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O meu nome é Rafaela.

Partilho hoje a minha história, porque foi exatamente há um ano que ouvi e vi o Afonso pela primeira vez.

No dia 27 de novembro de 2023, fiz uma primeira ecografia, após um teste positivo, confirmando a gravidez com 6 semanas de gestação.

Foi um momento mágico. Foi o momento mais feliz da minha vida até hoje. Tenho um pequeno vídeo dessa ecografia e do coraçãozinho dele a bater, praticamente inaudível, mas que encosto ao meu ouvido para de alguma forma me transportar para aquele momento. E como
eu gostaria de voltar! De saber que estava tudo bem, que o meu bebé ainda estava comigo… Até dia 09 de janeiro de 2024, senti-me a mulher mais feliz do mundo, nunca senti tanto amor, nunca senti que tudo fazia tanto sentido!

Contudo, no dia 09 de janeiro de 2024, na ecografia do 1º trimestre, alguns marcadores apontaram para a existência de algum tipo de anomalia/trissomia. Foi um momento aterrador. Ainda há pouco o tinha visto pela segunda vez, em dezembro, com 9 semanas, e estava
tudo bem. Como é que agora me dizem que o meu bebé pode não estar bem?! Que devo fazer um exame para confirmar? Que existe o risco de o perder?!

A partir desse dia, a minha vida nunca mais foi a mesma. Tudo aconteceu muito rápido a seguir… A probabilidade de trissomia 21 era de 1 em 4, o que era bastante elevado. Eu tinha 29 anos e o pai, 28, e não, não tínhamos nenhum grau de parentesco (esta foi uma pergunta que na altura nos foi feita). O risco de trissomia 13 era também relativamente elevado, de 1 em 28.

Para confirmar o diagnóstico, como o meu bebé tinha apenas 12 semanas, não podia fazer uma amniocentese. Então, no dia 16 de janeiro, fizemos uma biópsia das vilosidades coriónicas. A biópsia das vilosidades coriónicas é, como a amniocentese, um procedimento
invasivo e consiste na colheita de fragmentos da placenta (onde se situam as vilosidades coriónicas) que contêm material genético idêntico ao do bebé. Estava muito nervosa.

Apesar de ser bastante reduzido, existia sempre risco de abortamento e estava com muito medo de o perder ali. Perante as circunstâncias, correu muito bem e, após realizaram o procedimento, a médica verificou os batimentos do bebé. Eu não sabia nesse dia, mas foi nessa data a última vez que ouvi o seu coração bater…

No dia 18 de janeiro, soubemos o resultado deste exame, confirmando-se a trissomia 21. Olhando para trás, foram poucos dias entre dia 09 e dia 18, mas confesso que me pareceu uma eternidade, em que, a cada dia, eu morria um bocadinho… Não sabia se havia de ter esperança, porque a probabilidade até estava a nosso favor (3 em 4) ou se havia de me mentalizar que não estava tudo bem (1 em 4). E, de repente, a confirmação de que realmente não estava tudo bem… Foi nesse momento que o meu mundo desabou.

Eu e o pai do meu bebé tínhamos conversado sobre esta possibilidade e, para nós, não fazia sentido trazer ao mundo uma criança com esta condição. Em primeiro lugar, porque o mundo não está preparado para aceitar a diferença. Em segundo, porque não sabíamos exatamente
que problemas de saúde estariam associados e ainda qual o grau de trissomia. Em terceiro, porque, a nosso ver, não teríamos condições para poder prestar o tipo de cuidados que uma criança com necessidades especiais merece e precisa. A interrupção médica da gravidez (IMG) era uma possibilidade e foi a nossa escolha. Na altura, foi muito difícil, mas foi a minha/nossa decisão…

Olhando para trás, novamente, foi tudo muito rápido mesmo e, independentemente de outras questões, agradeço ao hospital por isso. Isto, porque, a cada semana, o bebé evolui rapidamente e pensei que, quanto mais adiasse, maior seria a dor, se é que a dor de perder um filho se pode medir… Enfim, às vezes (ou muitas vezes), questiono-me sobre esta decisão, sinto culpa, penso que escolhi matar o meu filho… Tento lembrar-me que foi uma escolha por amor.

Foi uma escolha num contexto que não escolhi. Foi uma escolha
condicionada e nenhuma mãe/pai deveria ser confrontada com a decisão da vida ou da morte do seu próprio filho.

Mas assim foi… No dia 24 de janeiro de 2024, o Afonso nasceu e partiu. Com ele partiu também a pessoa que eu era até então. Não consigo deixar de sentir dor quando penso nesse dia e, ao mesmo tempo, um amor imensurável.

Na altura não fui capaz de expressar a vontade que tinha de pegar no Afonso. Essa opção também não me foi apresentada… E o momento em si roubou de mim todas as capacidades que me restavam para o pedir. A culpa também aparece por isso. Gostava tanto de ter pegado nele e não fui capaz de o verbalizar.

Não me despedi do Afonso como queria e gostava que me tivessem dado essa opção. Por mais pequenino que fosse, com 14 semanas e 2 dias, o meu colo era seu e não lho dei. Às vezes, revivo esse dia, imagino-o no meu colo… E fico mais em paz.

Só recentemente percebi que, por mais doloroso que tenha sido esse dia, escolheria sempre vivê-lo a nunca ter tido o Afonso. Foi curta a sua existência, demasiado curta, mas escolheria sempre tê-lo, apesar de saber o final da sua história…

Ainda estou a aprender a dar um novo significado à perda do Afonso. Estou a aprender quem sou eu agora e para onde vou. Penso que a dor nunca vai desaparecer, mas sinto que, aos poucos, vai doendo cada vez menos. A dor dá lugar ao amor. Um amor sem limites.

Um amor incondicional. E penso que foi mesmo isso que o Afonso me veio ensinar. O verdadeiro significado de amor. Tenho aprendido muito sobre isso e sobre tanto… Sobre mim, sobre as pessoas, sobre o luto, sobre a dor… Sobre apreciar a natureza, reparar nas flores, ver borboletas brancas vezes sem conta, ouvir os pássaros. Sobre apreciar a vida e a sorte que tenho pela minha própria existência. Sobre apreciar cada momento e celebrar pequenas vitórias. Agradeço ao Afonso por isto e por tanto…

A nossa história começou ainda antes do teste de gravidez positivo do dia 9 de novembro de 2023. Começou nos meus sonhos em ser mãe, em construir uma família…

Hoje, sou a mãe do Afonso e ele será sempre o meu primeiro filho. E sempre que dizem o nome dele, sempre que falam sobre ele, o meu coração fica quentinho e sinto-me feliz. Deixo aqui também um apelo a isso – digam o nome dos nossos filhos, por favor.

Eles existiram, mesmo que não os tenham visto, nós vimo-los e/ou sentimo-los… Eles existiram… E nosso amor por eles nunca deixará de existir!

Partilho esta história também, porque me lembro de, naqueles dias de janeiro, procurar outras histórias que me dessem algum “conforto”, para não sentir que estava sozinha nesta dor… E encontrei um testemunho no site do “Amor para além da lua” sobre IMG e trissomia 21. Li e reli vezes sem conta esse testemunho. Ainda o leio, às vezes, para sentir que não estou sozinha, para ter algum “colo” e sentir mais paz na minha escolha.

Lembro-me também de procurar histórias de mães que ficaram sozinhas, sem companheiro, depois da perda. E queria dizer que esta é uma dessas histórias. Duas semanas após a IMG, o pai do Afonso decidiu abandonar-me e deixou-me sozinha na nossa casa… Conto isto apenas para que, se alguém como eu procurar uma dessas histórias, essa pessoa saber que não está sozinha. Sim, isto acontece, é um pesadelo a dobrar, mas acontece. É viver o luto de um filho e, ao mesmo tempo, o luto de um relacionamento.

Nem sempre lidamos com a dor da melhor forma e os momentos mais dolorosos e desafiantes da nossa vida vêm exatamente mostrar-nos quem está verdadeiramente do nosso lado, quem verdadeiramente nos ama… E eu não fiquei sozinha, ainda que, muitas vezes, não me sentisse suficientemente compreendida, tive familiares e amigos que me deram (e dão) a mão. E serei eternamente grata por isso.

Neste caminho, também encontrei conforto e acolhimento em grupos de apoio à perda gestacional/neonatal e ainda na minha psicóloga,
a quem estou igualmente grata…

E, acima de tudo, estou muito grata por poder ter vivido a breve vida do Afonso que viverá para sempre em mim. É um amor sem fim.

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Hoje faz 3 anos que conhecemos fisicamente o nosso primeiro filho. A vida quis que este momento fosse cedo de mais. Por isso hoje partilhamos um bocadinho da nossa história a 3.

A 04 de julho de 2021, descobrimos que a nossa vida seria feita a 3. O nosso desejado filho estava a caminho. Desde então começamos a sonhar com esse ser que ainda era tão pequenino e a construir planos para o futuro. A gravidez estava a correr bem, a felicidade inundava os nossos corações.

Em outubro de 2021 tivemos a pior notícia das nossas vidas, o nosso tão esperado/ desejado filho tinha uma malformação muito grave. Os dias que se seguiram a esta notícia foram de enorme tristeza, desorientação e culpa.

No dia 13 novembro 2021, apesar de toda a tristeza, foi muito especial…no meu da escuridão da madrugada a luz invadiu o quarto onde nós estávamos internados e foi aí que “nasceu” o nosso primeiro filho.

Embrulharam o nosso bebé numa fralda que levamos para esse momento, pedíamos para fazerem a impressões das palmas das mãos e pés e por iniciativa das enfermeiras também trouxemos a impressão da placenta com o cordão umbilical em forma de coração.

Foi nos dada a possibilidade de estar o tempo que precisávamos com o nosso bebé ao colo para o tão difícil “até já”, o que nos trouxe uma tranquilidade e paz aos nossos corações.

Está é a nossa história, carregada de muita emoção e muito amor.

Ao nosso querido e amado primeiro filho,

Querido M. foram 23 semanas de um amor maior que o mundo, és um ser muito especial com muita luz e amor.
A mamã e o papá têm muitas saudades tuas.
Estamos, para sempre, ligados a ti por um fio imaginário.
Viverás sempre dentro de nós num lugar onde só o amor pode entrar e que tanto amor tem nesse lugar.
Somos tão gratos por sermos teus pais!
Continua a iluminar o nosso caminho.
Um dia voltaremos a viajar juntos!

Até lá, estarás sempre no nosso coração.

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“Matei o meu filho”.

Foi assim que dizia a minha psicóloga quando a procurei. Hoje, consigo dizer quer foi um ato de amor, pelo meu Salvador. 

Decorria o ano 2023, fevereiro, quando realizei um teste de farmácia com alguma esperança e o positivo chegava.

Era segunda-feira de carnaval, tinha ido renovar o cartão de cidadão do meu filho mais velho (sim, para mim, o meu Martim é o mais velho).

Após a renovação, fui à farmácia e comprei um teste. Fui para casa e com alguma esperança fiz o teste. POSITIVO.

Não cabia em mim de felicidade. O Martim estava comigo e foi o primeiro a saber. De seguida, liguei à minha melhor amiga e depois à minha irmã. Era para fazer uma surpresa ao meu marido, mas não conseguia disfarçar mais e tive que contar.  Fomos à minha obstetra, fiz ecografia e estava de 6 semanas. Já se via o coração a bater. 

Após isso, fui chamada para as consultas na maternidade. Era dia 3 de Abril quando entrei naquela sala sozinha, pois a minha mãe tinha ido com o Martim comer alguma coisa. Assim que ouço o meu nome liguei para virem. Felizmente, não chegaram a tempo de verem, digo isto por causa do meu Martim. Estava de 9 semanas e o embrião não tinha desenvolvido, e já estava morto. Sofri um aborto retido. Foi-me dada medicação para expulsar. 

Vim para casa, acabando por expulsar já em casa.

Não posso dizer que o dia 3 foi o pior dia, porque para pior dia, foi mesmo o dia 28 de Dezembro de 2023.

Após todo o procedimento ter corrido bem, tive “autorização” para uma segunda tentativa e assim o fizemos.

Era Agosto, 5 de Agosto de 2023 fui fazer o Beta HCG para ter a certeza, pois estava atrasada na menstruação e não existia sinais que iria menstruar. 

Eram 14:30 mais ou menos quando me chega um e-mail com o resultado. POSITIVO 

Entrei num misto de sentimentos, o meu marido estava comigo. O primeiro passo foi ligar à minha obstetra e dizer. Pediu que no dia 20 me dirigisse ao serviço de urgência da maternidade para me ver. Logo aí tomamos a decisão de não contar a ninguém, pois o medo era tanto. 

Então lá fomos nós ver o nosso bebé e estava tudo bem. Ela questionou-me sobre qual o meu medo e eu rapidamente disse: “passar pelo mesmo que tinha passado em Abril”. Tranquilizou-me pediu para eu ir lá no dia 30 para ser vista novamente.  E lá fui eu no dia 30. Continuava tudo bem.

Fui chamada novamente para consulta na maternidade no dia 29 de Setembro, já estava de 12 semanas. Fui à consulta e ecografia, onde nos disseram que seria um rapaz e que estava tudo bem. Decidimos então contar a família nesse mesmo dia, já que o pai fazia anos e aproveitamos e contamos.

Estava tudo a correr bem, mesmo estando com diabetes gestacionais.

Chegou a eco do 2º trimestre. Ja estávamos em Dezembro, dia 6, quando fui realizar a eco. O Salvador não colaborava muito nas ecos. Era do contra, como eu dizia. A médica pediu para eu vir caminhar um bocadinho e comer qualquer coisa para ver se corria melhor da segunda vez. E assim o fiz.

Entrei, ele já estava mais colaborante. Quando a Dra me diz que ia chamar um colega para ajudar, pois existia ali um problema nos rins, o meu coração parece que parou. Veio o colega que confirmou mesmo que os rins estavam afetados. Um rim displáxico e o outro com uma dilatação muito grande. 

Foi-me proposto a realização da amniocentese. Realizei-a logo no dia, e foi-me falado no pior desfecho possível: interromper a gravidez. 

Logo aí entrei em negação, para mim o Salvador nascia e ponto final. 

Procuramos uma segunda opinião médica, e o Dr. disse logo que não havia muito a fazer, para partimos mesmo para a interrupção. Mais uma vez entrei na fase da negação. 

Dia 20 de Dezembro, a minha obstetra faz eco e só me diz que não havia muito a fazer, pois o Salvador estava a perder líquido.  Então tomei a decisão de interromper. Já estava de 24 semanas. Foi a conselho médico e foi aprovado.

Desde o dia 6 que contei tudo ao meu Martim.

No dia 27 fui a maternidade para sedação do Salvador e tomar medicação. Pedi ao Dr. para o ver pela ultima vez e assim o fiz. Neste dia,pouco havia a fazer,pois a placenta ja se estava a “colar” a ele.

Estava sozinha naquela sala, sem apoio do marido, mas com uma enfermeira excelente, que, no fim da sedação, me deu o “colo” para chorar.

Vim para fora, onde reuni com ela e com o meu marido. Colocaram-nos algumas questões e fizeram a explicação de todo o processo que aconteceria no dia seguinte. 

Foi-me colocada a questão se eu queria ver após o nascimento, ao qual respondi prontamente que sim.

E se queríamos fazer funeral, e a resposta foi a mesma sim.

A parte difícil veio quando cheguei a casa e falei com o Martim que, na altura, tinha 13 anos. Como sempre soube tudo do que se passava com o irmão e quis a opinião dele, se trazíamos ou não o mano (realização do funeral). Foi então que percebi que, afinal, ou Martim não tinha percebido bem ou então entrou em negação como eu. Ele só me respondeu: “não o vais trazer?” E eu disse: “não filho, quando o mano nascer já vai nascer sem vida”.

Ele olhou para mim e disse:” então trás e mete ao pé do bivô”.

Dia 28 de Dezembro, com 25 semanas, chego à maternidade pelas 9h acompanhada pelo meu marido e pela minha irmã. Faço inscrição no serviço de urgência, entro explico o que iria fazer e são-me colocados os comprimidos para iniciação de trabalho de parto.

Após isso, vem um auxiliar para me levar para o quarto. Despeço-me da minha irmã a chorar e vou. O meu marido acompanhou sempre.

Após já estar pronta para o que viria a seguir, vem a Dra. da genética ter connosco a dar conhecimento do resultado da amniocentese. Estava limpa, disse ela. O Salvador não tinha nada a não ser mesmo a situação dos rins, que era incompatível com a vida.

Às 18h, sou reavaliada pela Dra onde diz que iria para a sala de partos para levar a epidural. 

Sempre que tinha dores, as enfermeiras davam-me medicação, diziam elas que eu não precisava de sofrer, pois a maior dor já estava a ter: a perda o meu filho.

Quando cheguei à sala de partos, já não dava para levar a epidural, pois o Salvador estava mesmo para nascer. Foi o pior momento: entrei em negação, encolhi-me toda para ele não nascer.

Mas o meu corpo fez tudo contra a minha vontade naquela altura. Senti “vontade” de me virar para cima, e fui eu que disse “ele está a nascer”. 

O silêncio naquela sala era tão grande. Não havia choro e a minha reação foi logo dizer que o queria ver. Responderam que sim que só o iam limpar e que já o traziam.

Passado algum minutos e após eu ter explusado a placenta, chega o tão desejado momento. Vê-lo. 

Retiraram o que ele trazia a protegê-lo e eu via ali o meu filho, o meu Salvador.

Mal o vi, só lhe pedia desculpa de o ter matado. Toquei e pedi para lhe pegar ao colo. Foi dos momentos mais mágicos e mais triste que tive. Ele estava ali comigo, mas não chorava.

Dia 29 tive alta, e é uma dor tão grande vir embora de colo vazio. 

O passo mais importante que dei foi procurar ajuda. Liguei logo a psicóloga e a primeira coisa que disse na consulta foi: “Dra, matei o meu filho”.

Mas, hoje, felizmente graças ao acompanhamento e à vontade, consigo dizer que não o matei, mas sim, que tive um ato de amor pelo meu Salvador. 

Ele esta lá em cima com o bivô, na nuvem de amor que eles criaram e estão a olhar por nós. 

Quanto ao meu Martim, também ele é acompanhado por uma psicóloga, e hoje fala do irmão com muito orgulho, embora nada do que idealizou se tenha realizado. 

Para mim, o Martim será sempre o irmão mais velho.

Um beijinho, meu anjo Salvador. 

Um beijinho a todas as mamas de anjos.

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Quando percebi a situação com a qual teria de lidar, senti a necessidade de procurar testemunhos para compreender, de algum modo, como me sentia e com o que estava a lidar.

Em março 2023 descobri que estava grávida do meu 4º filho. Foi uma gravidez inicialmente de risco tendo em conta que estava com descolamento do ovo. Repouso possível + progesterona. Na eco às 13 semanas estava tudo bem. Diagnóstico Pré-Natal também normal.

No início de Agosto, ao realizar a ecografia morfológica, percebemos que algo não estava bem com o funcionamento do coração do bebé. Nesse mesmo dia, realizei o ecocardiograma fetal que confirmou uma doença cardíaca congénita rara e de grau muito severo (1/10 000 bebés). Recebemos o gélido diagnóstico “incompatível com a vida”.

Como assim “incompatível com a vida”? O meu bebé de 20 semanas tinha uma vitalidade excelente, desenvolvia-se muito bem mas tinha um coração que só funcionava por estar ligado através da minha placenta… mesmo assim, não baixámos os braços e investigámos tanto… pedimos informação a equipas médicas portuguesas bem como a médicos internacionais peritos na patologia mas, infelizmente, não tínhamos as probabilidades a nosso favor.. repetimos mais 2 ecocardiogramas fetais e a evolução não era positiva, sem estabilidade.

No final de agosto, passámos por todo o processo do parto para nos despedirmos do nosso P. às 22 semanas. Pegámos nele ao colo, estivemos o tempo possível com ele (nunca é suficiente) e viemos para casa de braços vazios.

Depois deste grande desafio, surgiram outros bem difíceis, sendo um deles contar aos irmãos que o bebé tinha morrido por estar doente e que não iria voltar. É um grande desafio sermos bons pais quando temos o nosso coração partido… Ainda hoje falam sobre ele e em como gostariam que ele ainda estivesse na minha barriga. Acreditam que temos um anjinho a olhar por nós.

Lidar com o pós-parto de colo vazio é um dos maiores desafios psicologicamente e fisicamente. É um processo solitário dado que já não existe um bebé “a visitar”. Ver a barriga a regredir e mais tarde lidar com o regresso da menstruação que parece mais um murro no estômago… Contudo, a verdade é que, por mais difíceis e desafiantes estes momentos sejam, é importante lidarmos com eles porque nos ajudam no luto. Sinto que, ter dado espaço às emoções e lidado com tudo o que estava a sentir fisicamente, me ajudou no processo. Mas sim, não deixa de ser horrível.

Outro desafio, com o qual tenho lidado, é de facto a nossa cultura não saber lidar com o sofrimento. Os dias passam, as pessoas continuam as suas vidas e é como que nos seja exigido o mesmo. Como se o luto tivesse uma validade. Como se continuarmos tristes e em sofrimento já não fizesse sentido. Como se tivéssemos de voltar à “normalidade”. Para as outras pessoas sim, é a normalidade. Mas para nós… deixou de ser… e a verdade é que, grande parte das pessoas, não sabem lidar com o nosso sofrimento. Só não nos querem ver assim. Mas faz parte do caminho. E é/será durante o tempo que for necessário. Cada um tem o seu tempo de cura, de encontrar um novo sentido para a nova e difícil realidade. Não voltamos a ser a mesma pessoa. É inevitável. E há uma nova versão nossa que temos de conhecer e adaptar no dia-a dia. Na verdade, é uma fase em que estamos a sobreviver.

A quem esteja a lidar por esta difícil experiência, um grande abraço. Sigam o vosso coração e lidem com o vosso dia-a-dia conforme sentem que deve ser. Procurem ajuda mesmo que sintam que estão a “lidar bem” com o processo.

Um abraço

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Olá!

O meu nome é Zita, perdi o meu bebé a 12 de maio de 2023 e este é o meu testemunho sobre diagnóstico de Trissomia 21.


A minha gravidez começou logo mal, quando, no primeiro ultrassom (5s), a médica me disse que eu tinha um descolamento de cerca de 70%, do saco gestacional, devido a um hematoma de origem desconhecida. Estive um mês e meio de repouso absoluto, a tomar progesterona e a repetir o ultrassom todas as semanas.

O hematoma foi desaparecendo e eu fui ganhando esperanças. Às 12 semanas, o hematoma desapareceu. Fiquei radiante e decidi aproveitar a minha gravidez.
Na semana a seguir, com 13 semanas, fui fazer a primeira eco e lembro-me perfeitamente do silêncio da sala depois da médica ter dito, com ar desolado: “Oh Zita …”

Segundos que pareceram horas até eu perguntar o que se passava. O meu bebé tinha líquido no crânio que ia até ao rabinho, como uma espécie de “bossa”.

Fiz a amniocentese no dia seguinte e depois de duas semanas angustiantes, veio o resultado. Trissomia 21 e problemas cardíacos.

Fiquei sem chão, mas a decisão estava tomada desde o primeiro dia de suspeita. No dia 12 de maio dei entrada na Maternidade, para fazer a interrupção da gravidez.

A decisão mais madura e difícil da minha vida. O dia mais desafiante e doloroso (a todos os níveis) da minha vida. Com 14 semanas, deixei o meu menino ir embora.

Não me fazia sentido colocar no Mundo uma criança assim. Sem sequer saber o grau, o meu pensamento era: quando eu morrer, quem cuida do meu amor? Então preferi sofrer eu.

Escrevo o meu testemunho porque vejo que se escreve muito sobre a perda na gravidez e após, mas a decisão de os deixar ir penso eu que fica um pouco esquecida…Só queria dizer a todas as mães que passam pelo mesmo que não estão sozinhas.

Apesar de tudo, só carrego boas memórias do meu menino. Guardei todas as fotos dos ultrassons que fiz. Tirei fotos da minha barriguinha.

Enquanto a tive (mesmo depois de saber o diagnóstico) mostrei-a orgulhosamente ao Mundo porque era o meu filho que ali estava. E na hora de o deixar ir sofri, chorei muito, dei muitas, muitas festinhas da barriga e disse-lhe Adeus.

Agora estaria com 7 meses. E isso dói.

Mas tudo passa…
Será sempre o meu primeiro filho.

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28/07/2023 Leonor, a nossa menina que brilha no céu

2019 foi o ano em que nasceu a nossa primeira menina… Luana ❤️

Passados 4 anos voltámos a sonhar… e o nosso mundo iria ser novamente cor de rosa.

A Luana ficou radiante, ia ter uma mana… Um dia ao regressar da escola disse que o nome seria Leonor.

Não podíamos estar mais felizes!. Tínhamos desejado tanto esta gravidez, esta menina.

Eu costumava gozar com o meu marido ao dizer-lhe que, na próxima gravidez, iria ser outra menina para o deixar com mais cabelos brancos.
Mal nós sabíamos o que estava para nos acontecer …

Dia da ecografia morfológica , a nossa menina tinha uma obstrução no intestino. Naquele instante ao ouvir o médico, o meu coração ficou apertado, as lágrimas corriam me pela cara.. entrei naquele consultório tão feliz mas saí completamente arrasada, eu senti que era algo grave.

Foi recomendado pelo Dr. Eduardo sermos acompanhados pelo centro diagnóstico pré-natal na Maternidade Bissaya Barreto. Até sermos chamados passou-se mais de 1 semana e meia. Já estava com 24 semanas e uns dias.

Fizemos novamente outra ecografia e para além da obstrução, a nossa menina tinha ascite no abdómen (líquido) , aquela réstia de esperança que levávamos dissipou-se…

Entrámos noutra sala onde nós esperavam 4 médicas de Obstetrícia e genética. sabia que não ia sair dali com boas notícias e assim foi… viemos para casa , já com o papel assinado para o pedido de interrupção de gravidez… a decisão mais difícil e dolorosa que tivemos de tomar, sabendo no entanto que seria o melhor.

Chorámos os dois agarrados no carro, nunca pensámos passar por uma situação destas, os sentimentos eram muitos: revolta, frustração, uma tristeza imensa que nos inundou o coração e agora? Como iriamos dizer á nossa Luana que a mana não iria vestir as roupinhas que lhe tínhamos comprado, nem brincar com ela? A vida não nos prepara para isto…

Começámos por dizer que a mana Leonor tinha um dói dói na barriga e só com esta informação, a nossa Luana deixou de falar na mana, deixou de dar beijinhos na barriga … como se ela também sentisse que estava tudo errado.

Esperámos dois dias pela decisão e tinha sido negada a interrupção, pois os médicos que faziam parte do conselho de ética queriam mais exames. Voltámos passados dois dias para fazer nova ecografia e a ascite tinha desaparecido. Por momentos pensámos que era algo bom, mas depressa percebemos que não… Embora a ascite tenha desaparecido, o rim esquerdo não funcionava e estava cheio de quistos. Tudo indicava ser uma doença genética e, com este novo resultado, a nossa interrupção foi aprovada no mesmo momento.

Sexta-feira, dia 28/07/2023. Dei entrada para ser internada para começarmos o processo. De todas as picadas que levei para retirar sangue, para a amniocentese, a que mais me doeu no coração foi aquela agulha a entrar na minha barriga para parar o coração da minha menina, para que ela não sofresse em todo o processo da expulsão. Não há palavras que descrevam o que senti . Só desejava que passasse tudo rápido, pois tinha acabado de perder a minha filha apesar de ela ainda estar na minha barriga mas já sem vida…A minha Leonor já era uma estrelinha ✨

No dia seguinte, pelas 20h, acabava todo o processo de parto, estava completamente arrasada. Tivemos um parto normal a sabermos que não vamos ouvir o choro do nosso bebé, nem vamos sair da maternidade com ele. Perguntaram-me se queria ver a minha menina mas eu não quis. Não iria suportar ter a minha filha morta nos meus braços, iria ser demasiado para mim. Preferi ficar com a imagem da carinha dela nas ecografias e idealiza-la como eu imaginei .

Têm sido dias muito difíceis para nós, mas continuamos no caminho. Não há palavras que nos possam apaziguar a dor no coração, só o tempo… porque nunca vamos esquecer todo o processo que passámos. Vai ser sempre um filho que nós perdemos.

Mamãs e papás, muita coragem e força, e não se esqueçam que tudo é um ato de Amor .
Falem os dois sobre o assunto, não se fechem, se acharem que é demasiado procurem ajuda psicológica.

A toda a equipa da maternidade Bissaya Barreto, só temos a agradecer pois cruzámo-nos com profissionais com uma gentileza imensa, e que nos ajudaram muito a passar por tudo o que lá vivemos.

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Carta aberta a um Amor Maior.

A ti, que lutas todos os dias, que passaste o inverno entre internamentos, mas que não perdes a inocência e a simplicidade de um sorriso.

Aquele sorriso, fácil de encantar, que faz qualquer pessoa dar uma gargalhada, que apesar das limitações, consegue aprender e que bem que aprendes!

Curioso, que gosta de histórias, de pintar e de Metallica! És tão fácil de cativar… e os nossos abraços? Esses são só nossos!

A ti, que vives no Céu, eu sei que não temos aventuras como com o mano, nem brincadeiras, porque a maior aventura vivemo-la todos os dias: aprender a viver longe de ti, foi o maior desafio de todos. Maior do que qualquer internamento, paralisia cerebral ou falar pouco.

Passaram 4 anos e eu contínuo a pensar em ti, todos os dias, onde quer que vá! E não adianta que me digam “que foi melhor assim…”. Não foi, nunca será. Melhor para quem? Para ti, que nunca conheceste o poder de um abraço? Para mim e para o pai, que pensamos como seria ter-te aqui a fazer macacadas de criança? Ou para o mano, que queria ter com quem brincar?

Somos uma família de 4, separados por um Céu de saudade. Hoje nem que as estrelas brilhem, cá dentro, tenho uma trovoada de sentimentos. O tempo passa, mas o Amor que tenho por vocês, esse é infinito e nunca deixarei que me digam que foi melhor… não são os outros que carregam um filho num colo de 2… e enquanto assim for, serão sempre meus…

Amor infinito,
Mamã

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Depois de casarmos, planeámos ter um bebé. Fizemos as consultas e exames de preconceção, bem como a toma das vitaminas pré-natais, tudo muito certinho.

Descobri no dia 24 de janeiro de 2022.  Uma felicidade enorme com aquela inocência à mistura. Fiz uma surpresa ao meu marido, com uma brincadeira numa caixinha. Estávamos tão felizes… O nosso sonho estava ali.

Pelas 7 semanas comecei com perdas de sangue, dirigi-me às urgências no qual foi descoberta uma gravidez gemelar. Avisaram-me imediatamente que normalmente um dos bebés não evolui. E assim foi. Na semana seguinte voltaram a avaliar e um dos bebés não tinha evoluído.

Sinceramente não lidei como uma perda, porque o saco já estava vazio e acabámos por nos concentrar no bebé que estava a evoluir bem. Continuei com algumas perdas, mas sempre me foi dito que seria devido à perda do primeiro bebé.

Até às 12 semanas confesso que nunca achei que a gravidez fosse para a frente. Mas chegámos ao marco que achava eu o mais importante: a ecografia do 1ºtrimestre. Tudo normal e dentro dos parâmetros nessa ecografia.

Pelas 16 semanas descobrimos que seria menina, a nossa Ema. O nosso sonho tornado realidade. Cada vez sentia-a mexer mais e lembro-me de comentar isso com a obstetra do qual me respondeu “é sinal de vitalidade” (nunca me esquecerei desta frase).

Tínhamos férias marcadas para o dia seguinte à eco do 2º trimestre, pensando nós que tudo continuaria a correr bem. Estava a ser acompanhada como gravidez de risco, mas, como me foi dito que estava sempre tudo bem, confiei.

Nessa ecografia, a médica guardou para o fim para nos dizer vagamente e sem chamar as coisas pelos nomes que as coisas não estavam bem. Saiu do consultório, voltou e não explicou nem disse absolutamente nada. Pedi-lhe o relatório e recusou. Foi-me dito que seria enviado à minha obstetra e que ela depois falaria comigo. Vi logo que seria grave, pois esconderam-me informações das quais tinha direito. No dia seguinte, tivemos a consulta com a obstetra que nos explicou melhor, e disse realmente que parecia ser muito grave. Partimos imediatamente para uma amniocentese.

Doeu-me a alma. Doeu-me cada veia do meu corpo. Nunca na minha vida experimentei dor tão forte como aquela.

Uma semana depois veio o primeiro resultado e tudo normal (enchemos-nos de esperanças).
Só 4 semanas depois do exame é que recebemos o resultado completo. Aí o mundo caiu-nos. A nossa bebé não iria sobreviver.
Foi uma grande luta entre profissionais de saúde que tiveram zero de empatia e que me trataram como a “batata podre do hospital”, e entre os que me acolheram com uma humanidade sem igual e me deram tudo o que precisava.
Tínhamos de interromper a gravidez e isso incluía um parto normal, que é tudo o que menos queremos viver quando vivemos um pesadelo destes…

No dia 12 julho, às 26s+6d, foi feito o feticídio. O momento mais difícil que alguma vez vivi. Terem de parar o coração da minha filha, ainda dentro de mim. Sentia-a mexer até ao fim. Doeu-me a alma. Doeu-me cada veia do meu corpo. Nunca na minha vida experimentei dor tão forte como aquela. Nem sabia que a dor física se podia juntar à dor emocional e tornar-se aquele monstro. Parte de mim morreu naquele dia, sabem? Não ficamos as mesmas pessoas.
Como é que uma vida acaba onde tudo começa? Nada fazia sentido. Saí despedaçada, vazia, mal via o chão de tanto chorar.

Após 2-3 dias de uma dolorosa e difícil indução de parto, nasceu a minha Ema, às 00h25 do dia 15 de julho.

Foi um parto tão silencioso que se torna assustador.  De facto, há choro, mas não é o choro do bebé, só os nossos, e há um bebé, mas um bebé sem vida, que não levamos para casa. A minha pequenina, minha Ema, o meu maior amor nos meus braços.

Qual é o propósito de um nascimento sem vida?  O meu desejo de ser mãe estava nos meus braços e era agora um sonho destruído…
Ficámos ali, meia hora a namorar a nossa filha, o primeiro e último colo que lhe íamos dar. Qual o propósito de um nascimento sem vida? Numa sala onde a vida começa, onde o choro deveria ser de alegria e de um bebé com vida…

Os dias seguintes foram um turbilhão de sentimentos. Chorávamos dia e noite. Não dormíamos. Assistimos ao meu corpo pós-parto, confusos com tudo. Ainda hoje, não há uma única vez que não me olhe ao espelho e não me imagine grávida da minha borboleta. Fica-nos marcado no corpo. 

A minha filha será sempre o meu grande amor, a minha borboleta. Vou guardá-la e lembrá-la sempre.

Após uns dias  procurei ajuda aqui no “Amor para além da Lua” onde me acolheram e me ajudaram, como eu tanto precisava (e que eu agradeço tanto).
Com o passar do tempo, com toda a dor, revolta e também amor nasceu também a minha grande vontade de ajudar.  
E assim, no dia 5 de agosto, criei o “Amor com Asas”, uma página também de apoio à Perda Gestacional e Neonatal. Um projeto ao qual me dediquei de corpo e alma, que me ajudou e ainda ajuda muito, na evolução da minha recuperação. Tornou-se a minha terapia também.
Em outubro juntou-se a minha querida Telma, uma grande amiga que chegou à minha vida com a luz que eu precisava, unidas pela dor da perda.
Como designer, também criei o meu atelier “Amor de papel” onde transformei também a minha dor em amor, com ilustrações de nascimentos e perdas de bebés.
Espero do fundo do coração que aqui, no “Amor para além da Lua” ,encontrem o conforto que precisam. Não se sintam sozinhos, é um caminho difícil, mas partilhamos a mesma dor. 

Um abracinho a todos,

Renata

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Há muito que quero partilhar convosco a minha “história”. mas a verdade é que ainda não tinha conseguido reunir as forças suficientes e, por outro lado, não queria que fosse apenas um “despejar da minha revolta”. Queria que, de alguma forma passasse uma imagem de esperança a todas vocês.

Provavelmente vou chocar algumas mamãs desse lado mas…terei de ser sincera convosco…Ser mãe nunca foi (durante quase toda a minha vida) um sonho! A minha história de vida (e que não vale a pena falar agora dela) não me permitia fazer do ser mãe um sonho.

Levei muitos anos a “mentalizar-me” porque, no fundo, também não me via sem filhos… Aliás, há mais de 10 anos que sabia que se conseguisse engravidar, iria ser um menino e que se iria chamar Miguel. Não me perguntem onde fui buscar esta certeza mas eu sabia, não sei como…

Finalmente ganhei coragem e, passado 1 ano e 2 meses de tentativas e com uns simples sintomas que poderia indicar uma gravidez, lá fiz o único teste de gravidez da minha vida e que mostrou um “GRÁVIDA 3+”. Foi um misto de felicidade, de preocupação, de medo mas… acima de tudo um “consegui”, um “fui capaz”!

Seguiram-se os passos normais, as consultas normais, as ecografias…fiz tudo como “manda a lei”, tanto no serviço nacional de saúde como nos intervalos das consultas no público, com a minha obstetra.

Às 6 semanas tive um “sustozinho” de uma perda de sangue e fui às urgências mas fiz uma medicação e tudo evoluiu de forma positiva. Também foi nesta consulta que ouvi, pela 1ª vez, e sem estar a contar com isso, o coração do bebé. Foi lindo!

Por volta das 15 semanas tive a confirmação que iria ser um menino, o meu Miguel.

Andando com a história para a frente e a 2 dias de fazer a ecografia do 2 trimestre fui às urgências pois, pela 3ª ou 4ª vez durante a gravidez, tinha umas dores de cabeça muito fortes.

Ali, naquela sala pequena, o mundo desabou! A partir daí, dessas palavras, foi como se entrásse em “piloto automático”, como se ficasse anestesiada, como se deixasse de estar lá (mas também não vos sei dizer onde andaria)…

Só fui porque uma amiga minha enfermeira e o meu namorado me pediram quase por favor só para ir ver. Para mim não passavam das minhas enxaquecas e que teria de as aguentar, uma vez que a medicação que faço em S.O.S para elas, não deve ser feita durante a gravidez.

Sempre ouvi dizer que na gravidez não era possível ter enxaquecas mas, a verdade, é que não estava a conseguir concordar com essa afirmação.

Entrei nas urgências dia 01 de Agosto (a 1 dia de fazer 21 semanas) a pensar que me iriam dar uma medicação qualquer na veia e que iria para casa passadas uma ou duas horas…só quenão!

Realmente fizeram-me essa medicação, o que me fez passar a dor de cabeça mas a tensão estava um pouco elevada e estava a perder proteína na urina. Teria de ficar para o dia seguinte. Esse ter de ficar manteve-se até dia 04 de agosto, altura em que fui transferida para a maternidade Bissaya Barreto em Coimbra.

Só posso dizer que foram dias de muito medo, por não saber o que se passava comigo, nem com o meu bebé. Muito medo de pensar sequer que o poderia vir a perder. Era tão pequenino, tão calminho, tão bem comportado, não me fez um único enjoo…se não fosse o crescer da barriga, nem parecia grávida. Como é que agora conseguiria imaginar não o poder fazer viver?!

Estive sempre rodeada de profissionais humanos, tanto médicos, como enfermeiros, como assistentes operacionais, devo-lhes muito mas…a minha saúde continuava a deteriorar-se. Numa semana inchei de tal maneira que aumentei 9kg de peso. A proteína que perdia na urina era cada vez mais, o fígado estava mal, os rins estavam mal, a hemoglobina muito baixa, as plaquetas muito baixas e a tensão sempre alta, principalmente a baixa…mas, sentia-me bem, acreditam?! Embora, cada vez mais sem esperança num final que considerasse feliz…

Dia 08 de Agosto fui chamada a uma sala, juntamente com o meu namorado, onde estava o diretor do serviço, o diretor do hospital, a equipa de enfermeiros desse turno e foi-nos transmitido que o bebé era pequeno para o que seria de esperar, que a minha placenta não estava a alimentá-lo convenientemente, que os meus órgãos estavam a entrar em falência e que teriam de interromper a gravidez.

Ali, naquela sala pequena, o mundo desabou! A partir daí, dessas palavras, foi como se entrásse em “piloto automático”, como se ficasse anestesiada, como se deixasse de estar lá (mas também não vos sei dizer onde andaria)… Era uma decisão que só eu e o meu namorado poderíamos tomar mas…não havia mais nenhuma! Por isso, e até hoje, não percebemos o porquê de ter de fazer um pedido à comissão de ética do hospital a pedir essa interrupção.

Percebo que será uma maneira dos profissionais se salvaguardarem, mas…será que eles saberão o que significa para uma mãe, para uns pais fazer um pedido para que matem o filho?!

Ainda hoje, passados 4 meses, se me pedem para assinar qualquer documento, eu viajo instantaneamente para aquela sala, para o assinar daquela folha branca! A única coisa que de alguma forma me alivia um pouco a dor, é que os médicos sempre disseram que se eu ficasse em risco de vida, eles iriam intervir mesmo sem o parecer dessa comissão de ética e…foi mesmo isso que aconteceu!

Às 22 semanas e 1 dia (dia 10 de Agosto) nasceu o meu Miguel, de parto normal e sem direito a epidural, uma vez que o valor das minhas plaquetas não me permitiram levar…

Tive dores, induzir o parto foi horrível, as contrações não são fáceis e o expulsar a placenta também não foi (tive de ir ao bloco para conseguirem) mas o que mais me doía e dói, até hoje, é a alma! Tudo, todos os sonhos acabaram ali e tenho muitas saudades das coisas que nem nunca vivi, não sei se me conseguem entender…

Escolhi (e uma vez que moramos a muitos quilómetros da maternidade e o meu companheiro estava a acabar de chegar a casa depois de ter estado comigo) passar pelo parto sem a presença dele, escolhi poupá-lo a isso. Não o deveria ter feito! O pai precisa estar connosco para conseguir perceber melhor por tudo o que passámos. Se me posso arrepender de alguma coisa, é do ter poupado a isso sem sequer lhe perguntar qual era a decisão dele.

Também escolhi não conhecer o meu Miguel…ainda não sei se fiz bem já que em quase todos os vossos testemunhos vocês escolhem ver os vossos bebés mas…a verdade é que não tive coragem. Foi o que me fez mais sentido na altura, sabendo que só teria essa oportunidade e que me poderia arrepender mais tarde…(e ainda não me arrependi).

Passado todo este tempo ainda não temos resultados dos exames feitos ao bebé e placenta, nem de análises super específicas feitas a mim (e só terei nova consulta em Fevereiro!) que me expliquem o porquê, precisava disso para me aliviar, de alguma forma…o diagnóstico foi que tive pré-eclâmpsia com síndrome de HELLP mas não percebem o porquê. Até porque, ao que parece, a pré-eclâmpsia está descrita nos manuais que pode acontecer a partir das 20 semanas mas nunca acontece, é só mais no final da gravidez e eu…comecei antes das 19 semanas, até! Todos são de opinião que tive algo muito grave mas…não o conseguem explicar! Provavelmente terei alguma doença autoimune mas não sabem com certeza e muito menos qual! Ainda pensaram que poderia ser hipertensa ou diabética antes da gravidez e não saber mas…isso já está posto de parte.

Será que alguma vez conseguirão descobrir? Não sei. Será que poderei voltar a tentar?

Não sei. Será que ainda está guardado algo bom para mim? Também não sei, mas gosto de pensar (e agora consigo finalmente fazê-lo) que foi o melhor para mim mas, e acima de tudo, para o meu Miguel. Ele está bem e eu também terei de ficar para ele estar feliz, acredito nisso!

Se é fácil? Não! É a pior coisa do mundo! Nenhuma mãe devia passar por isto mas, com muita força de vontade e ajuda psicológica, posso dizer-vos que é possível ter esperança num futuro mais bonito para nós.

Mesmo com frases do tipo “sabes, também já não és nova”- fiz agora 40 anos…; “foi melhor agora que mais para a frente”- às 22 semanas +1dia dói menos?! É perder um filho; “Não podes estar assim”- quem disse? Eu estou como quero e consigo!; “Não chores!” – porquê? Tenho mais é de chorar, deitar tudo cá para fora!; “Sabes? É o teu corpo que não dá!”-esta foi a mais dura porque até agora tudo indica que foi mesmo o meu corpo que foi fraco, mas precisava que me dissessem isso? Ninguém precisa!

Nós somos mais fortes, sabemos que, no fundo, as pessoas não sabem o que dizer e, quando dizem, só dizem disparates! Coitadas é delas!

Estamos numa época do ano que julgo ser ainda mais desafiante para todas nós (e o meu Miguel tinha data prevista de nascimento para dia 11 deste mês de Dezembro e seria o seu 1º Natal) mas nós somos fortes, somos guerreiras e vamos conseguir lidar com tudo isto com mais leveza, já que esquecer nunca o vamos conseguir (e acho que nem queremos).

Desejo que também vos seja possível acreditar e dou um grande beijinho no vosso coração. Estou aqui e disponível para falar convosco, em particular, se sentirem que vos posso ajudar com alguma coisa.

Mamã da Estrelinha Miguel

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Hoje, um ano depois do dia mais triste das nossas vidas, abro pela primeira vez, o meu coração para partilhar a minha história, a nossa história. 

Hoje, com o coração mais calmo, e depois de aceitar que deixar partir é um ato de amor, venho contar-vos que a perda de um filho é dos momentos mais traumáticos na vida de qualquer família.

Era Agosto e nós íamos fazer a ecografia morfológica, decidi levar a nossa filha para que pudesse ver pela primeira vez o mano/a. 

Sempre ouvi dizer que as mães têm um sexto sentido, e caramba… nesse dia fiquei a saber da pior forma possível, que afinal ele existe mesmo.

Pouco tempo antes de entrar no consultório, lembro-me perfeitamente de dizer esta frase “tenho tanto medo que não esteja tudo bem”. E não, não estava. Mal eu sabia que partir daquele dia, iria carregar uma das maiores dores em toda a minha vida. 

Entrámos no consultório, entusiasmados. Afinal íamos ser pais de 2, que bênção!

O médico coloca a sonda, e pergunta-nos se já sabemos o sexo do nosso bebé, e nós respondemos que não. Minutos depois, recebemos a notícia que íamos ter mais uma menina, para fazer companhia a este nosso leque familiar de mulheres. 

Pouco tempo depois, um silêncio invade a sala. A dada altura, decidimos perguntar se estava tudo bem, ao qual prontamente o médico me diz que não, não está tudo bem. O seu bebé tem um quisto no cérebro, tem de ir imediatamente à maternidade fazer exames mais específicos. 

Saímos desalmadamente daquele consultório, lavados em lágrimas, em desespero e completamente sem reação. 

Rapidamente as nossas famílias nos prestaram auxílio e vieram ao nosso encontro. Nessa tarde, corremos todos os hospitais possíveis. Estava a ser seguida no hospital particular, e dirigi-me as urgências ao qual rapidamente fui descartada, pois poderia não ser uma gravidez evolutiva. A resposta que me foi dada, era de que se tratava de uma situação muito burocrática. Corri mais 2 hospitais, acabei na Maternidade Alfredo Da Costa, onde com a maior empatia do mundo, me marcaram uma consulta no Diagnóstico Pré-Natal. Um sítio onde tudo começa, e onde acaba para muitos dos bebés. 

Era sábado, tinha um fim-de-semana inteiro pela frente…foi horrível. Não estávamos a conseguir aceitar o que se estava a passar, e estávamos aterrorizados a espera que a segunda feira chegasse. 

O dia chegou, dirigi-me à Maternidade Alfredo da Costa para a minha primeira consulta, no local onde ninguém quer estar, o diagnóstico pré-natal. Lá eu poderia imaginar que aos 30 anos de idade, iria ter de passar por um processo tão difícil como este.

No dia 15 de Outubro , no dia em que se celebra o dia da consciencialização da perda gestacional, a Benedita veio ao mundo, num parto respeitado e humanizado.

Depois de várias horas em espera lá entrei, e o médico teve perto de 1h a fazer uma ecografia. Realmente viu que existia um problema, mas ainda com muitas dúvidas. Aconselharam-me a fazer a amniocentese, para avaliar e despistar outro tipo de doenças gravas. Nesse mesmo dia fiz o procedimento. 

Lembro-me perfeitamente de nesse mesmo dia, me darem um termo de responsabilidade para assinar, caso fosse necessária intervenção médica, ou melhor dizendo uma Interrupção médica da gravidez, tendo em conta o estado avançado em que já me encontrava da gravidez. 

Colocarem nas nossas mãos, o destino da vida dos nossos filhos é um peso muito grande. É o peso de uma vida. A vida da minha filha. 

Informaram-me que deveria fazer uma ressonância magnética, pois só partir daí se conseguia ver melhor o bebé e problemas internos. 

Fui para casa de repouso, e 2 dias depois estava a fazer a ressonância. Disseram-me que teria de aguardar o resultado, e que a maternidade me ligaria para ir novamente a consulta. 

3 semanas depois, volto a fazer ecografia e a dúvida do médico persiste apesar da ressonância confirmar que existia um problema. 

Informaram-me que teria de aguardar, e fazer um acompanhamento da minha bebé para ver se o problema podia ter um retrocesso. Segundo os médicos era um problema que poderia ir ao lugar com o crescimento fetal. 

Na altura fiquei muito revoltada, não aceitava porque tanto tempo, porque me fazerem sofrer tanto. A espera era horrível, e eu sabia que quanto mais tempo passasse, mais doloroso seria para a nossa família. 

Durante longos 2 meses entre esperas e exames, lá chegamos ao diagnóstico final. 

Nesse dia, deram-nos a pior noticia que se pode dar a qualquer mãe ou pai. 

A nossa filha aos 8 meses de gestação, foi diagnosticada com uma má formação do sistema nervoso central, tinha uma síndrome muito rara e que seria totalmente incompatível com a vida humana. Foi devastador.

Disseram-me que uma neura pediatra iria entrar em contacto connosco, para nos explicar o que se estava a passar com a nossa bebé, e assim foi. 

Estávamos devastados, íamos a sair da maternidade quando recebemos uma chamada de uma enfermeira, a enfermeira Leonor Gonçalves, que para mim continua a ser um anjo da guarda. A Leonor queria saber como nós estamos, e falar connosco. Assim foi, voltamos para trás, fomos levados para uma sala e lembro-me como se fosse hoje. A Leonor, tocou no meu braço e disse pode chorar, fique a vontade. Foi um dos gestos mais bonitos que podiam ter tido connosco naquele momento doloroso. A ajuda veio ter connosco, sem pedirmos ajuda. Foi bonito e muito importante para nós. Até aos dias de hoje, a Leonor está sempre presente nas nossas vidas. 

Realmente são as pessoas que fazem os sítios, e o trabalho daqueles profissionais é tão importante para nós pais que vamos perder os nossos filhos. 

Dia 11 de Outubro, vamos }a maternidade iniciar o processo. Nesse dia somos deparados com uma série de questões, e mais uma vez a Leonor estava lá para nos apoiar, ajudar e agilizar todo este processo. 

A Leonor ajudou-nos com as questões mais burocráticas, e falou-nos sobre a oportunidade de conhecer a nossa filha, de ficar com as impressões dos pés e das mãos da nossa filha. Nem sequer pensei que isso fosse possível para um bebé que nasce sem vida.

 Dois dias depois, seguia-se o meu internamento para iniciar a indução de trabalho de parto. 

Nesses 2 longos dias, tivemos que tratar daquilo que mais custa a qualquer pai, enterrar um filho. Tratar do funeral da nossa filha que ainda não tinha nascido, e quem nem o mundo ia conhecer. 

Foi completamente devastador, não fui capaz de entrar na agência funerária, assinei os papéis no carro. Mas saímos dali com tudo tratado. 

Seguia-se outra fase complicada, comprar uma roupa para a nossa filha. Entrei 3 vezes na mesma loja e não consegui comprar nada. Acabei por ter de pedir ajuda a família para comprar a roupa para a nossa filha. 

É muito duro preparar o funeral de alguém ainda em vida. 

Dia 13 de Outubro com 31 semanas, fui internada. Cheguei a maternidade, a Enfermeira Leonor já estava a nossa espera. Fomos para uma sala, onde revimos todos os pormenores do que iria acontecer partir dali. 

A Leonor generosamente, sentou-me num cadeirão ao lado da janela e disse-me para eu me despedir da minha filha, para lhe poder dizer que me perdoasse, porque o que eu estava a fazer era um ato de amor.  A Leonor deu-me tempo, deu-me a mão, fez-me sentir mais calma. 

Ensinou-me a exercícios para me sentir mais calma, para saber controlar as dores no trabalho de parto. 

Fomos então para a sala de ecografias, onde a médica estava a minha espera, acho que foi o momento mais duro do processo no hospital. Iriam ter de provocar a paragem cardíaca a nossa Filha. Deitei-me, demos a mão os dois e encostamos as nossas cabeças e a médica pediu-nos que não olhássemos para o monitor. Minutos depois, senti-me a perder os sentidos, estava completamente em outra dimensão e só me lembro da Leonor me tirar a máscara e dizer “fique comigo, concentre-se na minha voz”. O procedimento terminou, e estava meio adormecida.

Desci para o internamento, onde fui para uma sala isolada, para não ter qualquer tipo de contacto com as outras grávidas e ouvir os bebés chorar. Acho que isso é de uma enorme empatia que se pode ter com alguém. 

Fiz a primeira medicação para indução de parto, e nesse dia nada aconteceu, ao final da noite tentaram outro método de indução, que teria de se dar uma janela de 24h para tentar novo método. No dia seguinte, comecei a ter muitas dores, mas não tinha dilatação ainda, e na noite de 14, as dores começaram a agravar. A todas as enfermeiras da maternidade só posso agradecer todo o carinho que me deram, traziam me medicação, sentaram-se na minha cama e deram-me a mão, limparam as minhas lágrimas imensas vezes. 

Na manhã seguinte fui para o banho para atenuar as dores, estavam insuportáveis. Já estava em trabalho de parto desde essa noite. A médica veio avaliar, e já estava pronta para ir para o bloco de partos. Desci, levei epidural e começa o início de tudo, o medo, o fazer nascer. 

A enfermeira parteira Cleisa, que até hoje não me esqueço do nome dela disse-me “vamos ao seu ritmo, nasce quando você quiser” e assim foi. 

No dia 15 de Outubro , no dia em que se celebra o dia da consciencialização da perda gestacional, a Benedita veio ao mundo, num parto respeitado e humanizado. Não, a Benedita não chorou, mas tudo em mim se desfez por completo. 

Levaram a Benedita e aconchegaram-na na mantinha que tinha sido da irmã, a enfermeira regressa com uma caixa de memórias, com a hora do nascimento, o dia, e a impressão dos pezinhos e das mãozinhas. 

Chorei muito, foi devastador. 

No dia seguinte tive alta logo de manhã e fui para casa descansar, a nossa filha estava ao cuidado da nossa família, mas tínhamos que nos preparar para lhe dar a notícia. 

Na manhã seguinte fui buscá-la, sentei-me com ela e expliquei o que aconteceu à mana. Ela reagiu bem, ficou calma apenas nos perguntou se ia continuar a ser só ela na nossa vida e nós respondemos que sim e demos um abraço. 

Estivemos 1 semana a espera que liberassem o corpo da Benedita, e o dia do funeral chegou. Decidimos cremar a nossa filha, e lembro-me que ao chegar ao crematório havia uma placa que dizia “Filho de Soraia Carvalho”, foi aí que tudo se tornou ainda mais real. 

Demos a mão e entrámos, quando eu vi aquele caixão pequenino, não consegui conter-me e chorei compulsivamente. Foi um ambiente muito pesado, foi muito complicado, mas as nossas famílias estiveram sempre lá para nós. 

Aos poucos fui aprendendo a lidar com a nossa dor, a gerir os meus sentimentos. Descobri da pior forma, que o luto é um caminho longo e solitário. 

Hoje com o coração mais calmo, fiz as pazes com a vida, porque tal e qual como comecei a nossa história, deixar ir é um ato de amor. E assim foi.

Enquanto mãe, vivi o dia mais feliz da minha vida, e o mais triste também. Mas Hoje, Inicio um novo ciclo, e tu querida Benedita vais sempre fazer parte da história da minha há vida. 

Querida Benedita, espero que estejas em paz. Lembro-me de ti todos os dias. 

Com amor, Mãe.