o médico teve perto de 1h a fazer uma ecografia. Realmente viu que existia um problema, mas ainda com muitas dúvidas. Aconselharam-me a fazer a amniocentese, para avaliar e despistar outro tipo de doenças gravas. Nesse mesmo dia fiz o procedimento. 

Lembro-me perfeitamente de nesse mesmo dia, me darem um termo de responsabilidade para assinar, caso fosse necessária intervenção médica, ou melhor dizendo uma Interrupção médica da gravidez, tendo em conta o estado avançado em que já me encontrava da gravidez. 

Colocarem nas nossas mãos, o destino da vida dos nossos filhos é um peso muito grande. É o peso de uma vida. A vida da minha filha. 

Informaram-me que deveria fazer uma ressonância magnética, pois só partir daí se conseguia ver melhor o bebé e problemas internos. 

Fui para casa de repouso, e 2 dias depois estava a fazer a ressonância. Disseram-me que teria de aguardar o resultado, e que a maternidade me ligaria para ir novamente a consulta. 

3 semanas depois, volto a fazer ecografia e a dúvida do médico persiste apesar da ressonância confirmar que existia um problema. 

Informaram-me que teria de aguardar, e fazer um acompanhamento da minha bebé para ver se o problema podia ter um retrocesso. Segundo os médicos era um problema que poderia ir ao lugar com o crescimento fetal. 

Na altura fiquei muito revoltada, não aceitava porque tanto tempo, porque me fazerem sofrer tanto. A espera era horrível, e eu sabia que quanto mais tempo passasse, mais doloroso seria para a nossa família. 

Durante longos 2 meses entre esperas e exames, lá chegamos ao diagnóstico final. 

Nesse dia, deram-nos a pior noticia que se pode dar a qualquer mãe ou pai. 

A nossa filha aos 8 meses de gestação, foi diagnosticada com uma má formação do sistema nervoso central, tinha uma síndrome muito rara e que seria totalmente incompatível com a vida humana. Foi devastador.

Disseram-me que uma neura pediatra iria entrar em contacto connosco, para nos explicar o que se estava a passar com a nossa bebé, e assim foi. 

Estávamos devastados, íamos a sair da maternidade quando recebemos uma chamada de uma enfermeira, a enfermeira Leonor Gonçalves, que para mim continua a ser um anjo da guarda. A Leonor queria saber como nós estamos, e falar connosco. Assim foi, voltamos para trás, fomos levados para uma sala e lembro-me como se fosse hoje. A Leonor, tocou no meu braço e disse pode chorar, fique a vontade. Foi um dos gestos mais bonitos que podiam ter tido connosco naquele momento doloroso. A ajuda veio ter connosco, sem pedirmos ajuda. Foi bonito e muito importante para nós. Até aos dias de hoje, a Leonor está sempre presente nas nossas vidas. 

Realmente são as pessoas que fazem os sítios, e o trabalho daqueles profissionais é tão importante para nós pais que vamos perder os nossos filhos. 

Dia 11 de Outubro, vamos }a maternidade iniciar o processo. Nesse dia somos deparados com uma série de questões, e mais uma vez a Leonor estava lá para nos apoiar, ajudar e agilizar todo este processo. 

A Leonor ajudou-nos com as questões mais burocráticas, e falou-nos sobre a oportunidade de conhecer a nossa filha, de ficar com as impressões dos pés e das mãos da nossa filha. Nem sequer pensei que isso fosse possível para um bebé que nasce sem vida.

 Dois dias depois, seguia-se o meu internamento para iniciar a indução de trabalho de parto. 

Nesses 2 longos dias, tivemos que tratar daquilo que mais custa a qualquer pai, enterrar um filho. Tratar do funeral da nossa filha que ainda não tinha nascido, e quem nem o mundo ia conhecer. 

Foi completamente devastador, não fui capaz de entrar na agência funerária, assinei os papéis no carro. Mas saímos dali com tudo tratado. 

Seguia-se outra fase complicada, comprar uma roupa para a nossa filha. Entrei 3 vezes na mesma loja e não consegui comprar nada. Acabei por ter de pedir ajuda a família para comprar a roupa para a nossa filha. 

É muito duro preparar o funeral de alguém ainda em vida. 

Dia 13 de Outubro com 31 semanas, fui internada. Cheguei a maternidade, a Enfermeira Leonor já estava a nossa espera. Fomos para uma sala, onde revimos todos os pormenores do que iria acontecer partir dali. 

A Leonor generosamente, sentou-me num cadeirão ao lado da janela e disse-me para eu me despedir da minha filha, para lhe poder dizer que me perdoasse, porque o que eu estava a fazer era um ato de amor.  A Leonor deu-me tempo, deu-me a mão, fez-me sentir mais calma. 

Ensinou-me a exercícios para me sentir mais calma, para saber controlar as dores no trabalho de parto. 

Fomos então para a sala de ecografias, onde a médica estava a minha espera, acho que foi o momento mais duro do processo no hospital. Iriam ter de provocar a paragem cardíaca a nossa Filha. Deitei-me, demos a mão os dois e encostamos as nossas cabeças e a médica pediu-nos que não olhássemos para o monitor. Minutos depois, senti-me a perder os sentidos, estava completamente em outra dimensão e só me lembro da Leonor me tirar a máscara e dizer “fique comigo, concentre-se na minha voz”. O procedimento terminou, e estava meio adormecida.

Desci para o internamento, onde fui para uma sala isolada, para não ter qualquer tipo de contacto com as outras grávidas e ouvir os bebés chorar. Acho que isso é de uma enorme empatia que se pode ter com alguém. 

Fiz a primeira medicação para indução de parto, e nesse dia nada aconteceu, ao final da noite tentaram outro método de indução, que teria de se dar uma janela de 24h para tentar novo método. No dia seguinte, comecei a ter muitas dores, mas não tinha dilatação ainda, e na noite de 14, as dores começaram a agravar. A todas as enfermeiras da maternidade só posso agradecer todo o carinho que me deram, traziam me medicação, sentaram-se na minha cama e deram-me a mão, limparam as minhas lágrimas imensas vezes. 

Na manhã seguinte fui para o banho para atenuar as dores, estavam insuportáveis. Já estava em trabalho de parto desde essa noite. A médica veio avaliar, e já estava pronta para ir para o bloco de partos. Desci, levei epidural e começa o início de tudo, o medo, o fazer nascer. 

A enfermeira parteira Cleisa, que até hoje não me esqueço do nome dela disse-me “vamos ao seu ritmo, nasce quando você quiser” e assim foi. 

No dia 15 de Outubro , no dia em que se celebra o dia da consciencialização da perda gestacional, a Benedita veio ao mundo, num parto respeitado e humanizado. Não, a Benedita não chorou, mas tudo em mim se desfez por completo. 

Levaram a Benedita e aconchegaram-na na mantinha que tinha sido da irmã, a enfermeira regressa com uma caixa de memórias, com a hora do nascimento, o dia, e a impressão dos pezinhos e das mãozinhas. 

Chorei muito, foi devastador. 

No dia seguinte tive alta logo de manhã e fui para casa descansar, a nossa filha estava ao cuidado da nossa família, mas tínhamos que nos preparar para lhe dar a notícia. 

Na manhã seguinte fui buscá-la, sentei-me com ela e expliquei o que aconteceu à mana. Ela reagiu bem, ficou calma apenas nos perguntou se ia continuar a ser só ela na nossa vida e nós respondemos que sim e demos um abraço. 

Estivemos 1 semana a espera que liberassem o corpo da Benedita, e o dia do funeral chegou. Decidimos cremar a nossa filha, e lembro-me que ao chegar ao crematório havia uma placa que dizia “Filho de Soraia Carvalho”, foi aí que tudo se tornou ainda mais real. 

Demos a mão e entrámos, quando eu vi aquele caixão pequenino, não consegui conter-me e chorei compulsivamente. Foi um ambiente muito pesado, foi muito complicado, mas as nossas famílias estiveram sempre lá para nós. 

Aos poucos fui aprendendo a lidar com a nossa dor, a gerir os meus sentimentos. Descobri da pior forma, que o luto é um caminho longo e solitário. 

Hoje com o coração mais calmo, fiz as pazes com a vida, porque tal e qual como comecei a nossa história, deixar ir é um ato de amor. E assim foi.

Enquanto mãe, vivi o dia mais feliz da minha vida, e o mais triste também. Mas Hoje, Inicio um novo ciclo, e tu querida Benedita vais sempre fazer parte da história da minha há vida. 

Querida Benedita, espero que estejas em paz. Lembro-me de ti todos os dias. 

Com amor, Mãe.

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Faz-me todo o sentido enviar esta mensagem hoje, 18 de Setembro, dia que faz precisamente 2 meses que fiz a intervenção cirúrgica mais difícil da minha vida: a da interrupção seletiva de um dos meus gémeos.


No nosso caso, após a transferência de um embrião, ele dividiu, fomos surpreendidos com o facto do Universo nos dar em dobro o nosso maior desejo, mas, rapidamente, percebemos que esse segundo feto não estava bem: tinha vários problemas. O mundo caiu, foram semanas de ansiedade, porque não era totalmente garantido que o gémeo saudável conseguisse ultrapassar essa intervenção.

Não duvidamos por um momento que era o que tinha que ser feito: foi um ato de amor por ele que não tinha condições fora do útero, mas ainda não compreendemos o porquê de nos ter acontecido.

O nosso bebé surpresa tinha um nome, é o Gonçalo. Não há um dia que não me lembre dele e irei vê-lo para sempre no irmão.

Espero que ele saiba que o que fizemos foi por bem, foi por amor e que nunca o iremos esquecer.

Quero acreditar que um dia ele voltará para nós.

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No dia 7 de Dezembro fui ao hospital fazer um exame regular do papanicolau e a enfermeira perguntou-me, antes de fazer o exame, se eu poderia estar grávida. Nós tínhamos tentado umas vezes e o meu período não tinha vindo no mês passado, mas eu tinha feito um teste em casa e era negativo. Ela pediu-me para fazer outro teste antes do exame “just in case”. Eu aceitei sabendo que o resultado seria negativo. 15 minutos depois o resultado mostrou ser positivo e eu fiquei em choque.

Era um bebé planeado e desejado mas, sendo a primeira gravidez, há sempre aquele misto de felicidade, medo, expectativa, euforia.

Eu estava grávida de 6 semanas e, até às 21 semanas, nunca houve nada de errado com exames. Apenas queríamos que o bebé fosse saudável e não queríamos saber o sexo do bebé até ao parto. O meu exame dos cromossomas das 12 semanas revelou que eu tinha apenas 1 chance em 9000 em o bebé ter trissomia 21 ou Síndrome de Edwards. No exame de morfologia, em Março, confirmou-se que o nosso bebé era esse caso em 9000.

A 9 de Março de 2021, tive a consulta de morfologia com um scan que revelou que o bebé tinha um  “buraco” no coração e lábio leporino. Levaram-nos para um quarto pequeno, onde só havia um sofá, uma mesinha com lenços de papel, ao que o meu parceiro disse logo “este é o quarto das más notícias” e até ouvir da boca da enfermeira eu não queria acreditar. Pediram-nos para voltar outra vez na sexta 12 de Março para um teste com uma especialista de problemas cardiovasculares de bebés dentro da barriga. Nesse exame, ligaram o som do coração pela primeira vez e, porque o foco da consulta era perceber o que se passava com o coração, não me avisaram que iam ligar o som que eu nunca tinha ouvido. Foi a primeira e última vez que o ouvi. Depois da consulta e outra vez numa sala de más notícias, a médica explicou-nos que o problema com o coração por si só não era raro, mas associado ao lábio leporino, céu da boca rasgado e algo anormal no cérebro, o diagnóstico não era animador.  

Foram-me dadas 3 escolhas:

  • 1) espero mais umas semanas e faço o exame da amniocentese para saber mais sobre este diagnóstico;
  • 2) Levo a gravidez até ao fim e o bebé pode ou não sobreviver ao parto mas se sobreviver, certamente vai ter uma qualidade e esperança de vida muito limitada;
  • 3) termino a gravidez imediatamente com ajuda médica.

Foi a decisão mais rápida e mais difícil que tomei na minha vida. Os dias que se seguiram foram uma espécie de pesadelo. Naquela sexta feira tomei o primeiro comprimido para parar as hormonas da gravidez e no domingo dei entrada no hospital às 4 da tarde. Às 7 da tarde tomei o primeiro comprimido de 5 para provocar o parto e, durante horas, estive numa luta com o meu corpo porque este teimava em dizer à ciência que não era a hora.

A Rita Leonor nasceu as 12h30pm no dia 15 de Março e não sobreviveu ao parto, como era de esperar. Ficamos a saber que tínhamos uma filha e como não tínhamos preparado nada, nem nome, decidimos na hora dar-lhe o nome das nossas avós que já tinham falecido. Felizmente, há gente maravilhosa neste mundo, e as parteiras foram anjos e trouxeram cobertores e roupas que outros anjos tinham tricotado para famílias nesta situação impensável. Eu não queria ver a bebé inicialmente mas ainda bem que tive um momento de clareza e tivemos o nosso tempo para segurar a bebé e estarmos com ela sozinhos. Mostramos-lhe a nossa música favorita, tiramos fotos e dissemos adeus.

De volta a casa de braços vazios, foi tempo de recuperar e esperar pela notícia que o corpo estava preparado para o funeral depois de todos os exames feitos. O funeral foi dia 1 de Abril com apenas o meu parceiro e os pais dele. Seguiram-se meses de espera para o resultado dos exames e a confirmação de que a Rita Leonor tinha a síndrome de Edwards e que não sobreviveria ao parto. Seguiram-se meses de incerteza na relação, um luto tão diferente para mim e o meu parceiro, um abismo que se abriu entre os dois e que só o diálogo e a paciência cimentou a ponte entre os dois e reduziu a distância.

Hoje, ano e meio depois, estou grávida de novo, mas sem a expectativa da primeira vez. Há uma cautela enorme, um quase não querer sequer falar sobre para não “agoirar” ou não me apegar a este sonho de novo.

Esperamos ansiosamente pela ecografia das 20 semanas para podermos respirar sabendo que nada, nunca nada é garantido. 

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O meu nome é Flávia e realizei uma interrupção médica da gravidez a 17 de Novembro de 2017 por uma má formação. 

Foi diagnosticada uma deficiência congénita em ambos os membros superiores, designada por mão torta radial nível 4, ou seja, o grau pior pois os ossos não formaram: os ossos que iriam sustentar os polegares de ambas as mãos simplesmente não existiam.

Às 18 semanas de gravidez, na ecografia que descobri que era um rapaz, também descobri que teria uma deficiência para o resto da vida. Ir ao céu e ao inferno em poucos segundos é bem possível e foi o que vivenciei naquela sala.

Consultamos um dos melhores ortopedista pediátricos que foi muito claro: se nascer, irá passar a vida em cirurgias e nunca poderá ser autónomo.

Naquela altura eu só não queria ser responsável por colocar um filho num mundo tão mal preparado para aceitar pessoas com deficiências e, muito menos, ver sofrimento nos olhos de um filho um dia mais tarde.

Ao pesquisar sobre interrupção médica da gravidez, a única coisa que aparece é procedimentos legais e muito poucas mulheres a falarem realmente o que acontece ou o que sentiram. 

Na altura foi muito doloroso e o hábito de olhar para a barriga parou. O hábito de estar sempre a tocar e tentar perceber onde estava dentro da barriga passou a não se fazer. Os espelhos, de um momento para o outro, tornaram-se objectos dolorosos, tomar banho virou um sofrimento e o trocar de roupa fazia-se sem olhar para baixo. Doeu perceber que os gestos que me traziam felicidade passaram a ser sofrimento. E quando tinha que sair à rua e, aleatóriamente, deparava-me com grávidas e bebés, fazia com que as lágrimas começassem a escorrer do nada, de forma automática. O isolamento era cada vez maior, dentro da minha própria casa. 

Tomar a decisão e assinar aquele papel a dizer que queria interromper a gravidez naquela altura era como se tivesse a assinar um papel para matar o meu filho. E o período de reflexão que é obrigatório foi terrível. Até hoje a pergunta mantém-se: será que foi o certo?! 

Os olhares de pena dos médicos e dos auxiliares, em conjunto com as palavras “muita força” ou “vocês ainda são novos”, eram ouvidos com um misto de compreensão e raiva ao mesmo tempo, se é que isso é possível, mas com um sentimento de gratidão por cada uma das pessoas envolvidas no processo, claro. Os três comprimidos para parar o processo hormonal da gravidez foram tomados e cada um que tomava, naquele consultório, sentia um pontada no coração e uma parte de mim morria ali. Era o início do luto de alguém que estava dentro de mim. 

Até hoje a pergunta mantém-se: será que foi o certo?

O procedimento era ter um parto normal, de forma a possibilitar ter filhos futuramente e, fazendo juz a um parto normal, o meu durou 25 horas com a diferença que o meu filho já nasceu sem vida. Não há nada que doa mais do que ver um filho nascer sem vida e ainda em fase de desenvolvimento. Doeu ver, doeu sentir.

Passar pela dor física e psicológica de provocar um parto a uma mulher que não vai ter o seu filho vivo é das sensações mais dolorosas que se pode passar. Deveria haver um método mais rápido e que não doesse tanto. Chorei, chorei muito, apenas não queria que fosse assim ou não era suposto ser assim.

Na manhã seguinte a ser internada, tive a visita de um médico que deu ordem para me darem um antibiótico para acelerar o processo pois já chegava de sofrer….e acelerou! 

E, sem epidurais nem qualquer outra anestesia, pois só tivemos tempo de chamar a enfermeira, o meu filho nasceu, morto, às 12h45 do dia 17 de Novembro de 2017, no quarto 412 do hospital do SAMS e o pior de tudo foi vê-lo.

Doeu todo o processo, desde a descoberta até sair do hospital sem o meu filho nos braços e dói, até hoje, e acho que irá doer sempre! É um buraco no coração e na alma que nunca mais ficará sarado. Uma mãe nunca deveria perder um filho pois esse acontecimento modifica-te para sempre.

Hoje, passados 5 anos, quando fecho os olhos, é como se tivesse sido ontem e acho que irá perdurar até ao resto da minha vida. Felizmente já tive o meu bebé arco-íris saudável, mas foi uma gravidez vivida com muito medo de ouvir uma notícia terrível. Graças a Deus nasceu um bebé forte e saudável, que já conta com 19 meses e, neste momento, estou à espera de outro menino que ainda está a fermentar na barriga, que já conta com 33 semanas. O incrível, ou talvez não, é que irá nascer exactamente no mês que eu perdi o meu primeiro filho; Novembro. 

E sim, digo a todas as pessoas que sou mãe de três filhos, um deles é um anjo que está no céu a olhar pelos irmãos 

Partilho o meu testemunho porque acho muito importante falar, e aconselho a todas as mulheres que perdem os seus bebés que falem e procurem ajuda – eu não o fiz na altura,por achar que iria conseguir lidar com a situação, e existem feridas que se mantêm abertas até hoje por causa disso. 

Obrigada pela oportunidade de dar o meu testemunho.

Um grande beijo,

Flávia