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O mês dele! Agosto (em particular o dia 24 de Agosto) será – para nós – sempre o mês do nosso bebé, do nosso Afonso! E para nós será sempre altura de o festejar. E por isso, hoje – dia 24 – comemoramos um ano dele nas nossas vidas! 

Nunca pensei um dia escrever sobre isto, mas a vida – sem aviso, sem dó, nem piedade! – aqui nos trouxe e agora cá estamos, a contar o tempo, a falar da vida, sem o nosso menino, o nosso Afonso. 

O Afonso foi o nosso melhor e maior plano! Eu e o pai temos já uma história longa juntos, são quase 17 anos (4 de casados). Ter filhos estava nos planos. E assim, quando decidimos dar esse passo, quisemos fazer tudo certinho. Depois das consultas pré-concepcionais, estivemos mais de um ano à espera dele, do nosso Rei. E em Abril de 2022, ele chegou! 

Naquele dia 2 de Abril, subi ao céu. Estava radiante e ao mesmo tempo incrédula. Parte de mim não acreditava que aquilo estava mesmo a acontecer. Tanto assim era que fiz um segundo teste e, uns dias mais tarde, um terceiro. Todos confirmaram. Era verdade! O nosso bebé tinha finalmente chegado às nossas vidas. O mundo passou a ser dele naquele instante. Tudo o que fazíamos era pensar em garantir que ele estava bem. 

Estávamos tão felizes! Cautelosos com tudo, mas felizes. Vivemos os meses seguintes num mundo só nosso, dos três! Não contamos a ninguém, durante 12 longas semanas. E ao mesmo tempo que vivíamos um segredo maravilhoso, parecia que íamos explodir com a vontade de gritar aos sete ventos que o Afonso estava a caminho. 

Durante 12 semanas, fizemos tudo. Os exames que eram supostos fazer. As ecografias previstas. Tudo! 

Estava tudo certo. Confirmava-se aquilo que eu sempre soube. Ia ser mãe de um menino!

Nessas 12 semanas, ali por volta da 7ª ou 8ª semana, tivemos um pequeno (grande!) susto. Durante o dia, tive uma ligeira perda de sangue. Não sentia qualquer dor ou desconforto, mas a prudência levou-nos até à urgência de um hospital (privado). Ali contactei com o único profissional de saúde que me causou mal-estar e desalento. 

Naquela que foi a 1ª ecografia onde vimos o nosso bebé e ouvimos o coração bater, aquela que devia ter sido um mar de felicidade, sentimos medo. O médico, ao observar, limitou-se a dizer de forma muito fria: 

– “Pois, é uma ameaça de aborto!”. 

E à pergunta se devia ter algum cuidado adicional, respondeu apenas: 

– “Não. Vá para casa, se piorar vá para a urgência, está a abortar”. 

Tudo o que não queríamos ouvir. Sei que ele não estará a ler isto, mas para qualquer médico/a que o possa estar a fazer, sejam mais cuidadosos na forma como comunicam com os vossos pacientes. Não são amigos nem familiares, mas nestes momentos são a voz e a mão que pode amparar o desespero! 

Na semana seguinte ao episódio da urgência, felizmente, em consulta com a minha médica ginecologista, confirmava-se que estava tudo bem. Tudo dentro do expectável para a idade gestacional. Recuperamos alguma paz. Aqui veio a marcação da primeira eco morfológica e, com ela, também a do rastreio bioquímico (afinal eu tinha mais de 35 anos – 36 acabados de fazer – e nesta altura os procedimentos quase que nos fazem crer tratar-se de uma gravidez geriátrica). Rastreio esse que nos levou a realizar um teste pré-natal não invasivo para pesquisa de aneuploidias.

2022 foi um ano de muitos casamentos e festas. Em Maio, tivemos o primeiro de 6 casamentos. Era a primeira vez que a família do meu marido se juntava depois do período conturbado da pandemia. O que mais ouvimos nessa altura: “Então prognósticos? Quando temos mais um bebé na família?”. Íamos respondendo em jeito de brincadeira, cúmplices, sabendo do segredo que era só nosso. 

Nessa altura decidimos contar aos nossos pais e irmãos. A alegria deles foi tão grande! E passaram a fazer parte do nosso segredo, queríamos esperar pelos resultados do teste pré-natal para ter a certeza que estava tudo bem. Sei que ficaram ainda mais impacientes do que nós na expectativa de contar sobre o Afonso, mas lá se aguentaram! 

Ao fim de três longas semanas, chegou o resultado tão esperado: tudo bem! Tudo certo! 

Lembro-me de ligar ao pai a chorar, num pranto, e dizer entre soluços que estava tudo bem. Ele ficou tão preocupado e, sem perceber ao certo o que se estava a passar (desculpa meu amor!), que me pediu para lhe enviar o resultado. Assim fiz! A preocupação era uma e apenas uma: certificar-me que estava tudo bem com o meu bebé. Ao ponto de nem sequer ter visto que era um menino. Foi ele, o pai, que me ligou e disse: “Viste que vamos ter um menino?!”

Estava tudo certo. Confirmava-se aquilo que eu sempre soube. Ia ser mãe de um menino!

A partir daqui o nosso segredo passou a ser de todos. E que bom que foi! Família e amigos partilharam a felicidade da existência do Afonso connosco. E sei que ele foi amado, muito amado por todos! 

O nome… bem, apesar de termos andado ali às voltas, acho que sempre soubemos que nome lhe íamos dar: Afonso Manuel. Dois nomes de Reis (sendo que Manuel é também o nome dos dois avôs), porque ele era o nosso rei, foi desde o primeiro momento.

A partir daqui tudo estava calmo. Ele começou a mexer e começamos a ter momentos ainda mais incríveis com ele. Mexia muito e eu adorava que assim fosse. Era sinal que estava bem, que comunicava comigo da forma que nos era possível. Foram tão boas estas semanas. 

Até que chegamos ao dia 23 de Agosto. Acordei de madrugada… e percebi que a insónia não me ia deixar dormir mais. A certa altura senti algo quente. Saltei da cama com medo que fosse sangue. Não era! Ao fim de algum tempo, percebi! Estava a perder líquido amniótico. Não demoramos sequer 10 minutos a sair de casa e voamos até à Maternidade Bissaya Barreto, em Coimbra. 

Dei entrada na maternidade, no dia em que completava 25 semanas de gravidez… E tudo mudou! A partir daqui o tempo passou ainda mais rápido, quando tudo o que eu queria era que passasse em câmara lenta. 

O Afonso ia nascer! 

Estava com uma ruptura prematura das membranas. Fui internada de imediato e foi iniciado o protocolo, numa tentativa de evitar o trabalho de parto. No internamento, fui observada, mais uma série de exames e análises, que mais tarde confirmavam uma infecção urinária assintomática (que se tornou o meu pior pesadelo, tenho pavor de infecções urinárias neste momento!). 

Numa dessas observações, o médico ‘despejou-me’ todos os factos em cima. Colocou-me ali todas as cartas em cima da mesa. A expressão que mais me ficou gravada daquela conversa: 

– “Se a natureza decidir agir, não podemos fazer nada para impedir”. 

Por outras palavras, se entrasse em trabalho de parto, o Afonso ia nascer. Fiquei em choque, pânico… nem sei bem! Sabia que o cenário não era o ideal. Estava longe disso! O meu menino, o meu Afonso, tão pequenino, podia nascer a qualquer momento. 

E assim foi. No dia 23 à noite comecei a sentir contrações, que se foram intensificando a cada hora que passava. No dia 24 de manhã, o enfermeiro de serviço explicou-me que iam antecipar o meu antibiótico, porque mal terminasse o protocolo de ruptura as minhas contrações iriam disparar… Assim foi! Por volta das 16h/16h30 levaram-me para o bloco de partos. Não havia dúvidas. O Afonso ia nascer! 

Senti tanto medo. Sabia que era muito arriscado. Sabia que era muito pequenino, sabia dos riscos, sabia… naquele momento acho que desejei não saber, talvez a inocência e o desconhecimento fossem uma bênção…

A certa altura perguntei a uma das enfermeiras se esse podia fazer contacto pele a pele quando ele nascesse. O olhar dela ficou gravado na minha memória. Senti-lhe toda a empatia através do olhar. Disse-me que não podia ser, que ele ia nascer muito pequenino e que teriam que cuidar dele. Respondi-lhe que sabia, mas tinha de perguntar. Em resposta, colocou-me a mão carinhosamente no ombro e disse apenas: “eu sei!”. Sei que entendeu a minha dor e apesar de não lhe saber o nome, sei que lhe conheceria o olhar na hora. E estou-lhe grata pelo cuidado que teve. Na verdade, a ela e a todos os profissionais com quem nos cruzamos naqueles dias, pelo cuidado e humanidade que demonstraram sempre. 

O Afonso nasceu! Segundo o relatório médico às 20h28, mas o pai gosta de ser mais preciso e diz que a hora certa foi às 20h17, porque fez questão de tirar foto mal ele nasceu. 

O Afonso chorou! Foi o melhor som que ouvi até hoje. Um choro frágil, mas que me deu toda a esperança do mundo. Ele estava ali, em toda a fragilidade das suas 25 semanas mais um dia, mas chorou, como que a mostrar toda a sua força. O meu bebé, era tão pequenino, mas já era o meu herói. 

As horas que se seguiram foram longas. Fiquei ali no bloco, sem saber do meu menino (percebi depois que fiquei ali porque a equipa da maternidade estava a tentar encontrar um quarto mais reservado, onde eu ficasse protegida do choro de outros bebés, esse cuidado e humanidade que demonstraram não vou esquecer, se pudesse agradecia-lhes individualmente).  

Nunca senti tanto medo como neste momento. Eu não sabia dele, do meu Afonso. E só precisava de saber dele. A certa altura o pai pode ir vê-lo e fez uma videochamada. Foi a primeira vez que o vi. 

Depois disto, só no dia 25 o pude ver e tocar-lhe. Muito irracionalmente tive medo de lhe tocar. Sentia-me culpada, afinal o meu corpo tinha falhado e era por isso que ele estava ali, quando ainda devia estar na minha barriga. Uma parte de mim, achava que se lhe tocasse ia deixa-lo doente, fazer-lhe mal. Mas a equipa médica e as enfermeiras asseguram-me que não e tocar-lhe foi o melhor dos sentimentos. 

Quando lhe toquei, ele como que se aninhou na minha mão, naquilo que me pareceu ser ele a reconhecer-me e foi tão bom! O dia 25 de Agosto foi o nosso dia. Conseguimos estar ali os três, o Afonso, eu e o pai. A nossa família. O pai costuma dizer que este foi um dia bom. 

Um de 3 dias! Sendo que antecedia aquele que será sempre o pior dia das nossas vidas. O dia 26. O dia em que tudo desabou. Dizem que coração de mãe sente quando algo está errado. E eu senti quando entrei na UCIN naquele dia e vi a enfermeira que esteve connosco no dia anterior a olhar e dizer com ar apreensivo:

– “Está ali a mãe do Afonso!” 

Esta frase teve muito impacto, pelo medo que me fez sentir, mas – hoje à distância de alguns meses – de orgulho. Ali eu fui a MÃE do Afonso. A melhor das identidades. 

A partir daqui, foi como se estivesse num filme de terror ou numa experiência paranormal, em que assistia a tudo fora do meu corpo. Mandaram-me aguardar e a médica veio falar comigo para explicar a gravidade da situação. Pedi para deixarem subir o pai (ainda não era hora das visitas). Também aqui devo um agradecimento à enfermeira que me deu um abraço no momento em que me sentia a quebrar e ficou ali comigo até o Edgar chegar. 

Depois fomos os dois para a UCIN e quebramos. Sabíamos que nos íamos despedir dele. Disseram-nos que podíamos pegar nele. Mais uma vez a irracionalidade tomou conta de mim e dizia-me que talvez fosse melhor deixa-lo na incubadora, enquanto estivesse lá estava protegido. Mas não era assim. E antes que fosse tarde demais, peguei nele ao colo. 

Nesta que foi a primeira e última vez que lhe peguei, dei-lhe todos os beijos que consegui. Medi-lhe e memorizei-lhe todos os centímetros. Senti-lhe a pele, o cabelinho (tinha muito!) e o cheiro doce e único. A memória táctil será sempre a melhor lembrança, porque o sinto gravado na minha pele. 

Ficamos ali os três, bem juntinhos. Quebrados, mas juntinhos. Ficamos ali, não sei bem quanto tempo.  Não importa também. Foi pouco tempo. Muito pouco! 

A certa altura, perguntaram-nos se o queríamos baptizar. Até nisto, aqueles profissionais foram cuidadosos. Uma enfermeira baptizou o Afonso, num momento que foi só nosso. Mais um. 

E de repente, uma voz suave:

– “Ele já partiu!” 

Foi o pior momento da minha vida. Será sempre. Senti que morri ali. Fiquei quebrada, em milhões de peças, tão pequeninas que seria impossível voltar a juntar. Queria ter sido eu. Era o que fazia sentido. Não podia ser o Afonso a partir. Não devia. Que mundo é este? Que vida é esta que me leva o meu bebé? 

Ficamos ali mais algum tempo, não sei quanto tempo mais. Não me interessa. Continua a ser muito pouco. 

O mundo parecia ter acabado ali, mas foi pior do que isso. Porque o mundo estava ali e obrigou-nos a olhar para ele, agora desprovido de tudo. 

Senti-me culpada. Muito. Na verdade, a culpa consumiu-me. A única coisa que conseguia pensar era que o meu corpo falhou. Eu falhei ao meu bebé porque não consegui protegê-lo. Por muito que me dissessem o contrário, a culpa esteve lá, desde o parto. Não devia ter sido assim e eu sentia (e por vezes ainda sinto) que a culpa foi minha. 

Esperávamos ansiosos a chegada dele, que seria em Dezembro. Seria o melhor presente de Natal. Ao invés tivemos um Natal vazio, desprovido de toda e qualquer magia. Nunca o Natal me doeu tanto… eu que adoro a época. Não conseguia perceber a felicidade das pessoas que nos rodeavam, era errado. Como podiam estar felizes se faltava o Afonso. Porque o mundo é assim, avança sem pensar nas mágoas dos pais de colo vazio. 

Aliás, a prova disso são as muitas frases feitas que todos se apressam a dizer. Ouvimos todas, como o bom cliché que são. De todas, ainda hoje a que mais me perturba é que “a vida continua”. 

Sim, nós sabemos. Soubemos logo ali, quando imediatamente depois de perdemos o Afonso, de nos despedirmos dele, tivemos que tratar de todas as burocracias; quando o pai teve que sair para ir tratar do registo de nascimento e da certidão de óbito, tudo em simultâneo; quando saímos da maternidade apenas agarrados um ao outro, de colo vazio; quando entramos em casa sozinhos e a casa parecia vazia, desconhecida, afinal já não se iam viver as primeiras vezes do nosso Afonso, o quarto já não ia ganhar forma (ainda hoje está fechado, apesar de lá irmos os dois com frequência), nada! 

Soubemos desde o primeiro momento que a vida continua, mas para nós continuou com um buraco, uma falta enorme, uma saudade de tudo o que devia ter sido e não foi. 

Sim mundo, a vida continua, mas não precisamos que nos digam isso repetidamente, para nos obrigar a “ficar bem”, para vosso conforto. É disso que se trata afinal. É isso que se exige aos pais enlutados: que fiquem bem, por ser mais confortável para a maioria. 

Não ficamos bem. Apenas aprendemos a gerir o luto. O “bem” passa a ser feito, em muitas ocasiões, a custo de lágrimas escondidas e muitos sorrisos forçados. 

Mas nós tivemos sorte. Temos ao nosso redor, no nosso núcleo mais próximo, as melhores pessoas. Pessoas que nos deram colo (ainda dão!), que estiveram connosco desde o primeiro momento da forma que lhes foi possível, que nos permitem falar do Afonso, que dizem o nome dele sempre que podem e dessa forma nos ajudam a dar-lhe existência, a mantê-lo vivo… 

Pessoas tão incríveis que continuam a dar-nos a mão a cada partida que a vida nos prega. Sim, este ano (em Maio, 2023) a vida voltou a puxar-nos o tapete, a cravar-nos a faca no coração ainda partido. Sofremos uma perda gestacional precoce, às 6 semanas de gravidez. Ainda não tinha nome, não sabíamos ser era menino ou menina, era apenas a Sementinha. Foi mais uma fonte de esperança, seguida de mais um golpe. Ainda temos o coração a sangrar. Mas, mais uma vez, não nos faltaram os de sempre. 

A todos eles (não me atrevo a nomeá-los individualmente para não correr risco de esquecer alguém, seria demasiado injusto): somos tão, mas tão gratos por vocês!  

Perdi a inocência da gravidez. Sei que uma nova gestação será acompanhada de medos e muita ansiedade. Curiosamente, ouvi já várias vezes que não posso ter medo. Engraçadas as assumpções e exigências de quem nunca passou por nada semelhante. 

Sim, temos direito a ter medo. Sabemos bem o pior que pode acontecer. O medo faz parte. Se isto nos faz desistir do desejo de ter um bebé connosco?! Não. 

Mas, passado um ano, é isto que quero focar. O Afonso (e agora a Sementinha) foi e será sempre sinónimo de amor. Foi isto que mais nos trouxe: amor!

É a manifestação do amor que me une ao pai, ele que é e foi desde o primeiro momento o meu porto seguro, a mão e o abraço – que na nossa pior dor – me manteve à tona, que não me deixou afundar. Dizem que um filho é a multiplicação do amor e mesmo na partida foi isto que ficou.

É o amor de todos (amigos e família). 

É o amor de todos que o celebram todos os meses connosco. Aqui tenho um agradecimento especial a ela, a amiga que se tornou família do coração – ela sabe quem é! – que me envia aquela mensagem, simples, mas tão poderosa, todos os meses. Obrigada por me ajudares nesta missão de manter o Afonso bem presente!

Um ano dele nas nossas vidas. Foi assim que optei por ver tudo. Sim, a dor de o perder é imensa, será sempre, para toda a vida. Mas o amor por ele será sempre maior. Porque aquele mês de Agosto de 2022 trouxe-o até nós. E mesmo não estando aqui connosco, está sempre presente nas nossas vidas, muito vivo em nós. 

Dói saber que vou perder todas as primeiras vezes dele e que nunca lhe vou conhecer a cor dos olhos… dói. Dói todos os dias. Ainda que para mim, ele tenha os olhos do pai, aquele castanho esverdeado azeitona que tanto adoro. Sempre disse que ele seria parecido com ele, numa simbiose perfeita das nossas melhores características e traços (físicos e de personalidade). 

A dor está lá, vai estar sempre. O luto nunca vai terminar (lamento – na verdade não! – pelos que esperavam por esse final). 

Esta foi para mim a verdade que – depois de a aceitar – me permitiu gerir todo este emaranhado de emoções que é a perda de um filho. Aceitei que o tempo não cura, que nada passa (esta foi a maior mentira que me contaram). Mas também não quero que passe. Porque o Afonso será sempre parte da nossa família e das nossas vidas. É assim que queremos que seja, é assim que deve ser. 

Vou sempre celebrar o dia 24 de Agosto. É o dia dele, o dia que o trouxe ao mundo, que me permitiu ouvir aquele choro que me deu toda a esperança; aquele choro frágil, mas que foi sinal de toda a força.

Foi o dia 24 de Agosto que me permitiu tocar-lhe, sentir-lhe a pele sedosa, o cabelinho e o cheirinho doce (diferente de tudo, só dele, inigualável). 

Vou sempre falar dele com um sorriso e mesmo quando as lágrimas teimarem em cair, serão sinónimo de amor, da saudade alimentada por esse amor que transcende tudo. 

Vou sempre falar dele ao mundo, a todas as pessoas que me permitam fazê-lo, porque essa é a forma que tenho de lhe dar a existência que é só dele. E um dia espero contar a história dele a um irmão ou irmã (ou vários, a vida o saberá!) e sei que mais alguém o vai amar (mesmo sem o ter conhecido). 

Quis partilhar a história dele numa altura em que fosse capaz de olhar para tudo de um lugar de amor, que se sobrepõe a toda e qualquer dor. Porque a dor quando se sobrepõe a tudo, sufoca, impede-nos de ver o que de bonito todos os capítulos da vida têm. E este, ainda que não tenha sido como devia, teve o que de mais bonito alguma vez podíamos ter tido ou feito: o Afonso. O nosso anjo, o nosso eterno bebé, lindo e perfeito como só ele podia ser!  

E porque nestes 12 meses, foi o amor que o Afonso trouxe ao mundo, esse amor maior que entrou nas nossas vidas, que me deu forças para continuar, para sobreviver, para acreditar num amanhã ainda com mais amor.


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Gravidez pós-perda Testemunhos arco-irís

Era o mês de Outubro de 2021 e os sinais que uma alma estava próxima a chegar foram aparecendo!

Eu sabia que Novembro e Dezembro iam ser meses a evitar para engravidar, para as datas não se cruzarem com as datas que pertenciam à Maya!

O tempo foi passando e os sinais eram cada vez mais intensos. Um dia, em pleno inverno, passeava o cão e vi 3 cegonhas! Pensei: cegonhas no inverno não parece muito normal, acredito que a cegonha vai chegar em breve, mas na minha mente pensava que começava a tentar após Janeiro de 2022.

A verdade é que neste dia eu devo ter engravidado. Testes de ovulação todos negativos, alguns problemas urinários… gravidez não era de todo uma possibilidade! A verdade é que no dia 25 de Dezembro acordei com um sentimento muito forte de que estava grávida. Parecia até contraditório, porque não queria ter engravidado naquele período, mas dentro de mim algo me dizia que estava grávida. Nessa manhã fiz um teste que se mostrou negativo e eu desabei a chorar e no fundo nem sabia bem porquê! O tempo foi passando e a menstruação estava atrasada, nada normal em mim. Dia 30/12/2021 resolvi fazer um teste e, qual o meu espanto, quando vejo o positivo. Em todas as outras 3 gravidezes o teste deu positivo mesmo antes do atraso da menstruação. Não foi o caso desta.

Fiquei em negação durante quase um mês, primeiro porque percebi que as datas iam ficar muito próximas e também com medo que os abortos se repetissem! Só quando fiz a primeira ecografia é que caí em mim!

Foi uma sensação única, os medos eram arrebatadores, mas a esperança de que desta vez tudo correria bem era mais forte. Em Fevereiro, com 10 semanas, fomos passar férias em Portugal e o nosso mundo desabou: uma perda de sangue monstruosa aconteceu (verdadeiramente pior do que os dois abortos que eu já tinha tido). Dei entrada na maternidade e a médica ao ver tanto sangue e ao saber o histórico, tentava encontrar as palavras para, se calhar, me dar mais uma má notícia. Pedi que fosse rápida (com o tempo ficamos calejados com as más notícias), até que a Dra disse que ia fazer uma ecografia vaginal e, qual o espanto dela, quando o meu bebé mexia no seu ninho, feliz da vida!

Então, com esperança o tempo foi passando e este arco-íris foi ganhando espaço na minha barriga. Ela foi aumentando, ele começou a dar sinais e uma conexão começou a criar-se!

Nunca soubemos bem o que aconteceu, mas a verdade é que este ser continuou agarrado à vida, agarrado a nós… fiquei de repouso para garantir que podia voltar para casa. Voltamos a casa e duas semanas depois fizemos a primeira ecografia, que mostrou que tudo estava bem com o nosso bebé. Então, com esperança o tempo foi passando e este arco-íris foi ganhando espaço na minha barriga. Ela foi aumentando, ele começou a dar sinais e uma conexão começou a criar-se!

Nem todos os dias foram fáceis, mas aceitei sempre as minhas emoções, permitir-me senti-las e extravasá-las sempre que necessário! O tempo foi passando, e com medo não queria preparar o quarto, mas a minha enfermeira e a psiquiatra foram-me recomendando começar a avançar aos poucos. Que depois no pós-parto ia ser mais difícil! Lá ganhei coragem e comecei.

Segui as recomendações: as roupas fui lavando e mudei o cheiro dos produtos para a intenção passar a ser outra (o cheiro da Maya será para sempre o cheiro da Maya) e este seria o cheiro para este bebé! Lavei roupas, organizamos o quarto, tudo foi fluindo, mas também houve momentos de emoções elevadas e de muito choro. O medo de voltar a entrar em casa de braços vazios invadia-me. Permitimo-nos avançar nesta montanha russa, de incertezas, medos, angústias e amor!

Tudo foi avançando e as semanas foram passando. O meu bebé que, tamanha era a conexão, que reagia até ao pensamento, diga-se de passagem, que o bebé arco-íris sente tudo muito mais. Preparámos um plano de parto, ao qual eu ainda pensava na tentativa de um parto normal após a cesariana da Maya (às 37 semanas fiz uma ecografia para analisar a minha cicatriz e tudo indicava que se o bebé assim entendesse podia ser normal). Mas o nascimento de um bebé não é só nosso e o pai tem um papel importante também…no nosso caso, o pai não se sentia confiante com o parto normal. Afinal havia todo um passado…

Acabei por ceder e marcamos uma cesariana… mesmo assim entre a espera ainda tive uma consulta e tentaram-me fazer o descolamento das membranas sem sucesso. Tudo apontava que o mais seguro para este bebé chegar era mesmo por cesariana!

Assim foi, no dia 29 o nosso bebé surpresa chegou. Com ele descobrimos que o nosso mundo teria muita cor…descobrimos também que passaríamos a ser pais de um menino…e após este dia eu aprendi a viver com um bebé nos braços e outros no coração.

O Adam sabe e saberá que para nós ele é o nosso 4º filho, mas o primeiro que trouxemos para casa, o primeiro que se comprometeu a fazer esta caminhada terrena connosco!

É uma benção ter este arco-íris connosco após todas as tempestades! Nada é por acaso e no momento certo tudo chega em tempo divino… com carinho, abraço cada um de vocês pais e mães de colo vazio, mas que em breve acreditem, terão o vosso arco-íris.

Ana, mãe do arco íris Adam
Abelhinha Maya e
Anjinhos Jonas e Ayam

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Foi no dia 30 de Novembro de 2020 em que descobrimos que o Gabriel crescia dentro de mim. Após duas perdas gestacionais e tentativas falhadas, o Gabriel vinha a caminho.

O nosso amor tinha triplicado; seria o pensamento que à terceira é de vez e que desta vez iremos ver nascer, e crescer, o nosso 3º filho.

Durante 41 semanas fui seguida no hospital como gravidez de risco, sempre com medos e receios.

As semanas e meses foram passando. Nas consultas e ecografias diziam-me sempre que estava tudo bem e nós íamos ficando cada vez mais tranquilos e desejosos de conhecer o nosso filho. Devido à Covid, o pai nunca pôde assistir às ecografias realizadas no hospital, só pôde assistir às ecos 4D que fizemos e onde soubemos que o nosso bebé seria um menino.

Ficámos tão, mas tão felizes que escolhemos logo o nome de Gabriel.

O nosso Gabriel nasceu no dia 16 de Agosto de 2021  às 22:08 após 22 longas horas em trabalho de parto com a bolsa rebentada. Nasceu de uma cesariana de urgência, exigida por mim, por não aguentar mais o longo e difícil trabalho de parto.

O nosso Gabriel nasceu com 3.890kg e 52cm, um bebé grande,  lindo aparente saudável até que, quase duas horas após ele nascer, o pai estava a brincar com ele e viu que a respiração do Gabriel não estava normal. A pediatra pediu ao meu marido para sair para observar o nosso filho e foi aí que detectaram que algo não estava mesmo bem, que o Gabriel iria precisar de oxigénio. Entretanto eu cheguei do recobro e já não pude ver o meu filho. Apenas a pediatra e o meu marido me esperavam. A pediatra deu-me a notícia que o Gabriel teria de ficar a oxigénio e que se não recuperasse, teria de ser transferido para Lisboa para ter outro tipo de ajuda respiratória, que eles não tinham no hospital. A pior notícia que ela nos deu assim, sem rodeios, seria que as próximas horas seriam decisivas para o Gabriel .

Ficamos ali sem chão. O que ansiávamos há 41 semanas, este momento de estarmos juntinhos finalmente com o Gabriel nos braços, tornou-se o início de um caminho de separação por vários dias.

Ficámos os 3 sozinhos, um em cada lugar; o nosso filho lutando sozinho  pela vida numa incubadora de hospital, o pai teve de regressar a casa sozinho e eu sozinha, no quarto de hospital, sem poder ter o Gabriel comigo .

Ainda nessa madrugada, recebi a notícia que o nosso filho iria ser transferido para Lisboa, e onde o pai recebeu o diagnóstico do Gabriel: nasceu com uma Cardiopatia Congénita complexa e rara, ou seja, com varias malformações no seu coraçãozinho lindo e cheio de amor .

O Gabriel nasceu com uma TGA- Transposição das Grandes Artérias; coartação da artéria aorta, uma displasia na válvula tricúspide e uma CA -comunicação entre aurículas. Após o diagnóstico, o nosso filho foi transferido para o Hospital Santa Cruz, onde foi feito uma CV através de cateterismo.

Estive separada do meu filho quase 3 dias porque, como foi cesariana, tive de ficar no hospital em Santarém e o meu filho em Santa Cruz. Passei 3 dias sem saber se o conseguiria ver antes do Gabriel ser operado. Foi o pai quem esteve com o Gabriel esses 3 dias, mas só de dia, porque de noite não podíamos permanecer junto do nosso filho.

O estado clínico  do Gabriel era bastante reservado e requeria muitos cuidados. O Gabriel precisava de ser operado o mais rapidamente possível, mas uma septicemia o impedia. Foi uma semana de luta contra a septicemia, nós nem lhe podíamos tocar sequer…era imensamente duro não o poder fazer, mas sabíamos que era para o bem do nosso filho.

O Gabriel foi operado à coartação da aorta ao final de uma semana de ter nascido. Três semanas depois foi operado para colocar um banding na artéria pulmonar, porque o pulmão esquerdo estava a ficar demasiado afetado e irrigado de sangue.

Após isto tudo, o nosso filho ainda tinha que passar por outra cirurgia,  “grande cirurgia”, a troca das grandes artérias, a válvula tricúspide e o encerramento da CA e CV, mas o Gabriel precisava de estar bem para esta operação.

Entre estas duas cirurgias, o nosso filho teve um episódio de convulsões derivado a ter líquido entre o cérebro e o crânio, por causa do longo trabalho de parto – as horas sem oxigénio suficiente- mas conseguiu reverter a situação e recuperar bem, sem quase nenhuma sequela. Após a segunda cirurgia, contraiu uma infeção, chamada uma endocardite – uma infecção nas paredes do coração e seis semanas de antibióticos se seguiram até à grande cirurgia.

Como mãe, esperei 28 dias para o pegar ao colo, e ter o meu filho em meus braços, e o pai quase 2 meses para poder pegar no colo o nosso filho. Mas tudo isso ultrapassamos, pois o que mais desejávamos era que o nosso filho ficasse bem e viesses para casa connosco .

Nem sempre o nosso filho esteve muito mal… o Gabriel era um valente, um lutador, foi sempre surpreendendo tudo e todos, dando a volta por cima – ele sorria, fazia cara de sério, poucas vezes chorava, aliás só chorava quando tinha a fralda suja ou quando tinha cólicas.

O nosso filho lutou imenso –  uma semana antes da grande cirurgia à artéria aorta. Teve de lhe ser feito um cateterismo de urgência na quinta-feira antes da grande cirurgia, que correu muito bem . O nosso filho foi operado dia 26 de Outubro de 2021: a grande cirurgia, o que faltava para recuperar e vir para casa .

Foram 8 longas horas, as mais longas de sempre, que acabaram da pior forma, o nosso filho lutou com tudo, com todos os seus recursos, para sair do bloco bem. Lutou para vir para juntinho de nós fisicamente, mas algo não deixou. A cirurgia, em si, correu bem mas recebemos a pior notícia, a notícia que nenhum de nós queria ouvir ou acreditar, aliás nenhuns pais deveriam ouvir: que o nosso filho partiu para onde nunca mais o podemos ver, ouvir, sentir (não fisicamente porque o nosso filho vive em nós), enquanto sobrevivermos a esta dor imensa.

Temos e sentimos um orgulho imenso no nosso filho. Amamos-te imenso, filho. O nosso nenuco bochechinhas de sorriso lindo e coração cheio de amor.

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A minha vida, a minha Íris.

Hoje vou contar-vos a história da minha vida (a minha Íris). A Íris é o meu bebé arco-íris, depois de um aborto espontâneo e de uma gravidez anembrionária.

Dia 14/04/2022 veio o resultado positivo. Quando olhei para o teste nem queria acreditar, mas lá estava “grávida 1-2 semanas”. A alegria misturava-se com o medo mas algo me dizia que era desta, que o meu bebé tinha vindo para ficar.

No dia 23/05 fiz a primeira ecografia, no privado. Enquanto me sentava na marquesa, rezava para que o meu bebé estivesse ali. Assim que ligou o monitor ali estava ele, o pequeno ser que iria mudar a minha vida para sempre. Quando ouvi o coração bater eu e o pai chorámos, chorámos muito. Ali estava o som mais perfeito do universo, o coração do nosso bebé.

Tínhamos decidido que só queríamos saber o sexo no dia do parto porque era indiferente, o importante é que ele estava ali a crescer forte. As semanas foram passando, a barriga ficava gigante a olhos vistos, e a cada ecografia, lá estava o nosso baby a crescer. A ecografia morfológica estava perfeita; o nosso sonho tornado realidade. Dia 18/08, fui com a minha sogra fazer uma ecografia 4D e tinha informado que não queria saber o sexo mas, assim que ligaram o monitor, a primeira coisa que se viu foi que era uma menina. Estava ali e era impossível não perceber o que era e, nesse dia, soube que a minha Íris estava a caminho.

Dia 29/08 fui jantar fora com o meu marido e um casal amigo. Depois das entradas, levantei-me para ir à casa de banho e senti um pouco de líquido, mas como a Íris estava alojada em cima da minha bexiga pensei que fosse um pequeno “descuido”. Quando cheguei à casa de banho, a mesma estava ocupada e então começou a sair um jorro de água pelas pernas abaixo. Eu estava de vestido e lembro-me de ter entrado na casa de banho dos homens, que estava vazia, em pânico. Peguei no telemóvel e liguei ao meu marido que veio logo ter comigo, disse-lhe que a bolsa de água tinha rebentado, ele disse que era impossível, mas chamou o INEM,.

Chegamos ao CMIN e eu já só chorava. Estava naquele dia com 23 semanas e 4 dias.

A médica de urgência fez uma coleta do líquido e confirmou que era líquido amniótico. Fizeram uma eco e o coração da minha filha batia e ela mexia-se normalmente. Passámos essa noite no núcleo de partos para ver se eu iria entrar em trabalho de parto, mas os médicos tinham explicado que o limite da viabilidade eram as 24 semanas e que dificilmente a Íris sobreviveria se nascesse naquele momento. Rezei e pedi ao universo para que a minha menina se mantivesse dentro de mim, para eu a proteger e para que ela pudesse crescer mais um pouco. Consegui manter a gravidez durante mais algum tempo, estava tudo a correr dentro do previsto, mas a 11 de Setembro (com 25 semanas e 3 dias), a Íris decidiu nascer.

Disseram-me depois do parto que ela decidiu viver, pois a bolsa estava com uma infeção que tinha passado para ela e para mim, se ela não tivesse nascido naquele dia provavelmente não tinha sobrevivido.

No dia 11/09 às 16:43, nasceu a minha vida, de uma cesariana de urgência caótica, a Íris nasceu com 31 cm e 620gramas, pequenina em tamanho, mas enorme em força.

Bom dia vida, mais um dia para vencermos? A mãe ama-te muito meu amor

Os primeiros 15 dias foram muito complicados, ali estava ela numa incubadora, com ventilador e cheia de fios e medicação que a mantinham perto de mim, perto de nós… Com 15 dias a minha vida teve uma infeção no intestino e os médicos disseram que a probabilidade de ter de ser operada era grande e eu, lavada em lágrimas, mais uma vez implorei a Deus e ao universo que protegesse a minha filha.O antibiótico começou a fazer efeito, a Íris melhorava a olhos vistos, ganhava peso, era super ativa e reagia ao toque e à fala, principalmente ao meu.

Todos os dias chegava à beira dela e dizia “Bom dia vida, mais um dia para vencermos? A mãe ama-te muito meu amor” e ela, invariavelmente, sorria e apertava a minha mão, com aquela mãozinha dela perfeita.

A Íris foi aumentando a quantidade de leite materno que tomava pela sonda e eu de 3 em 3 horas tirava leite para ela. Conseguia sempre tirar cerca de 100ml, às vezes mais.

A 11/10, dia em que a minha vida fez um mês, já estava com 11 ml de leite, sem alimentação parentética, sem soro, só o leite da mãe e com mais de 800 gramas de peso. Nesse dia, chegamos lá eu e o pai, eu disse-lhe o bom dia dela, falamos com a médica que nos disse que a Íris estava a progredir muito bem, tinham feito análises, ecografia e raio x e tudo estava bem, incluindo o pulmão dela que sempre foi o calcanhar de Aquiles da minha menina. Estava a progredir favoravelmente,

Por volta das 13:00, a Íris, do nada, começou a fazer baixas saturações de oxigénio… as máquinas começaram a apitar, a médica chegou perto dela e mudou-a de posição para ver se ela melhorava, mudaram o tipo de ventilação mas nada fazia com que a saturação subisse, eu e o pai ali a olhar para ela, que continuava rosada e a mexer-se como se não se passasse nada… a médica pediu para mudarem o oxímetro, pois devia estar avariado porque os valores do monitor não correspondiam à cor nem à atividade da minha filha. A enfermeira mandou sair os pais todos e, mais uma vez, fiquei eu e o meu marido a pedir a Deus que protegesse a minha menina, que não permitisse que nada de mal lhe acontecesse, que não me tirasse o meu milagre.

Os minutos foram passando e ninguém nos vinha chamar nem dar notícias e, a cada pessoa que eu via a passar, o meu coração ia ficando mais apertado.

Às 14:10 tive uma crise de choro, a pior que tinha tido desde que a minha filha nasceu. Às 14:20, a diretora do serviço de neonatologia entrou na sala onde aguardávamos, fechou a porta e disse as piores palavras que qualquer mãe ou pai podem ouvir “a equipa fez de tudo mas a Íris não resistiu”

Eu beijei-a, abracei-a, cheirei-a, e disse-lhe o quanto a amava

O meu mundo desabou, não queria acreditar. Como podia ser, se ela estava tão bem? Se estava a progredir… tinham acabado de me dizer isso e agora não a tinham conseguido salvar? Nada fazia sentido. Pedi para ver a minha filha, a nossa filha e levaram-nos até ela. Ao caminhar pelo corredor, estupidamente, tinha a esperança que ia chegar lá e eles se tinham enganado, que não era a minha Íris… quando entrei na sala e vi a minha vida deitada dentro da incubadora, imóvel e todas as máquinas desligadas, o meu coração parou e caí de joelhos ali em frente, sem forças e sem vontade para continuar.

A minha vida estava ali, os meus sonhos estavam ali como é que de repente fico sem ela? O meu marido (a minha rocha, o meu porto de abrigo) tirou-a da incubadora para o colo dele e depois colocou-a no meu colo. Eu beijei-a, abracei-a, cheirei-a, e disse-lhe o quanto a amava, o orgulho que tinha nela e que ela era a bebé mais perfeita do mundo. Agora sem todos aqueles tubos e fios, eu e o pai pudemos ver claramente que ela era a cara do pai, mas tinha as minhas bochechas. Ficámos ali, junto dela o tempo que quisemos a abraçá-la e a dar-lhe beijos. As minhas irmãs e um dos meus irmãos puderam vir também para se despedir dela. Foi a primeira vez que a viram fisicamente, foi um golpe duro para eles, mas todos dizem que conseguiram assim ver a perfeição que era a minha filha.

A dor é gigante, avassaladora, mas o amor é invisível e está sempre connosco e a Íris é isso, é amor. Está sempre comigo a cada segundo do dia. Peço-lhe todos os dias para me ajudar a vencer aquele dia. Todos os dias continuo a acordar e a dizer: Bom dia vida, mais um dia para vencermos? A mãe ama-te muito, meu amor”

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No dia 5 de Outubro, é o 3° aniversário do Francisco, o nosso anjinho…

Nunca pensei dizer isto, mas com o passar do tempo, lembro-me mais dele e de tudo o que passei. Não sei se é normal, mas o chegar do dia deixa-me bastante triste.

Quando a 12 de Setembro fui fazer a 2ª ecografia morfológica fetal tudo mudou na minha vida. Saí de lá, com a sensação que a gravidez não iria durar muito.

A médica detetou um crescimento no bebé pouco desenvolvido para o tempo em que estava. Mas, para piorar a situação, tive uma pré-eclâmpsia, que me levou ao hospital algumas vezes.

Apesar dos avisos do médico, não aceitei ficar internada por ter uma filha pequena e o marido a trabalhar no estrangeiro. Chegou a uma altura em que não aguentei mais e tive mesmo de ser transferida para o hospital de Braga e, no dia a seguir, a cesariana foi feita por me encontrar bastante mal.

O Francisco sobreviveu dois dias. Não o vi, apenas os meus pais.

Ainda não me arrependi da decisão mas, de qualquer forma, estava bastante debilitada para o fazer, pois estive nos cuidados intermédios a recuperar.

Não é fácil passar por uma situação destas, porque temos de registar um filho que não está nos nossos braços, temos de o enterrar, como se já fizesse parte das nossas vidas há muito tempo e temos de lidar com as pessoas que nos rodeiam…Principalmente, temos de saber lidar com a nossa dor…Essa, que nunca irá passar…

Dedicado a ti, Francisco.

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No dia 1 de janeiro de 2022 tivemos os taão aguardados 2 risquinhos no teste de gravidez e a partir daí aconteceu magia todos os dias. Foi uma gravidez santa sem enjoos, sem cansaço, sem mau humor. Todos os dias eram uma benção, sentia-me feliz e mais bonita do que nunca. A barriga crescia todos os dias e fez-se notar desde muito cedo.

Depois de um domingo de Páscoa feliz, em família, onde completamos 20 semanas, seguiu-se uma noite com algumas contrações mas consegui adormecer de novo. 

De manhã estava a perder sangue e corremos para o hospital. Em menos de nada disseram que estava em trabalho de parto e que a prioridade era salvar a mãe.

Estupefactos e assustados com tudo o que estávamos a viver, parecia que aquela realidade não era a nossa. Mas foi.

Durante 10 dias ficámos internados com um diagnóstico de insuficiência istmo cervical, repouso absoluto da mãe, mas o filho nunca se mexeu tanto como até então. Sentia o nosso pequeno a toda a hora e cada vez que punham o doppler era rápido para ouvir aquele galopar cheio de vida daquele coração perfeito.

Todos os dias naquele hospital foram um desafio. Todos os dias me diziam que o diagnóstico era grave, que não havia nada a fazer e que ele acabaria por nascer e não seria possível salvá-lo antes das 24 semanas. Depois disso também seria difícil. 

Todos os dias o discurso dos médicos era desanimador e todos os dias me incentivavam a pôr de pé para acelerar o processo. Ora, com um filho perfeito no ventre e a senti-lo mexer e a reagir ao meu toque, como seria capaz de apressar o processo?

Não estava em negação. Sentia que, infelizmente, não o teria ao peito como sempre tinha imaginado e não o iria ver crescer saudável e feliz como tanto pedi. Daí a apressar o seu nascimento é muito diferente.

Apesar dos desafios todos os dias tive o apoio incansável do pai do meu filho, no meio da tempestade conseguimos mantermo-nos mais unidos que nunca e durante as 2h/3h da visita não haviam tristezas. Jogávamos às cartas, ríamos e comíamos tranquilamente. Ficávamos os três, em família.

No dia 28/04 acordei com contrações e na eco vimos que ele já estava encaixado para nascer. Passamos para o bloco de partos.

Passamos lá o dia, tranquilos, a jogar cartas e a conversar. Não queríamos que o último dia dele connosco fosse de tristeza. E não foi. Estávamos e estamos felizes e muito, muito gratos por termos tido o nosso anjinho connosco durante toda a gravidez. Ele tornou o nosso sonho realidade e fez de mim uma mulher empoderada durante todo aquele tempo. 

O amor que lhe temos é tão, tão grande e a felicidade que ele nos deu é tanta que nós não podemos ficar só tristes.

Ao final daquele dia 28/04, depois de um parto natural, conhecemos o nosso filho.

O nosso Duarte veio ao mundo com 28cm, às 22 semanas e era lindo, lindo! O nosso bebé era parecido connosco e todas as suas feições eram de uma perfeição como nunca tinha visto. Apesar das 22 semanas, o nosso valentão apertou os dedos aos papás, reagiu ao nosso toque e colocou-se numa posição que parecia estar em paz. E nós também ficamos. A mãozinha esquerda ficou amarrada ao cordão, talvez a forma dele mostrar que vai ficar sempre ligado a nós.

Depois deste encontro mágico de amor, seguiram-se hemorragias horríveis, anemia, novo internamento e um sangramento que durou 3 meses.

Tudo isto aconteceu na primeira metade de 2022. Ainda assim não consigo olhar para este ano de outra forma que não seja com amor e gratidão. Apesar de não termos o nosso Duartinho ao colo, ele está connosco em tudo o que fazemos. Vai ser sempre nosso e nós sempre dele. 

Quando falo sobre o meu filho só consigo sentir amor. Só consigo sentir alegria por ter tido oportunidade de o gerar e de o conhecer. Tirei-lhe uma fotografia e já fiz um álbum, já fiz uns cinco retratos com artistas diferentes.

A perda dói. Dói a saudade, dói não conseguirmos expressar e dar-lhe todo o amor que lhe temos, dói não o vermos crescer. Ainda assim é possível sentirmos amor na perda. O amor que lhe temos é tão, tão grande e a felicidade que ele nos deu é tanta que nós não podemos ficar só tristes.

Somos pais dele, seremos sempre. Ninguém nos tira tudo de bom que vivemos naqueles meses. Ninguém nos tira o encontro mágico que vivemos quando o vimos.

É assim que o quero recordar. Com alegria e amor. É tudo o que tenho e tudo o que lhe queria dar se cá estivesse.

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Vou falar-vos da Francisca, a luz da minha vida.
Eu e o pai decidimos que em Setembro de 2021 seria uma boa altura para começarmos a tentar engravidar. E foi, de facto, uma boa altura.
A 7 de Novembro veio a boa notícia: a Francisca já estava dentro de mim.

No dia seguinte fomos ao médico e fizemos ecografia que confirmou: lá estava um pequeno saquinho com 5 semanas.

Eu estava cheia de medo, insegurança, receio. Sempre a achar que na próxima ecografia nos diriam algo que não queríamos ouvir. Aquele medo de mãe.

Mas o tempo foi passando, e às 8 semanas ouvimos o coração daquele bebé tão desejado.

Às 12 semanas, a ecografia morfológica confirmou que estava tudo bem e a nossa bebé (ainda sem sabermos que era uma menina) seguia forte.

De três em três semanas lá íamos nós ao nosso médico e lá estava ela, a mexer-se muito. E o médico dizia isto a cada consulta: “Vai ser comprida como o pai”. O pai mede 1,93m.

Em Fevereiro de 2022, ao contrário do que eu previa, é-nos dito que vinha aí uma menina. Não tinha nome, só tínhamos nome para menino…

Até que o pai, um dia, olha para mim e diz “vai chamar se Francisca”. Fomos ver o significado e dizia “francesa livre”. E o pai é francês. Então sem dúvida ficou o nome decidido, Francisca.

O tempo foi passando, a barriga cresceu, a alegria e felicidade também. E aí comecei a crer que sim, que já não ia acontecer nada, que a nossa Francisca tinha vindo para ficar.

No fim de Maio, numa ecografia morfológica, dizem-nos que a Francisca era magrinha e comprida, que a mãe devia repousar mais.

Calhou bem, pois só nessa semana eu tinha acabado de preparar as roupas.

E eu cumpri. De 15 em 15 dias lá íamos nos ver da Francisca e ela engordava mas muito pouco.

Até que, três semanas antes do seu nascimento, comecei a senti-la cada vez menos. Supostamente estava tudo bem, diziam os médicos. Mas eu sentia que não.

Quando ma deram nos braços para me despedir, soltou o único som que lhe havíamos ouvido nos seus poucos 5 dias. Conheceu-me, eu sei que sim.

Entre idas à urgência e a certeza dada que tudo estava bem, entro em trabalho de parto que se revelou muito rápido, rápido demais.

A Francisca não aguentou as contrações porque afinal tinha uma restrição de crescimento grave.
Tudo nela era pequeno, a placenta, o cordão. Menos ela: media 53cm.

No trabalho de parto, entrou em sofrimento e ficou privada de oxigénio.
Por isso, nasceu de uma cesariana improvisada, no meio do caos.
Foi reanimada 5 vezes e internada no Hospital Pediátrico de forma a se conseguir controlar os danos. Mas os danos eram irreparáveis.

A RM confirmou: a Francisca não tinha atividade cerebral e só o ventilador a mantinha ligada a nós.

Então, num dia quente de domingo, cinco dias depois da nossa luz ter vindo ao mundo, decidimos desligar o suporte de vida.

Quando ma deram nos braços para me despedir, soltou o único som que lhe havíamos ouvido nos seus poucos 5 dias.
Conheceu-me, eu sei que sim.

Nove meses de amor não se esquecem assim.

E assim, nos braços do seu querido pai, a Francisca esteve sem ventilação uns breves 40 minutos (porque nós queríamos e tínhamos uma vida inteira) e adormeceu na morte.

Gravei o seu toque, o seu cheiro. Fecho os olhos e sinto a sua essência. Beijei-a muito, mexi-lhe nas bochechas. A nossa bonequinha era a coisa mais linda que alguma vez tínhamos conhecido.

Há coisas duras na vida. Mas decidir desligar o ventilador de uma filha recém-nascida não tem descrição.

E agora, 4 semanas depois, estamos a tentar sobreviver. Sem ela, a luz da nossa vida.

A esperança não morreu. A vontade também não. Eu hei-de continuar a ser mãe, o pai há-de continuar a ser pai. E a benção de um irmão para a Francisca há-de chegar.

O nosso foco irá mudar, se isso acontecer. Mas para onde olharmos, onde está um, poderiam estar dois, onde estão dois poderiam estar três. Porque a Francisca é eterna nos nossos corações. Fez de nós pais e se tiver irmãos, vai ser falada e dada a conhecer.

Esta história nunca será de alegria. Espero vir um dia dizer-vos que foi uma história de superação, de resiliência, de coragem. Mas se há coisa que esta história foi, foi de amor. Um amor imensurável, terno e doce como nunca antes havíamos experienciado.

Foi isso que tu vieste trazer ao nosso mundo Francisca: amor. Até um dia, minha bonequinha. É um soninho. Até já.

Quanto às mães e pais que também viram o seu bebé adormecer na morte: não estão sozinhos. Estamos juntos. Amanhã será um dia melhor. 

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“Meu amor pequenino,

No dia 3 de novembro de 2020, fomos pais pela primeira vez de um lindo bebé chamado Lourenço: tu!

Nada fazia prever que a tua passagem iria ser tão curta nesta vida. Nasceste e foste de imediato para a incubadora.

Vi-te, ao longe, com os olhos ainda enevoados da anestesia da cesariana. Conheci-te através de uma fotografia, tirada pelo pai, já com tubos na boca, nariz e umbigo. “É igual a ti”, disse o pai. E eras mesmo! Branco, loiro, careca e com os olhos rasgados.

O pai, carinhoso e preocupado, dizia-me para descansar que logo, logo, tu virias para o quarto ter connosco…mas não te traziam. Estavas muito doente, tão doente, e ninguém sabia porquê nem como te ajudar a melhorar.

Vi-te pessoalmente e senti a tua pele macia pela primeira vez, cerca de 14 horas depois de nasceres. Peguei-te ao colo no teu 3º dia de vida, depois de sabermos que a tua doença não teria solução.

Viveste durante os 17 dias mais especiais das nossas vidas, sempre “um dia de cada vez”. No dia em que partiste, vimos-te pela primeira vez sem tubos, sem artefactos, vestido com a tua roupinha, e estivemos os três, abraçados, durante quase três horas. Naquele dia 20 de novembro de 2020, prometemos que iríamos para sempre celebrar a tua vida. Foste um guerreiro e inspiraste-nos a todos a viver com amor, serenidade e gratidão.

Obrigada, querido Lourenço, por cada colinho, cada reação, pelas músicas que te pude cantar, pelas duas vezes que abriste os olhos para mim, por me mostrares que não estavas confortável, pela tranquilidade de cada abraço, pelos carimbos da tua mão e pés que guardo com carinho, pelo creme que te pude colocar, pelos beijinhos que te dei, às escondidas, por debaixo da máscara, pelos momentos de amor incondicional que tivemos os três. És uma inspiração, meu bebé, e prometo honrar a tua vida sempre, enquanto eu viver, porque vives em mim.

Hoje celebramos-te com todo o amor e gratidão pela tua vida! Em cada vela acesa, em cada intenção, cada abraço, cada oração. Obrigada por nos teres escolhidos para teus pais, por teres escolhido esta família e estes amigos tão especiais. Obrigada por cada pessoa que trouxeste até nós, nesta caminhada sem ti. 

1 ano de ti, 1 ano de amor, 1 ano de gratidão, 1 ano de saudade do que foi e do que poderia ter sido! Amo-te para além da lua, “coisa mais bonita que Deus fez”! 

Lourenço pelos olhos da tia
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A minha Maria

Dei à luz no dia 16/6 as 8h58, com 1,640 e 47 cm, uma menina verdadeiramente lindíssima!! 🥰

A nossa menina nasceu muito antes do tempo, prematura (31 semanas), mas quis o Destino que a sua vida fosse curta mas cheia de amor e carinho nosso.

Nasceu a precisar de ajuda para respirar e derivado a uma evolução de estado muito grave, surgiram muitas complicações a nível cerebral tendo futuramente, se sobrevivesse, ficado com muitas sequelas.

Como estava somente ligada à Vida pelo suporte básico de vida, em conjunto equipa médica e nós pais, decidirmos o que viria a ser uma das maiores decisões da vida de um Pai e de uma Mãe…

Com todo o carinho, todo o amor, a nossa menina foi respirando sem a ajuda e deu o último suspiro, no colinho da mãe dia 19, pelas 18h07…

Durante todo este dia fizemos tudo o que podíamos fazer com um filho, cuidámos, tratámos da sua higiene, demos muitos carinhos, beijinhos, cantámos, embalamo-la,contamos histórias e ela sempre em paz…

Será lembrada com muito carinho e sobretudo muita luz. O último suspiro vai ser lembrado como sendo nos meus braços, mas porque foi, com a maior intimidade, conforto e amor que uma mãe pode dar.
A nossa história sempre foi e será de Amor e sempre será de um Amor Infinito visto por um Olhar de Esperança, que não vivido na sua Plenitude, foi vivido com muita Fé, Carinho e Amor mútuos.

Nunca percam a Esperança e a Fé. Sabemos que os dias vão ficar menos luminosos, a dor é grande e os sentimentos de um luto, mas como sempre, um dia de cada vez.

Os nossos Bebés-Anjo não se medem aos palmos, mas na Grandiosidade do coração e do Amor que nos envolve. São feitos de uma Imensa Luz, quanta o tamanho do Céu, e essa é a Luz que continuará a brilhar nos corações dos Papás-Anjo.

As Mamãs e os Papás-Anjo não estão sozinhos, “Estamos juntos” ❤

Filipa

@filipa_silva_lopes

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Em maio de 2020, tivemos a melhor notícia que podíamos ter tido e que esperávamos há 2 anos, estava grávida do nosso primeiro filho! Foi um choque porque parte de mim já não acreditava que seria possível, mas foi o choque mais bonito da minha vida. Sempre quisemos ter um menino, e logo na primeira ecografia pude dar essa notícia ao meu marido, que por causa da pandemia esperava ansiosamente no carro, foi uma alegria!!

Foram nove meses de magia, apesar de não podermos partilhar como gostaríamos por causa da pandemia, mas ver a minha barriga a crescer foi lindo, começar a sentir o nosso menino dentro de mim foi e será sempre das melhores sensações do mundo. Decidimos que o nosso menino se iria chamar Rafael.

Foi uma gravidez saudável, todas as análises e ecografias dentro dos valores normais e o Rafael a crescer cheio de saúde. Em nenhum momento da gravidez me senti nervosa,  como muitas meninas partilhavam comigo, estive sempre tranquila e a espera do meu bebé.

Às 38 semanas e meia, mais precisamente na noite de dia 13 de janeiro de 2021, tinha consulta no dia seguinte, sinto que estava a perder líquido…tinha uma rutura pequena na bolsa. Estive sempre calma e a ser acompanhada pelo meu médico que me transmitiu sempre tranquilidade, tinha que esperar o início do trabalho de parto. O bebé estava bem, estava tudo bem.


Fizemos o teste do covid no dia seguinte de manhã,  e assim que o resultado veio, negativo, fomos para a maternidade.

Uma equipa espetacular! Estávamos quase a conhecer o nosso Rafael.
Estive sempre bem, até que, tendo em conta as horas que já tinham passado, decidimos iniciar medicação para provocar as contrações. Na noite de 14 para 15 as contrações começaram em grande, são realmente dores muito fortes e, por já não aguentar e ter que descansar decidi levar a primeira dose de epidural. Conseguimos dormir, o Rafael sempre bem (sempre ligada ao CTG). 

No dia 15 de manhã comecei a fazer dilatação de uma forma rápida e às 14h já tinha os 10cm, já estava a iniciar a fase de expulsão, muitas dores, insuportáveis, pedi mais uma dose de epidural e fomos para o bloco de partos.

Com a ajuda do médico porque não sentia as contrações, começámos a fazer força. Ele dizia que eu estava a portar me bem, eu estava a fazer toda a força que podia, queria ver o meu bebé o quanto antes. Comecei a ficar muito cansada, e o médico aconselhou a usar ventosas para me ajudar, e assim foi.

Comecei a sentir que a força que eu fazia era inútil e que a ventosa não estava a resultar, nunca mais via o meu bebé..! Ate que 40m depois senti um alívio enorme, uma sensação inexplicável, o Rafael tinha nascido. Senti uma coisa quente com um cheiro maravilhoso, meio doce em cima da minha barriga, eu tinha os olhos fechados, abri, era ele em cima da minha barriga.

Imediatamente percebi que algo não estava bem, as enfermeiras tiraram-no e começaram a limpá-lo, não percebi o que faziam porque elas estavam todas à volta dele. Estava cansada, mas ao mesmo tempo queria que fizessem no contacto pele a pele e nunca mais, foram segundos, mas algo se passava.

Elas encostaram  a cabecinha do meu menino a mim e disseram “mãe da um beijinho ao Rafael para nós podermos tratar dele,  o pai pode vir connosco”.

O meu marido deu-me um beijo e foi, eu comecei a chorar porque não estava a perceber o que estava a acontecer. 

O médico aguardou que a placenta saísse, ajudou um pouco, deu-me poucos pontos, tinha feito uma laceração de 1° grau, fui para o quarto na maca mas, no caminho, a enfermeira perguntou se eu queria ver o meu menino. Eu disse que sim!

Passei por uma incubadora e lá estava ele, quietinho com muito cabelo preto, e o meu marido ao lado.

Estamos juntos a tentar viver com o que aconteceu, aos poucos vamos conseguir.

Fui para o quarto e passado duas horas deixaram-me ir vê-lo, fui pelo meu pé.

Quando cheguei lá o meu coração estava do tamanho de um grão de areia, apertado. E ainda ficou mais, o Rafael estava com os olhos semi abertos, a emitir som como que se estivesse a gemer, a sofrer. Pus os braços dentro da incubadora e toquei-lhe nos bracinhos, nas bochechas…era pouco, eu queria mais, e aquele som eram facadas no meu peito.

A enfermeira e a médica disseram que ele estava com os sinais vitais bem, e que teríamos que aguardar para ver o que ia acontecer, já tinham mudado a fralda o que era bom, tinha feito as necessidades e isso era bom sinal. Mas a mim não me tiravam da ideia que estava tudo mal…

Fomos para o quarto, eu e o meu marido. Estava de rastos, sentia que o meu mundo tinha desabado.

O meu marido foi lá vê-lo mais vezes enquanto eu tentava descansar. Eu queria ir, mas ao mesmo tempo custava-me tanto vê-lo assim que não tinha coragem.

A médica veio ao quarto explicar o que tinha acontecido, tinha havido uma hemorragia cerebral e as próximas horas eram importantes para perceber quais as sequelas.

Eu estava completamente vazia e sem reação, o meu marido estava confiante, dizia me que ele já não gemia, que já se mexia como um bebé normal. 

Inevitavelmente, criei uma esperança de que ele tivesse razão. 
As 3h da manhã a médica foi lá ao quarto pedir que o pai fosse ver o Rafael, eu acho que meu coração parou naquele momento. A hemorragia não parava…

Quando o meu marido veio eu percebi que algo estava muito mal, fui vê-lo, estava novamente quietinho, com os olhos fechados. Não consegui tocar-lhe, não fui capaz, fiquei lá pouco mais de 5m, não consegui estar ali sem poder dar colo, dar beijos e amor ao meu menino. É certo que não pedi para o fazer, não tinha palavras, não conseguia pensar, nada.

Fomos para o quarto, e eu deitei-me. E fiquei à espera que alguém entrasse no quarto a qualquer altura…

As 6h da manhã entrou a médica e deu-nos a pior notícia do mundo, a que ninguém merece, a que dói mais, aquela que não é suposto. O nosso bebé tinha partido. 
Foram minutos, horas, dias de uma dor inexplicável. Tudo parou.. Uma das vezes que saímos do quarto para eu ir fumar, as auxiliares tiraram o berço do quarto. Estava lá o ovo, a mala..

Sair da maternidade sem o nosso bebé é horrível.

Já passou quase um mês e meio. Dói muito, custa muito! Estamos juntos a tentar viver com o que aconteceu, aos poucos vamos conseguir. Nunca vai deixar de doer, nunca me vou esquecer. Mas tenho esperança que um dia consiga lembrar-me do meu menino com um sorriso.