Posso resumir a minha história… em 2006 tive o meu primeiro bebé. Eduardo de seu nome, nasceu parto normal pélvico com 37+5, no dia 15 de outubro. Mas nasceu morto. Morreu nesse domingo de manhã. Pouco tempo depois em 2008 nasceu a primeira bebé arco-íris!
Mafalda nasceu dia 20 de junho às 38+1 por cesariana e correu tudo bem. Uma adolescente traquina e maravilhosa como todos os nossos filhos. Agora, em 2023, nasceu a Margarida em 09 de Agosto com 39 semanas e por cesariana. Uma gravidez com anemia, diabetes e pré-eclâmpsia.
A Margarida nasceu e, assim que saiu dentro de mim, passado uns horríveis 45 minutos vieram dizer que ela é deficiente visual. Caiu tudo ao chão.
A Margarida tem duas doenças raras e uma delas causou mal formação ocular e ela é cega. Hoje com 8 meses não é fácil aceitar.
É um luto por não ter a filha perfeita e tão desejada. Mas à nossa maneira tentamos fazer com que ela seja o mais feliz possível.
Em abril de 2023, foi reconhecido o luto gestacional e o direito a faltar ao trabalho, seja pela mãe ou pelo pai. Aplica-se a casos de perda gestacional não abrangidos no âmbito da interrupção médica da gravidez ou subsídio parental.
Assim, para quem, infelizmente, passa, por exemplo, por uma perda gestacional precoce, faltar ao trabalho até 3 dias consecutivos.
Para o parceiro(a), existe agora um tempo (ainda que possa ser pouco) que antes não existia. Poderá faltar ao trabalho, até 3 dias consecutivos, quando se verifique o gozo da licença por interrupção da gravidezou a falta por motivo de luto gestacional.
Esta ausência não determina a perda de quaisquer direitos e é considerada como prestação efetiva de trabalho.
Luto gestacional: como beneficiar dos seus direitos
Para beneficiarem deste direito, tanto a trabalhadora e/ou o trabalhador têm que informar os respetivos empregadores. Devem apresentar, logo que possível, prova comprovativa da morte do bebé durante a gestação. São exemplos: declaração de estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde, ou ainda atestado médico.
Mais dias e equiparação à perda gestacional/neonatal
Também relativamente ao luto gestacional, o regime de faltas do Código do Trabalho contempla outras importantes alterações.
No artigo 251º do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, refere que o familiar tem direito a faltar “até vinte dias consecutivos, por falecimento de parente que seja descendente no 1.º grau na linha reta ou por perda gestacional.” Este direito aplica-se a ambos os progenitores.
Pode usar este tempo no processo de luto – que não é linear, de várias formas e como meio de homenagem ao seu bebé. Embora possam parecer poucos dias, já é um pequeno passo para o reconhecimento do luto gestacional, para o reconhecimento de uma perda que, mesmo acontecendo cedo na gravidez, é sempre a perda de um filho.
Na nossa página temos também um artigo com informações úteis sobre subsídios, direitos e licenças no âmbito da perda gestacional e neonatal.
Procure ajuda, se precisar. E, da nossa parte, já sabe, estamos aqui.
Chamo-me Paula, sempre quis ser mãe e desde sempre soube que se tivesse uma menina se iria chamar Ana.
Casei em maio de 2000. Passado algum tempo começamos a pensar seriamente em ter filhos, mas o tempo passava e eu não conseguia ficar grávida.
Como moro perto de Espanha, fui a uma Clínica a Badajoz onde eu e o meu marido realizámos todos os exames necessários para saber se estava tudo bem connosco.
A 26 de Dezembro de 2002 descobri que estava grávida. Fiquei tão, mas tão feliz, que liguei a toda a gente: família, amigos, colegas de trabalho…a quem me aparecia à frente. Estava eufórica!
Continuei a ser acompanhada em Badajoz; consultas regulares, ecografias, tudo sempre bem. Descobri que era uma menina, fiquei muito feliz. Não tive enjoos, nem desejos ou vontades, só uma felicidade que transparecia na minha cara.
Terça-feira, dia 5 de agosto de 2003, estava grávida de 36 semanas, sentia-me cansada, sem posição, mas sempre bem-disposta. Fui à consulta, levantei-me bem, tomei o pequeno-almoço e lá fomos. Na clínica tudo sempre uma simpatia. Ao chegar ao gabinete, o médico perguntou como me sentia, que já faltava pouco, conversa normal. A tensão arterial é avaliada e estava muito alta, seguimos para a ecografia, silêncio… O médico pergunta-me quando foi a última vez que senti a menina mexer.
Sinceramente não sabia precisar, ela mexia-se pouco. Então ouvi as palavras que nunca pensei ouvir…”a bebé não tem batimentos, não está viva…”
Não queria acreditar. O que tinha corrido mal? O que se passava? Porquê?
Não sei como consegui sair e passar pela sala de espera sem mostrar a dor que me matava. A sala estava cheia de mulheres grávidas. Não podia, não devia, todas estavam a viver o mesmo sonho que eu.
Fui encaminhada para uma Clínica onde fui muito bem tratada, desde médicos, enfermeiros, auxiliares, todos mostraram compaixão pela minha situação. Eu só chorava, não conseguia perceber…faltava tão pouco tempo.
Deram início à indução do parto, eu só queria que esse tempo passasse, que fosse rápido.
A minha menina nasceu no dia 6 de agosto, parto normal, mas não sofri nada em termos físicos. O meu marido assistiu ao parto, a menina trazia duas voltas do cordão umbilical no pescoço. A minha menina era perfeita, linda, vi-a durante breves segundos, hoje com muita pena minha, não consigo recordar a sua cara…
Foram dias muito difíceis, uma dor que me rasgava por dentro, revoltei-me contra tudo, porquê a mim? Tantas perguntas sem resposta.
Voltei a engravidar, uma gravidez muito stressante, mas muito vigiada. No dia 16 de Junho de 2004 nascia o meu menino, o Luís Filipe. A dor suavizou, o amor cresceu. Passados 4 anos, engravidei novamente e no dia 11 de Janeiro de 2009 nasceu o meu menino, Pedro Miguel.
Amo os meus filhos mais que a minha vida, serei sempre mãe de três, pois a minha menina nunca será esquecida.
Hoje, passados quase 20 anos, ainda não entendo o porquê de me ter acontecido isto, mas aceito, só gostava de ter sido a última mãe a passar por tamanha dor.
A ti, que lutas todos os dias, que passaste o inverno entre internamentos, mas que não perdes a inocência e a simplicidade de um sorriso.
Aquele sorriso, fácil de encantar, que faz qualquer pessoa dar uma gargalhada, que apesar das limitações, consegue aprender e que bem que aprendes!
Curioso, que gosta de histórias, de pintar e de Metallica! És tão fácil de cativar… e os nossos abraços? Esses são só nossos!
A ti, que vives no Céu, eu sei que não temos aventuras como com o mano, nem brincadeiras, porque a maior aventura vivemo-la todos os dias: aprender a viver longe de ti, foi o maior desafio de todos. Maior do que qualquer internamento, paralisia cerebral ou falar pouco.
Passaram 4 anos e eu contínuo a pensar em ti, todos os dias, onde quer que vá! E não adianta que me digam “que foi melhor assim…”. Não foi, nunca será. Melhor para quem? Para ti, que nunca conheceste o poder de um abraço? Para mim e para o pai, que pensamos como seria ter-te aqui a fazer macacadas de criança? Ou para o mano, que queria ter com quem brincar?
Somos uma família de 4, separados por um Céu de saudade. Hoje nem que as estrelas brilhem, cá dentro, tenho uma trovoada de sentimentos. O tempo passa, mas o Amor que tenho por vocês, esse é infinito e nunca deixarei que me digam que foi melhor… não são os outros que carregam um filho num colo de 2… e enquanto assim for, serão sempre meus…
No dia 2 ia fazer a tão desejada ecografia das 12 semanas. O nervoso miudinho acompanhou-me o dia todo, só queria saber como estava o meu bebé. Por fim, chegaram as 19h e lá entramos nós para a tão aguardada consulta. Começou a ecografia; com as máscaras só vemos a expressão dos olhos e a expressão que o médico fazia era cada vez menos acolhedora.
Comecei, sozinha, a entrar no meu próprio buraco, sem perceber o que se estava a passar. Até que o médico disse, em tom frio, “o vosso bebé tem uma malformação e pode vir a ter algum tipo de trissomia”.
As lágrimas começaram a cair pelo rosto inevitavelmente. O médico, que era pouco conversador, apenas disse que na quinta-feira a seguir, dia 4 de Agosto, queria repetir a ecografia.
Saímos o consultório, estive 1h sem conseguir falar, só chorei, chorei. Não sei como consegui trazer o carro sozinha até casa…foi uma viagem longa. Na quarta-feira ia em trabalho para o Alentejo. Não sei como me aguentei durante esse dia. A cabeça não parava de pensar no pior e com a réstia de esperança de que no dia seguinte o médico fosse dizer “foi um erro, está tudo bem”.
Finalmente chegou a quinta-feira, a repetição da ecografia, e a minha esperança foi por água abaixo: o diagnóstico confirmou-se.
O bebé tinha problemas, a translucência nucal era maior que o normal, ausência da cavidade nasal, o coração não batia normalmente.
O pesadelo mantinha-se, fomos encaminhados para uma consulta em Santarém onde nos iriam explicar e fazer a amniocentese.
Foram dias tão, mas tão longos. Dias a pensar em tudo e em nada, dias a chorar, dias a pensar ” porquê a mim?” e ” porquê a nós?”. Chegou o dia da consulta em Santarém, ainda há médicas simpáticas capaz de explicar, acalmar e responder às nossas perguntas de forma tranquila. A amniocentense ficou marcada para dia 25 de Agosto (dia dos meus anos, havia lá pontaria melhor).
Desde a consulta, as conversas giravam em torno do mesmo: e “se o bebé tem realmente um problema?”; ” o que fazemos?”; ” aguentamos ter um bebé especial na nossa vida?”. Todos os cenários estiveram em cima da mesa.
Contamos à nossa família e amigos mais próximos, pois todo o apoio era bem-vindo e nós precisávamos disso mais que nunca. Todos os dias começaram a ser demasiado angustiantes: o medo de ir à casa de banho, o medo de tudo e um amor a crescer dentro de mim e a ficar cada vez mais forte.
No dia 21 de Agosto, às 8h da manhã quando fui à casa de banho, o medo intensificou-se quando, no papel, encontrei sangue. Voamos para o hospital.
Com 14 semanas e 7 dias fomos de imediato encaminhados para o piso da obstetrícia. A partir daí, fui sozinha, porque o pai não pode acompanhar a mãe nestas situações (ridículo, porque é quando precisamos de mais apoio). Na triagem a enfermeira fez perguntas, mediu a tensão e pediu para esperar pela médica. A médica chamou-me e lá vou eu de novo, sozinha, fazer uma ecografia.
Quando a médica disse, a agarrar-me a mão, “o seu bebé parou”, senti-me a cair ainda mais fundo e a bater no chão. A partir deste momento era seguir as normas, para estes casos, mais uma vez sozinha, sem o apoio incondicional do pai e do homem mais incrível que podia ter a meu lado.
Saí do consultório, lavada em lágrimas, e na sala de espera tive de dar a pior notícia, ao homem que também ia ser pai. A enfermeira veio ao pé de nós e explicou o que ia acontecer, mas que ele, que também perdera um filho , naquele momento não podia acompanhar. Segui para dentro depois de um abraço bem forte e apertado.
Deitada naquela maca da sala de parto número 5, com enfermeiras e auxiliares incríveis, que explicaram tudo as vezes necessárias, começamos então o processo: 3 comprimidos vaginais para induzir o parto, soro e sem me levantar durante 1h30. Essa hora foi tão dura, ali deitada, sozinha, com uma fralda quase maior que eu, caramba.
Começou o desconforto dentro de mim, chamei a enfermeira para me dar a medicação para acalmar aquele desconforto.
Nesse momento e depois de comer uma gelatina, perguntei se já podia ir à casa de banho. Com isto tudo já era 13h30 e parecia que a cada minuto estava com cada vez mais cólicas. Eu, novata nesta situação, não percebi que poderiam ser contrações. Fui à casa de banho, na sanita tinha de meter uma arrastadeira, foi neste momento que tudo aconteceu…demasiado sangue no xixi e um feto a querer sair. Foi duro ver aquilo, chamei de imediato a enfermeira que me levou de volta ao quarto e, juntamente com mais duas enfermeiras, enquanto uma me dava a mão as outras retiravam, aquele que iria ser o meu amor maior.
Desde as 10h30 até às 14h todo um processo doloroso, fisicamente, psicologicamente e emocionalmente. Depois de tudo, fui repetir a ecografia, foi rápido, segundo a médica e estava tudo limpinho. Quando regressei ao quarto, estava o meu maridão à minha espera (antes de tudo começar a enfermeira disse que o podia chamar), e ali esteve ele comigo, toda a tarde até me darem alta, mesmo sem ser permitido, mas eu precisava dele e ele de mim. Tive alta nessa mesma tarde, as 19h, só queria vir para casa.
Neste momento já passaram quase 15 dias, estou de baixa, durante 30 dias. Posso dizer que estes dias têm sido um misto de emoções, dias em que apetece rir e sair, dias em que apetece estar sossegada e a chorar. Já pensei em voltar ao trabalho para ocupar a cabeça, mas não sei se tenho força para tal. Vou ficar, por enquanto, aqui a fazer o meu luto, deste que ia ser o meu amor para a vida toda.
Nestas alturas, vemos quem são os verdadeiros amigos, os amigos que são família e que mesmo quando estamos no chão, eles sentam-se connosco e fazem a festa.
Um Agosto triste, que nunca vou esquecer. Quis o meu anjinho que no dia dos meus anos não passasse pela amniocentese, por isso acelerou o processo e não obrigou os pais a tomar aquela que iria ser a pior decisão.
No dia 1 de janeiro de 2022 tivemos os taão aguardados 2 risquinhos no teste de gravidez e a partir daí aconteceu magia todos os dias. Foi uma gravidez santa sem enjoos, sem cansaço, sem mau humor. Todos os dias eram uma benção, sentia-me feliz e mais bonita do que nunca. A barriga crescia todos os dias e fez-se notar desde muito cedo.
Depois de um domingo de Páscoa feliz, em família, onde completamos 20 semanas, seguiu-se uma noite com algumas contrações mas consegui adormecer de novo.
De manhã estava a perder sangue e corremos para o hospital. Em menos de nada disseram que estava em trabalho de parto e que a prioridade era salvar a mãe.
Estupefactos e assustados com tudo o que estávamos a viver, parecia que aquela realidade não era a nossa. Mas foi.
Durante 10 dias ficámos internados com um diagnóstico de insuficiência istmo cervical, repouso absoluto da mãe, mas o filho nunca se mexeu tanto como até então. Sentia o nosso pequeno a toda a hora e cada vez que punham o doppler era rápido para ouvir aquele galopar cheio de vida daquele coração perfeito.
Todos os dias naquele hospital foram um desafio. Todos os dias me diziam que o diagnóstico era grave, que não havia nada a fazer e que ele acabaria por nascer e não seria possível salvá-lo antes das 24 semanas. Depois disso também seria difícil.
Todos os dias o discurso dos médicos era desanimador e todos os dias me incentivavam a pôr de pé para acelerar o processo. Ora, com um filho perfeito no ventre e a senti-lo mexer e a reagir ao meu toque, como seria capaz de apressar o processo?
Não estava em negação. Sentia que, infelizmente, não o teria ao peito como sempre tinha imaginado e não o iria ver crescer saudável e feliz como tanto pedi. Daí a apressar o seu nascimento é muito diferente.
Apesar dos desafios todos os dias tive o apoio incansável do pai do meu filho, no meio da tempestade conseguimos mantermo-nos mais unidos que nunca e durante as 2h/3h da visita não haviam tristezas. Jogávamos às cartas, ríamos e comíamos tranquilamente. Ficávamos os três, em família.
No dia 28/04 acordei com contrações e na eco vimos que ele já estava encaixado para nascer. Passamos para o bloco de partos.
Passamos lá o dia, tranquilos, a jogar cartas e a conversar. Não queríamos que o último dia dele connosco fosse de tristeza. E não foi. Estávamos e estamos felizes e muito, muito gratos por termos tido o nosso anjinho connosco durante toda a gravidez. Ele tornou o nosso sonho realidade e fez de mim uma mulher empoderada durante todo aquele tempo.
Ao final daquele dia 28/04, depois de um parto natural, conhecemos o nosso filho.
O nosso Duarte veio ao mundo com 28cm, às 22 semanas e era lindo, lindo! O nosso bebé era parecido connosco e todas as suas feições eram de uma perfeição como nunca tinha visto. Apesar das 22 semanas, o nosso valentão apertou os dedos aos papás, reagiu ao nosso toque e colocou-se numa posição que parecia estar em paz. E nós também ficamos. A mãozinha esquerda ficou amarrada ao cordão, talvez a forma dele mostrar que vai ficar sempre ligado a nós.
Depois deste encontro mágico de amor, seguiram-se hemorragias horríveis, anemia, novo internamento e um sangramento que durou 3 meses.
Tudo isto aconteceu na primeira metade de 2022. Ainda assim não consigo olhar para este ano de outra forma que não seja com amor e gratidão. Apesar de não termos o nosso Duartinho ao colo, ele está connosco em tudo o que fazemos. Vai ser sempre nosso e nós sempre dele.
Quando falo sobre o meu filho só consigo sentir amor. Só consigo sentir alegria por ter tido oportunidade de o gerar e de o conhecer. Tirei-lhe uma fotografia e já fiz um álbum, já fiz uns cinco retratos com artistas diferentes.
A perda dói. Dói a saudade, dói não conseguirmos expressar e dar-lhe todo o amor que lhe temos, dói não o vermos crescer. Ainda assim é possível sentirmos amor na perda. O amor que lhe temos é tão, tão grande e a felicidade que ele nos deu é tanta que nós não podemos ficar só tristes.
Somos pais dele, seremos sempre. Ninguém nos tira tudo de bom que vivemos naqueles meses. Ninguém nos tira o encontro mágico que vivemos quando o vimos.
É assim que o quero recordar. Com alegria e amor. É tudo o que tenho e tudo o que lhe queria dar se cá estivesse.
Vou falar-vos da Francisca, a luz da minha vida. Eu e o pai decidimos que em Setembro de 2021 seria uma boa altura para começarmos a tentar engravidar. E foi, de facto, uma boa altura. A 7 de Novembro veio a boa notícia: a Francisca já estava dentro de mim.
No dia seguinte fomos ao médico e fizemos ecografia que confirmou: lá estava um pequeno saquinho com 5 semanas.
Eu estava cheia de medo, insegurança, receio. Sempre a achar que na próxima ecografia nos diriam algo que não queríamos ouvir. Aquele medo de mãe.
Mas o tempo foi passando, e às 8 semanas ouvimos o coração daquele bebé tão desejado.
Às 12 semanas, a ecografia morfológica confirmou que estava tudo bem e a nossa bebé (ainda sem sabermos que era uma menina) seguia forte.
De três em três semanas lá íamos nós ao nosso médico e lá estava ela, a mexer-se muito. E o médico dizia isto a cada consulta: “Vai ser comprida como o pai”. O pai mede 1,93m.
Em Fevereiro de 2022, ao contrário do que eu previa, é-nos dito que vinha aí uma menina. Não tinha nome, só tínhamos nome para menino…
Até que o pai, um dia, olha para mim e diz “vai chamar se Francisca”. Fomos ver o significado e dizia “francesa livre”. E o pai é francês. Então sem dúvida ficou o nome decidido, Francisca.
O tempo foi passando, a barriga cresceu, a alegria e felicidade também. E aí comecei a crer que sim, que já não ia acontecer nada, que a nossa Francisca tinha vindo para ficar.
No fim de Maio, numa ecografia morfológica, dizem-nos que a Francisca era magrinha e comprida, que a mãe devia repousar mais.
Calhou bem, pois só nessa semana eu tinha acabado de preparar as roupas.
E eu cumpri. De 15 em 15 dias lá íamos nos ver da Francisca e ela engordava mas muito pouco.
Até que, três semanas antes do seu nascimento, comecei a senti-la cada vez menos. Supostamente estava tudo bem, diziam os médicos. Mas eu sentia que não.
Entre idas à urgência e a certeza dada que tudo estava bem, entro em trabalho de parto que se revelou muito rápido, rápido demais.
A Francisca não aguentou as contrações porque afinal tinha uma restrição de crescimento grave. Tudo nela era pequeno, a placenta, o cordão. Menos ela: media 53cm.
No trabalho de parto, entrou em sofrimento e ficou privada de oxigénio. Por isso, nasceu de uma cesariana improvisada, no meio do caos. Foi reanimada 5 vezes e internada no Hospital Pediátrico de forma a se conseguir controlar os danos. Mas os danos eram irreparáveis.
A RM confirmou: a Francisca não tinha atividade cerebral e só o ventilador a mantinha ligada a nós.
Então, num dia quente de domingo, cinco dias depois da nossa luz ter vindo ao mundo, decidimos desligar o suporte de vida.
Quando ma deram nos braços para me despedir, soltou o único som que lhe havíamos ouvido nos seus poucos 5 dias. Conheceu-me, eu sei que sim.
Nove meses de amor não se esquecem assim.
E assim, nos braços do seu querido pai, a Francisca esteve sem ventilação uns breves 40 minutos (porque nós queríamos e tínhamos uma vida inteira) e adormeceu na morte.
Gravei o seu toque, o seu cheiro. Fecho os olhos e sinto a sua essência. Beijei-a muito, mexi-lhe nas bochechas. A nossa bonequinha era a coisa mais linda que alguma vez tínhamos conhecido.
Há coisas duras na vida. Mas decidir desligar o ventilador de uma filha recém-nascida não tem descrição.
E agora, 4 semanas depois, estamos a tentar sobreviver. Sem ela, a luz da nossa vida.
A esperança não morreu. A vontade também não. Eu hei-de continuar a ser mãe, o pai há-de continuar a ser pai. E a benção de um irmão para a Francisca há-de chegar.
O nosso foco irá mudar, se isso acontecer. Mas para onde olharmos, onde está um, poderiam estar dois, onde estão dois poderiam estar três. Porque a Francisca é eterna nos nossos corações. Fez de nós pais e se tiver irmãos, vai ser falada e dada a conhecer.
Esta história nunca será de alegria. Espero vir um dia dizer-vos que foi uma história de superação, de resiliência, de coragem. Mas se há coisa que esta história foi, foi de amor. Um amor imensurável, terno e doce como nunca antes havíamos experienciado.
Foi isso que tu vieste trazer ao nosso mundo Francisca: amor. Até um dia, minha bonequinha. É um soninho. Até já.
Quanto às mães e pais que também viram o seu bebé adormecer na morte: não estão sozinhos. Estamos juntos. Amanhã será um dia melhor.
Suzy Pinho Pereira
Psicóloga Clínica e da Saúde
Gabinete de Psicologia SPP
A perda de um filho durante a gravidez, gestacional, ou à nascença, neonatal, independentemente de ser num período precoce ou tardio, origina um dos lutos mais complexos e, infelizmente, com pouca validação social. Isto acontece devido à pouca compreensão, perante a sociedade, da vinculação que é criada, entre pais e bebé, durante a gestação. Vários estudos referem que o luto de uma perda gestacional não se foca só perante a perda do bebé desejado, mas também com a perda das expectativas criadas antes e após a conceção.
Importa salientar que, após uma perda gestacional, se o luto persistir por muito tempo poderá desencadear crises de ansiedade, stress pós-traumático ou perturbação depressiva até alguns meses após a perda, e, além disso, a adaptação psicológica a uma nova gravidez é afetada.
Perturbação de Pânico: o que é?
A perturbação de pânico encontra-se inserida nas perturbações de ansiedade que partilham entre si uma série de características de medo e ansiedade excessivos e alterações do comportamento. Deste modo, é importante distinguir estes dois conceitos: o medo é uma resposta emocional a uma ameaça iminente que tanto pode ser real como percebida, a ansiedade, por sua vez, é a antecipação de uma ameaça futura.
A perturbação de pânico refere-se a uma condição psicopatológica caracterizada por ansiedade, designadamente, episódios recorrentes de ataques de pânico.
Os ataques de pânico são considerados episódios breves de início súbito e com um pico de intensidade em alguns minutos, sendo caracterizados por uma sensação de angústia, ansiedade e/ ou medo extremos, acompanhados por sintomas físicos, comportamentais, emocionais e cognitivos, tais como:
desconforto ou dor no peito;
sensação de falta de ar, asfixia ou dificuldade em respirar;
vertigens;
suores;
tremores;
sensações de frio ou de calor;
náuseas ou mal-estar abdominal;
sensação de desmaio;
sensações de entorpecimento ou formigueiro;
palpitações ou ritmo cardíaco acelerado;
sensações de irrealidade ou de se sentir fora de si;
medo de perder o controlo ou de enlouquecer;
medo de morrer.
Tipos de ataques de pânico
Os ataques de pânico podem ser esperados, quando alguém que tem uma fobia, por exemplo, de cobras, e ao ver uma cobra irá ter um ataque de pânico; mas também podem ser considerados inesperados pois ocorrem de forma espontânea, sem nenhum gatilho presente, como é o caso de um ataque de pânico noturno, que se caracteriza por acordar num estado de pânico.
Estes ataques destacam-se entre as perturbações de ansiedade como um tipo particular de resposta ao medo. Porém estes não estão limitados às perturbações de ansiedade, podendo muitas vezes ser observados noutras perturbações mentais.
A Perturbação de Pânico também é caracterizada pela preocupação persistente com a possibilidade de novos ataques de pânico e com as suas consequências que são percebidas como catastróficas. Alguns exemplos de consequências temidas são: desenvolver uma doença cardíaca ou outra, não receber ajuda ou o impacto social negativo.
Esta perturbação tem início no final da adolescência ou no princípio da idade adulta, estando tipicamente associada a um período com um pico de stress. A sua prevalência varia entre 1,5% e 3,5% da população.
Já o stress pós-traumático é uma perturbação mental que se pode desenvolver em resposta à exposição a um evento traumático, como pode ser o caso de uma perda gestacional/neonatal, de um acidente de viação, de guerra, de agressão sexual, doença, morte. dos sintomas vivenciados nesta perturbação são os ataques de pânico.
Se reconhecer algum destes sintomas ou sinais em si ou em alguém próximo de si procure ajuda: um psicólogo pode ajudar.
Suzy Pinho Pereira
Referências:
American Psychiatric Association (2014). DSM V: Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (5ª Ed.). Lisboa: Climepsi Editores.
Gabriel, S., Paulino, M., & Baptista, T. (2021). Luto Manual de Intervenção Psicológica. Lisboa: Pactor
Gilbert, P., & Allan, S. (1994). Assertiveness, submissiveness behaviour and social comparison. British Journal of Clinical Psychology, 33, 295-306.
Rita CruzEnfermeira Especialista em Saúde Materna e Obstetrícia
Falar de Perda Gestacional é falar de um tema muito especial e muito “querido”. Por tudo aquilo que é, o que envolve, o que me dá enquanto Mãe e Enfermeira, por tudo aquilo que ainda falta e urge fazer. Sim, é preciso fazer mais, muito mais!
Ser Enfermeiro é também estar presente em momentos menos felizes e menos bons. Nas maternidades não existem só situações boas e positivas, não nascem só bebés saudáveis, lindos e maravilhosos. Não nascem só bebés de termo…
É também nas maternidades que surgem situações muito delicadas. Diagnosticam-se mortes in-utero, malformações incompatíveis com a vida, situações de gravidez não evolutiva, de gravidez ectópica, de abortamento espontâneo, trabalho de parto espontâneo antes da viabilidade, entre inúmeras outras situações particulares e delicadas.
Os Enfermeiros são cruciais em todo o processo de Perda Gestacional. Questiono-me, várias vezes, se temos consciência de que marcamos todas as pessoas que se cruzam connosco nos mais pequenos e simples gestos. Muitas das vezes, acho que não. E, com estes casais em particular, falhamos!
Falhamos imenso em aspetos simples, mas que são importantes para os casais. A forma como dizemos, como fazemos, a postura que adotamos, os julgamentos e críticas que fazemos…são, muitas vezes, as queixas dos casais e, não propriamente, o tipo de procedimento ou protocolo que tiveram de seguir.
Enquanto Enfermeira, vivo e lido com casos de Perda Gestacional quase diariamente no serviço onde trabalho. E confesso que não tinha noção dos inúmeros casos que existem de Perda Gestacional, até eu lidar com eles.
A Perda Gestacional continua silenciada, pouco reconhecida e valorizada. É experienciada por muitos casais, mas falada por poucos.
Ela existe e está presente diariamente em todas as instituições hospitalares. Então, porque é que a mantemos escondida? É preciso falar da Perda Gestacional nas instituições hospitalares! É necessário preparar os Enfermeiros para lidarem com estas situações especiais, formar Enfermeiros mais capazes e mais conscientes de que é preciso marcar a diferença e ser diferente, que os Enfermeiros percebam que cada caso é único e que os cuidados têm que ser diferenciados e personalizados, os Enfermeiros procurarem saber mais sobre aquele caso em questão antes de atenderem os casais. Além disso, é necessário olhar com atenção para as instituições hospitalares e assumir que pouco se faz neste âmbito e que muito pode ser feito…
É urgente mudar o acompanhamento
Deixemos de atender estes casais junto de grávidas que esperam consultas e ecografias, de fazer consultas de Psicologia para culpabilizar os casais, desvalorizar as suas queixas e necessidades e apenas medicar para que esqueçam aquela dor, deixemos de colocar estes casais no mesmo espaço em que se vivem momentos felizes e nascem bebés, chega de fazer os casais esperar por uma resposta para o caso que estão a vivenciar: sozinhos!
É urgente mudar o acompanhamento que é dado em todo o processo, e constituir equipas de Profissionais de Saúde que realmente queiram “vestir a camisola” e dar a “cara” por um tema tão especial. É necessário unir forças e trabalhar realmente em equipa. Independentemente do serviço em que trabalhamos, seremos sempre Enfermeiros que acompanhamos casos de Perda Gestacional. A articulação entre os Enfermeiros dos diferentes serviços que acolhem estes casais tem de ser melhorada e otimizada.
Não pode ser mais um caso de Perda Gestacional! Tem de ser o caso daquele casal, o filho daquele casal, as necessidades daquele casal e o bebé em quem depositaram tanto amor e tantos sonhos, quer tenham sido alguns dias ou semanas!
As respostas têm de ser melhoradas e ajustadas. Independentemente do tempo de gestação, a dor é válida, existe e tem de ser confortada.
O Natal é uma época particularmente difícil para quem está a passar ou passou, recentemente, por uma perda gestacional ou neonatal. Neste artigo, procuramos dar alguns conselhos sobre como lidar com o Natal após uma perda gestacional ou neonatal.
No primeiro ano, imaginamos como seria o nosso bebé. Imaginamos como seria o seu primeiro Natal connosco. A tristeza e a saudade são mais fortes, pelo que é normal sentirmo-nos mais frágeis nessa época.
Estivemos à conversa com a psicóloga Suzy Pinho Pereira, com um direto, na nossa página do instagram e que aqui integramos, pela sua importância.
Como lidar com o Natal após uma perda gestacional ou neonatal:
Em resumo, algumas ideias:
Como incluir, se quiser, o seu bebé:
acenda uma vela na mesa da consoada;
coloque ornamentos com o nome do seu filho(a) na árvore de Natal (algumas ideias aqui).
fale do seu bebé e inclua-o nas conversas com amigos e família (se sentir abertura para tal).
Pode ainda:
Escrever um postal de Natal para o seu bebé.
Fazer um donativo em homenagem ao seu bebé (por exemplo a uma criança da mesma idade que teria o seu filho/a).
Mas, também pode, se não se sentir bem, não celebrar o Natal. Se a perda for muito recente e, juntamente com o seu companheiro, não quiserem celebrar, avisem a família.
Honestidade e assertividade à mesa no Natal
Na conversa com a Suzy, abordamos ainda outras possibilidades de encarar o Natal após uma perda gestacional ou neonatal. Se há quem sinta necessidade de falar no bebé, há quem, por outro lado, prefira não o fazer, por exemplo, por ainda ser muito recente/doloroso.
É perfeitamente válido e normal. Aliás, é importante, diz-nos a Suzy, sermos honestos e assertivos e podemos consegui-lo sem sermos indelicados. Afinal, quem nos ama quer ver-nos bem e deve respeitar a nossa dor.
No Natal após a perda gestacional, é também importante sensibilizar amigos e familiares para o que devem ou não dizer, especialmente numa altura como esta. Lembrar e incluir o bebé é reconhecer que ele existiu e que gostamos dele. Podemos não estar a oferecer-lhes uma tão desejada primeira prenda, mas podemos presentear os pais.
Recordamos que, também na época de Natal, estão disponíveis várias linhas de apoio psicológico. Não está, nem estará sozinha!
Todos os conselhos sobre lidar com o Natal após a perda gestacional ou neonatal: