(15-12-2023) Olá. Sou a Mariana, tenho 29 anos e sonho ser mãe desde que me lembro gente.
Sempre sonhei ser mãe. Sempre. Tenho memórias, do alto dos meus 5 anos, de ter sempre todas as bonecas grávidas, preenchia-lhes a barriga com pedacinhos de papel. Ou eu própria, punha uma almofada debaixo da camisola. Dava biberão, mudava fraldas, dava banho, embalava, punha a dormir, eles “choravam”, lá ia eu …
Cresci. Tinha 23 anos quando engravidei pela primeira vez. Não era o plano na altura, tinha ido morar sozinha, começado a trabalhar e engravidei. Fiquei em êxtase! Estava grávida! Mesmo a morrer de medo, a morrer de tudo, transbordava, transpirava alegria. Mas foi sol de pouca dura. Mais tarde venho a descobrir que havia 99.9% de chance de vir a ser uma pessoa (o bebé) muito doente, e tive de tomar a decisão que, até hoje, foi a pior da minha vida, travar aquela gravidez e assinar por isso. Não basta tudo, ainda temos de assinar um papelinho, “assine na linha abaixo, pf”.
Morri por dentro. Senti-me morta muito tempo, mesmo muito.
Até que conheço o meu marido. Depois de andar um ano a deambular existência (a minha), conheci-o. E foi por esta história que começamos. Ele ajudou-me, ajudou-me imenso a aceitar aquele aborto. Um ano depois, ainda chorava nos braços dele como se tivesse sido ontem. Passaram meses, muitos meses, até que fosse capaz de voltar a sorrir com a alma e coração, mas consegui! Consegui e conseguimos.
Ironia do destino, ou não, mal sabíamos o que nos esperava.
Decidimos então abrir portas a tentar o nosso próprio bebé. E conseguimos! Uns meses mais tarde, estava grávida. O que eu saltei de alegria! Mas durou pouco. Às 6 semanas comecei a sangrar, urgências, anembrionária. Não podia ser possível… Como era possível?! Era. Mais uns meses de profunda escuridão.
Quase um ano depois, continuava sem engravidar. Fomos a uma clínica, N exames, diagnóstico: endometriose!
Mas como podia ser possível?! De repente, parecia um ataque direto, uma guerra aberta ao maior, quase único, sonho da minha vida: ser mãe.
Avançamos para FIV. Transferimos 2 embriões. Ambos nidaram, estávamos grávidos! Vinham 2 bebés! Não… Não vieram. Nem 2 nem 1 nem nenhum. Aborto espontâneo, estava de poucas semanas.
Aqui, honestamente, quase acreditei em bruxaria, não era normal. Não podia ser normal, de certeza que tinha sido escolhida por Deus.
Em baixo, mesmo muito em baixo, vivia o mês dos meus anos e o período não vinha. De certeza que era do aborto dos gémeos. Era normal atrasar. Nunca tinha abortado de 2 por isso, de certeza que era normal um atraso de duas semanas. Não. Estava grávida!
Engravidei logo no mês da perda dos gémeos. Naturalmente. Depois da punção, da transferência, depois de tudo, ali vinha ela! A nossa menina, a Mel!
Medo. Os sentimentos dominantes eram medo e angústia. Sempre angustiada. Sempre. Não tive um único dia de paz. Sentia e achava sempre que ia acabar mal. E o tempo foi passando… 8 semanas, 10 semanas, 12 semanas, é uma menina, 14 semanas, 16 semanas… “Há qualquer coisa no coração dela, mãe”. Hum?! O que é “qualquer coisa”?
Entramos numa pescadinha de rabo na boca. Hospital, ecografias, médicos, vários, diferentes, hospital, ecografias, fomos de férias! Ou íamos morrer de nervos e ansiedade e de tudo, precisávamos de desanuviar. Fomos. E foram as piores férias das nossas vidas.
Senti-me mal, mas mal, mal ao ponto que ainda hoje tenho dificuldade em explicar. Deixei de comer, beber, dormir, ter forças nas pernas, senti que tinha morrido por dentro, literalmente. Senti. Eu sabia. Eu sabia… Hospital. Ecografia. Sozinha, porque estávamos em pandemia. Silêncio. 3 minutos de ecografo na barriga, eu olhava fixamente para o teto enquanto sentia a angústia da médica no ar, a quantidade de vezes que ela olhou para mim, em busca do meu eye contact, mas eu não queria! Porque sabia… Sabia-o. E perguntei (mantendo os olhos no teto) “então doutora? Tudo bem?”. Ela: não… Não Mariana… O coração da sua bebé parou. Não me mexi. Levei as mãos ao peito e senti alívio! Respirei o último fôlego de alívio, antes de cair na depressão profunda, mas o primeiro desde os últimos 6 meses. A minha filha estava livre. Livre do sofrimento em que tinha entrado. Estava em paz, sem vida, dentro de mim, mas em paz. Minha filha, minha bebé. E foi a vez do meu coração parar.
Deprimi. Deprimi, mas não parei. 3 meses depois fui operada a uma endometriose, “das piores já vistas” pela minha médica. Perdi intestino, outras partes de órgãos, mais de duas dezenas de focos, foi de tal ordem que poderia perder a capacidade de engravidar naturalmente e perdi.
(18-4-2024) Mais processos de PMA, FIV, punção, transferências. Mais perdas! Mais falhanços. Até Julho de 2023. Último embrião, probabilidade quase nula. Foi por descargo de consciência e voilá, positivo! Mas sem festejos. Sem nada. Quase toda a gravidez sem acreditar. Cheia de medo, muitos sustos, muita medicação, muito hospital, médicos e N opiniões. Foram 38 semanas e 3 dias. 38 semanas e 3 dias do amor mais profundo, do mais bonito, do mais intenso, do que carrega baterias de forma ímpar, do melhor do mundo, o meu filho, o Afonso. Meu perfeito, amado e desejado filho. Chegou dia 3 de abril e com ele veio a paz e o acalmar do coração que mais precisava: sou mãe, do ser mais belo do universo.
Esta comunidade, Amor para além da Lua, deu-me luz, deu-me esperança, deu-me o que mais nada deu pelas corajosas partilhas de outras mães. Hoje, espero que seja o meu testemunho a dar luz a alguém.
Com todo o amor para além da lua, a ti, filha. Com todo o amor do mundo, a ti, filho.
O mês dele! Agosto (em particular o dia 24 de Agosto) será – para nós – sempre o mês do nosso bebé, do nosso Afonso! E para nós será sempre altura de o festejar. E por isso, hoje – dia 24 – comemoramos um ano dele nas nossas vidas!
Nunca pensei um dia escrever sobre isto, mas a vida – sem aviso, sem dó, nem piedade! – aqui nos trouxe e agora cá estamos, a contar o tempo, a falar da vida, sem o nosso menino, o nosso Afonso.
O Afonso foi o nosso melhor e maior plano! Eu e o pai temos já uma história longa juntos, são quase 17 anos (4 de casados). Ter filhos estava nos planos. E assim, quando decidimos dar esse passo, quisemos fazer tudo certinho. Depois das consultas pré-concepcionais, estivemos mais de um ano à espera dele, do nosso Rei. E em Abril de 2022, ele chegou!
Naquele dia 2 de Abril, subi ao céu. Estava radiante e ao mesmo tempo incrédula. Parte de mim não acreditava que aquilo estava mesmo a acontecer. Tanto assim era que fiz um segundo teste e, uns dias mais tarde, um terceiro. Todos confirmaram. Era verdade! O nosso bebé tinha finalmente chegado às nossas vidas. O mundo passou a ser dele naquele instante. Tudo o que fazíamos era pensar em garantir que ele estava bem.
Estávamos tão felizes! Cautelosos com tudo, mas felizes. Vivemos os meses seguintes num mundo só nosso, dos três! Não contamos a ninguém, durante 12 longas semanas. E ao mesmo tempo que vivíamos um segredo maravilhoso, parecia que íamos explodir com a vontade de gritar aos sete ventos que o Afonso estava a caminho.
Durante 12 semanas, fizemos tudo. Os exames que eram supostos fazer. As ecografias previstas. Tudo!
Estava tudo certo. Confirmava-se aquilo que eu sempre soube. Ia ser mãe de um menino!
Nessas 12 semanas, ali por volta da 7ª ou 8ª semana, tivemos um pequeno (grande!) susto. Durante o dia, tive uma ligeira perda de sangue. Não sentia qualquer dor ou desconforto, mas a prudência levou-nos até à urgência de um hospital (privado). Ali contactei com o único profissional de saúde que me causou mal-estar e desalento.
Naquela que foi a 1ª ecografia onde vimos o nosso bebé e ouvimos o coração bater, aquela que devia ter sido um mar de felicidade, sentimos medo. O médico, ao observar, limitou-se a dizer de forma muito fria:
– “Pois, é uma ameaça de aborto!”.
E à pergunta se devia ter algum cuidado adicional, respondeu apenas:
– “Não. Vá para casa, se piorar vá para a urgência, está a abortar”.
Tudo o que não queríamos ouvir. Sei que ele não estará a ler isto, mas para qualquer médico/a que o possa estar a fazer, sejam mais cuidadosos na forma como comunicam com os vossos pacientes. Não são amigos nem familiares, mas nestes momentos são a voz e a mão que pode amparar o desespero!
Na semana seguinte ao episódio da urgência, felizmente, em consulta com a minha médica ginecologista, confirmava-se que estava tudo bem. Tudo dentro do expectável para a idade gestacional. Recuperamos alguma paz. Aqui veio a marcação da primeira eco morfológica e, com ela, também a do rastreio bioquímico (afinal eu tinha mais de 35 anos – 36 acabados de fazer – e nesta altura os procedimentos quase que nos fazem crer tratar-se de uma gravidez geriátrica). Rastreio esse que nos levou a realizar um teste pré-natal não invasivo para pesquisa de aneuploidias.
2022 foi um ano de muitos casamentos e festas. Em Maio, tivemos o primeiro de 6 casamentos. Era a primeira vez que a família do meu marido se juntava depois do período conturbado da pandemia. O que mais ouvimos nessa altura: “Então prognósticos? Quando temos mais um bebé na família?”. Íamos respondendo em jeito de brincadeira, cúmplices, sabendo do segredo que era só nosso.
Nessa altura decidimos contar aos nossos pais e irmãos. A alegria deles foi tão grande! E passaram a fazer parte do nosso segredo, queríamos esperar pelos resultados do teste pré-natal para ter a certeza que estava tudo bem. Sei que ficaram ainda mais impacientes do que nós na expectativa de contar sobre o Afonso, mas lá se aguentaram!
Ao fim de três longas semanas, chegou o resultado tão esperado: tudo bem! Tudo certo!
Lembro-me de ligar ao pai a chorar, num pranto, e dizer entre soluços que estava tudo bem. Ele ficou tão preocupado e, sem perceber ao certo o que se estava a passar (desculpa meu amor!), que me pediu para lhe enviar o resultado. Assim fiz! A preocupação era uma e apenas uma: certificar-me que estava tudo bem com o meu bebé. Ao ponto de nem sequer ter visto que era um menino. Foi ele, o pai, que me ligou e disse: “Viste que vamos ter um menino?!”
Estava tudo certo. Confirmava-se aquilo que eu sempre soube. Ia ser mãe de um menino!
A partir daqui o nosso segredo passou a ser de todos. E que bom que foi! Família e amigos partilharam a felicidade da existência do Afonso connosco. E sei que ele foi amado, muito amado por todos!
O nome… bem, apesar de termos andado ali às voltas, acho que sempre soubemos que nome lhe íamos dar: Afonso Manuel. Dois nomes de Reis (sendo que Manuel é também o nome dos dois avôs), porque ele era o nosso rei, foi desde o primeiro momento.
A partir daqui tudo estava calmo. Ele começou a mexer e começamos a ter momentos ainda mais incríveis com ele. Mexia muito e eu adorava que assim fosse. Era sinal que estava bem, que comunicava comigo da forma que nos era possível. Foram tão boas estas semanas.
Até que chegamos ao dia 23 de Agosto. Acordei de madrugada… e percebi que a insónia não me ia deixar dormir mais. A certa altura senti algo quente. Saltei da cama com medo que fosse sangue. Não era! Ao fim de algum tempo, percebi! Estava a perder líquido amniótico. Não demoramos sequer 10 minutos a sair de casa e voamos até à Maternidade Bissaya Barreto, em Coimbra.
Dei entrada na maternidade, no dia em que completava 25 semanas de gravidez… E tudo mudou! A partir daqui o tempo passou ainda mais rápido, quando tudo o que eu queria era que passasse em câmara lenta.
O Afonso ia nascer!
Estava com uma ruptura prematura das membranas. Fui internada de imediato e foi iniciado o protocolo, numa tentativa de evitar o trabalho de parto. No internamento, fui observada, mais uma série de exames e análises, que mais tarde confirmavam uma infecção urinária assintomática (que se tornou o meu pior pesadelo, tenho pavor de infecções urinárias neste momento!).
Numa dessas observações, o médico ‘despejou-me’ todos os factos em cima. Colocou-me ali todas as cartas em cima da mesa. A expressão que mais me ficou gravada daquela conversa:
– “Se a natureza decidir agir, não podemos fazer nada para impedir”.
Por outras palavras, se entrasse em trabalho de parto, o Afonso ia nascer. Fiquei em choque, pânico… nem sei bem! Sabia que o cenário não era o ideal. Estava longe disso! O meu menino, o meu Afonso, tão pequenino, podia nascer a qualquer momento.
E assim foi. No dia 23 à noite comecei a sentir contrações, que se foram intensificando a cada hora que passava. No dia 24 de manhã, o enfermeiro de serviço explicou-me que iam antecipar o meu antibiótico, porque mal terminasse o protocolo de ruptura as minhas contrações iriam disparar… Assim foi! Por volta das 16h/16h30 levaram-me para o bloco de partos. Não havia dúvidas. O Afonso ia nascer!
Senti tanto medo. Sabia que era muito arriscado. Sabia que era muito pequenino, sabia dos riscos, sabia… naquele momento acho que desejei não saber, talvez a inocência e o desconhecimento fossem uma bênção…
A certa altura perguntei a uma das enfermeiras se esse podia fazer contacto pele a pele quando ele nascesse. O olhar dela ficou gravado na minha memória. Senti-lhe toda a empatia através do olhar. Disse-me que não podia ser, que ele ia nascer muito pequenino e que teriam que cuidar dele. Respondi-lhe que sabia, mas tinha de perguntar. Em resposta, colocou-me a mão carinhosamente no ombro e disse apenas: “eu sei!”. Sei que entendeu a minha dor e apesar de não lhe saber o nome, sei que lhe conheceria o olhar na hora. E estou-lhe grata pelo cuidado que teve. Na verdade, a ela e a todos os profissionais com quem nos cruzamos naqueles dias, pelo cuidado e humanidade que demonstraram sempre.
O Afonso nasceu! Segundo o relatório médico às 20h28, mas o pai gosta de ser mais preciso e diz que a hora certa foi às 20h17, porque fez questão de tirar foto mal ele nasceu.
O Afonso chorou! Foi o melhor som que ouvi até hoje. Um choro frágil, mas que me deu toda a esperança do mundo. Ele estava ali, em toda a fragilidade das suas 25 semanas mais um dia, mas chorou, como que a mostrar toda a sua força. O meu bebé, era tão pequenino, mas já era o meu herói.
As horas que se seguiram foram longas. Fiquei ali no bloco, sem saber do meu menino (percebi depois que fiquei ali porque a equipa da maternidade estava a tentar encontrar um quarto mais reservado, onde eu ficasse protegida do choro de outros bebés, esse cuidado e humanidade que demonstraram não vou esquecer, se pudesse agradecia-lhes individualmente).
Nunca senti tanto medo como neste momento. Eu não sabia dele, do meu Afonso. E só precisava de saber dele. A certa altura o pai pode ir vê-lo e fez uma videochamada. Foi a primeira vez que o vi.
Depois disto, só no dia 25 o pude ver e tocar-lhe. Muito irracionalmente tive medo de lhe tocar. Sentia-me culpada, afinal o meu corpo tinha falhado e era por isso que ele estava ali, quando ainda devia estar na minha barriga. Uma parte de mim, achava que se lhe tocasse ia deixa-lo doente, fazer-lhe mal. Mas a equipa médica e as enfermeiras asseguram-me que não e tocar-lhe foi o melhor dos sentimentos.
Quando lhe toquei, ele como que se aninhou na minha mão, naquilo que me pareceu ser ele a reconhecer-me e foi tão bom! O dia 25 de Agosto foi o nosso dia. Conseguimos estar ali os três, o Afonso, eu e o pai. A nossa família. O pai costuma dizer que este foi um dia bom.
Um de 3 dias! Sendo que antecedia aquele que será sempre o pior dia das nossas vidas. O dia 26. O dia em que tudo desabou. Dizem que coração de mãe sente quando algo está errado. E eu senti quando entrei na UCIN naquele dia e vi a enfermeira que esteve connosco no dia anterior a olhar e dizer com ar apreensivo:
– “Está ali a mãe do Afonso!”
Esta frase teve muito impacto, pelo medo que me fez sentir, mas – hoje à distância de alguns meses – de orgulho. Ali eu fui a MÃE do Afonso. A melhor das identidades.
A partir daqui, foi como se estivesse num filme de terror ou numa experiência paranormal, em que assistia a tudo fora do meu corpo. Mandaram-me aguardar e a médica veio falar comigo para explicar a gravidade da situação. Pedi para deixarem subir o pai (ainda não era hora das visitas). Também aqui devo um agradecimento à enfermeira que me deu um abraço no momento em que me sentia a quebrar e ficou ali comigo até o Edgar chegar.
Depois fomos os dois para a UCIN e quebramos. Sabíamos que nos íamos despedir dele. Disseram-nos que podíamos pegar nele. Mais uma vez a irracionalidade tomou conta de mim e dizia-me que talvez fosse melhor deixa-lo na incubadora, enquanto estivesse lá estava protegido. Mas não era assim. E antes que fosse tarde demais, peguei nele ao colo.
Nesta que foi a primeira e última vez que lhe peguei, dei-lhe todos os beijos que consegui. Medi-lhe e memorizei-lhe todos os centímetros. Senti-lhe a pele, o cabelinho (tinha muito!) e o cheiro doce e único. A memória táctil será sempre a melhor lembrança, porque o sinto gravado na minha pele.
Ficamos ali os três, bem juntinhos. Quebrados, mas juntinhos. Ficamos ali, não sei bem quanto tempo. Não importa também. Foi pouco tempo. Muito pouco!
A certa altura, perguntaram-nos se o queríamos baptizar. Até nisto, aqueles profissionais foram cuidadosos. Uma enfermeira baptizou o Afonso, num momento que foi só nosso. Mais um.
E de repente, uma voz suave:
– “Ele já partiu!”
Foi o pior momento da minha vida. Será sempre. Senti que morri ali. Fiquei quebrada, em milhões de peças, tão pequeninas que seria impossível voltar a juntar. Queria ter sido eu. Era o que fazia sentido. Não podia ser o Afonso a partir. Não devia. Que mundo é este? Que vida é esta que me leva o meu bebé?
Ficamos ali mais algum tempo, não sei quanto tempo mais. Não me interessa. Continua a ser muito pouco.
O mundo parecia ter acabado ali, mas foi pior do que isso. Porque o mundo estava ali e obrigou-nos a olhar para ele, agora desprovido de tudo.
Senti-me culpada. Muito. Na verdade, a culpa consumiu-me. A única coisa que conseguia pensar era que o meu corpo falhou. Eu falhei ao meu bebé porque não consegui protegê-lo. Por muito que me dissessem o contrário, a culpa esteve lá, desde o parto. Não devia ter sido assim e eu sentia (e por vezes ainda sinto) que a culpa foi minha.
Esperávamos ansiosos a chegada dele, que seria em Dezembro. Seria o melhor presente de Natal. Ao invés tivemos um Natal vazio, desprovido de toda e qualquer magia. Nunca o Natal me doeu tanto… eu que adoro a época. Não conseguia perceber a felicidade das pessoas que nos rodeavam, era errado. Como podiam estar felizes se faltava o Afonso. Porque o mundo é assim, avança sem pensar nas mágoas dos pais de colo vazio.
Aliás, a prova disso são as muitas frases feitas que todos se apressam a dizer. Ouvimos todas, como o bom cliché que são. De todas, ainda hoje a que mais me perturba é que “a vida continua”.
Sim, nós sabemos. Soubemos logo ali, quando imediatamente depois de perdemos o Afonso, de nos despedirmos dele, tivemos que tratar de todas as burocracias; quando o pai teve que sair para ir tratar do registo de nascimento e da certidão de óbito, tudo em simultâneo; quando saímos da maternidade apenas agarrados um ao outro, de colo vazio; quando entramos em casa sozinhos e a casa parecia vazia, desconhecida, afinal já não se iam viver as primeiras vezes do nosso Afonso, o quarto já não ia ganhar forma (ainda hoje está fechado, apesar de lá irmos os dois com frequência), nada!
Soubemos desde o primeiro momento que a vida continua, mas para nós continuou com um buraco, uma falta enorme, uma saudade de tudo o que devia ter sido e não foi.
Sim mundo, a vida continua, mas não precisamos que nos digam isso repetidamente, para nos obrigar a “ficar bem”, para vosso conforto. É disso que se trata afinal. É isso que se exige aos pais enlutados: que fiquem bem, por ser mais confortável para a maioria.
Não ficamos bem. Apenas aprendemos a gerir o luto. O “bem” passa a ser feito, em muitas ocasiões, a custo de lágrimas escondidas e muitos sorrisos forçados.
Mas nós tivemos sorte. Temos ao nosso redor, no nosso núcleo mais próximo, as melhores pessoas. Pessoas que nos deram colo (ainda dão!), que estiveram connosco desde o primeiro momento da forma que lhes foi possível, que nos permitem falar do Afonso, que dizem o nome dele sempre que podem e dessa forma nos ajudam a dar-lhe existência, a mantê-lo vivo…
Pessoas tão incríveis que continuam a dar-nos a mão a cada partida que a vida nos prega. Sim, este ano (em Maio, 2023) a vida voltou a puxar-nos o tapete, a cravar-nos a faca no coração ainda partido. Sofremos uma perda gestacional precoce, às 6 semanas de gravidez. Ainda não tinha nome, não sabíamos ser era menino ou menina, era apenas a Sementinha. Foi mais uma fonte de esperança, seguida de mais um golpe. Ainda temos o coração a sangrar. Mas, mais uma vez, não nos faltaram os de sempre.
A todos eles (não me atrevo a nomeá-los individualmente para não correr risco de esquecer alguém, seria demasiado injusto): somos tão, mas tão gratos por vocês!
Perdi a inocência da gravidez. Sei que uma nova gestação será acompanhada de medos e muita ansiedade. Curiosamente, ouvi já várias vezes que não posso ter medo. Engraçadas as assumpções e exigências de quem nunca passou por nada semelhante.
Sim, temos direito a ter medo. Sabemos bem o pior que pode acontecer. O medo faz parte. Se isto nos faz desistir do desejo de ter um bebé connosco?! Não.
Mas, passado um ano, é isto que quero focar. O Afonso (e agora a Sementinha) foi e será sempre sinónimo de amor. Foi isto que mais nos trouxe: amor!
É a manifestação do amor que me une ao pai, ele que é e foi desde o primeiro momento o meu porto seguro, a mão e o abraço – que na nossa pior dor – me manteve à tona, que não me deixou afundar. Dizem que um filho é a multiplicação do amor e mesmo na partida foi isto que ficou.
É o amor de todos (amigos e família).
É o amor de todos que o celebram todos os meses connosco. Aqui tenho um agradecimento especial a ela, a amiga que se tornou família do coração – ela sabe quem é! – que me envia aquela mensagem, simples, mas tão poderosa, todos os meses. Obrigada por me ajudares nesta missão de manter o Afonso bem presente!
Um ano dele nas nossas vidas. Foi assim que optei por ver tudo. Sim, a dor de o perder é imensa, será sempre, para toda a vida. Mas o amor por ele será sempre maior. Porque aquele mês de Agosto de 2022 trouxe-o até nós. E mesmo não estando aqui connosco, está sempre presente nas nossas vidas, muito vivo em nós.
Dói saber que vou perder todas as primeiras vezes dele e que nunca lhe vou conhecer a cor dos olhos… dói. Dói todos os dias. Ainda que para mim, ele tenha os olhos do pai, aquele castanho esverdeado azeitona que tanto adoro. Sempre disse que ele seria parecido com ele, numa simbiose perfeita das nossas melhores características e traços (físicos e de personalidade).
A dor está lá, vai estar sempre. O luto nunca vai terminar (lamento – na verdade não! – pelos que esperavam por esse final).
Esta foi para mim a verdade que – depois de a aceitar – me permitiu gerir todo este emaranhado de emoções que é a perda de um filho. Aceitei que o tempo não cura, que nada passa (esta foi a maior mentira que me contaram). Mas também não quero que passe. Porque o Afonso será sempre parte da nossa família e das nossas vidas. É assim que queremos que seja, é assim que deve ser.
Vou sempre celebrar o dia 24 de Agosto. É o dia dele, o dia que o trouxe ao mundo, que me permitiu ouvir aquele choro que me deu toda a esperança; aquele choro frágil, mas que foi sinal de toda a força.
Foi o dia 24 de Agosto que me permitiu tocar-lhe, sentir-lhe a pele sedosa, o cabelinho e o cheirinho doce (diferente de tudo, só dele, inigualável).
Vou sempre falar dele com um sorriso e mesmo quando as lágrimas teimarem em cair, serão sinónimo de amor, da saudade alimentada por esse amor que transcende tudo.
Vou sempre falar dele ao mundo, a todas as pessoas que me permitam fazê-lo, porque essa é a forma que tenho de lhe dar a existência que é só dele. E um dia espero contar a história dele a um irmão ou irmã (ou vários, a vida o saberá!) e sei que mais alguém o vai amar (mesmo sem o ter conhecido).
Quis partilhar a história dele numa altura em que fosse capaz de olhar para tudo de um lugar de amor, que se sobrepõe a toda e qualquer dor. Porque a dor quando se sobrepõe a tudo, sufoca, impede-nos de ver o que de bonito todos os capítulos da vida têm. E este, ainda que não tenha sido como devia, teve o que de mais bonito alguma vez podíamos ter tido ou feito: o Afonso. O nosso anjo, o nosso eterno bebé, lindo e perfeito como só ele podia ser!
E porque nestes 12 meses, foi o amor que o Afonso trouxe ao mundo, esse amor maior que entrou nas nossas vidas, que me deu forças para continuar, para sobreviver, para acreditar num amanhã ainda com mais amor.
Chamo-me Paula, sempre quis ser mãe e desde sempre soube que se tivesse uma menina se iria chamar Ana.
Casei em maio de 2000. Passado algum tempo começamos a pensar seriamente em ter filhos, mas o tempo passava e eu não conseguia ficar grávida.
Como moro perto de Espanha, fui a uma Clínica a Badajoz onde eu e o meu marido realizámos todos os exames necessários para saber se estava tudo bem connosco.
A 26 de Dezembro de 2002 descobri que estava grávida. Fiquei tão, mas tão feliz, que liguei a toda a gente: família, amigos, colegas de trabalho…a quem me aparecia à frente. Estava eufórica!
Continuei a ser acompanhada em Badajoz; consultas regulares, ecografias, tudo sempre bem. Descobri que era uma menina, fiquei muito feliz. Não tive enjoos, nem desejos ou vontades, só uma felicidade que transparecia na minha cara.
Terça-feira, dia 5 de agosto de 2003, estava grávida de 36 semanas, sentia-me cansada, sem posição, mas sempre bem-disposta. Fui à consulta, levantei-me bem, tomei o pequeno-almoço e lá fomos. Na clínica tudo sempre uma simpatia. Ao chegar ao gabinete, o médico perguntou como me sentia, que já faltava pouco, conversa normal. A tensão arterial é avaliada e estava muito alta, seguimos para a ecografia, silêncio… O médico pergunta-me quando foi a última vez que senti a menina mexer.
Sinceramente não sabia precisar, ela mexia-se pouco. Então ouvi as palavras que nunca pensei ouvir…”a bebé não tem batimentos, não está viva…”
Não queria acreditar. O que tinha corrido mal? O que se passava? Porquê?
Não sei como consegui sair e passar pela sala de espera sem mostrar a dor que me matava. A sala estava cheia de mulheres grávidas. Não podia, não devia, todas estavam a viver o mesmo sonho que eu.
A minha menina era perfeita, linda.
Fui encaminhada para uma Clínica onde fui muito bem tratada, desde médicos, enfermeiros, auxiliares, todos mostraram compaixão pela minha situação. Eu só chorava, não conseguia perceber…faltava tão pouco tempo.
Deram início à indução do parto, eu só queria que esse tempo passasse, que fosse rápido.
A minha menina nasceu no dia 6 de agosto, parto normal, mas não sofri nada em termos físicos. O meu marido assistiu ao parto, a menina trazia duas voltas do cordão umbilical no pescoço. A minha menina era perfeita, linda, vi-a durante breves segundos, hoje com muita pena minha, não consigo recordar a sua cara…
Foram dias muito difíceis, uma dor que me rasgava por dentro, revoltei-me contra tudo, porquê a mim? Tantas perguntas sem resposta.
Voltei a engravidar, uma gravidez muito stressante, mas muito vigiada. No dia 16 de Junho de 2004 nascia o meu menino, o Luís Filipe. A dor suavizou, o amor cresceu. Passados 4 anos, engravidei novamente e no dia 11 de Janeiro de 2009 nasceu o meu menino, Pedro Miguel.
Amo os meus filhos mais que a minha vida, serei sempre mãe de três, pois a minha menina nunca será esquecida.
Hoje, passados quase 20 anos, ainda não entendo o porquê de me ter acontecido isto, mas aceito, só gostava de ter sido a última mãe a passar por tamanha dor.
Descobrimos que estava grávida logo no início de dezembro. Ficámos tão contentes! Aos poucos íamos começando a falar em ter mais, porquê ficar só com dois? Sempre quis ter mais filhos, até porque já tínhamos uma menina que andava incansavelmente a pedir um mano.
Contactamos a obstetra que nos acompanhou durante a gravidez da nossa filha, descobrimos em Janeiro que estava com diabetes gestacionais. Até aqui tudo certo, fizemos todas as consultas e ecos e tudo aparentava estar bem.
Disse-nos logo muito cedo que era um menino. O nosso Elijah. Quase que parecia que a nossa filha tinha adivinhado!
No decorrer da gravidez foi correndo tudo conforme esperado, ia fazendo o controle habitual da glicemia e da tensão arterial, tendo em conta que, na gravidez da minha filha, tive pré-eclâmpsia.
Já com 27 semanas voltámos à consulta de rotina com a nossa obstetra. Fez-me uma ecografia rápida. Enquanto passava o ecografo, fazia-me umas questões que até ali me pareciam tão aleatórias…
Entretanto saiu do consultório muito apressada e levava na mão a eco que me tinha feito. Foi aí que percebi que estava alguma coisa fora do habitual. Assim que regressou, entregou-me as requisições para uns exames, que pediu que as fizesse ainda naquele dia. Já quase em lágrimas, pedi-lhe que me explicasse o que estava a acontecer ao nosso filho, ao que me respondeu para me manter calma, mas que o bebé estava com uma anemia fetal severa e que necessitava de perceber se esta condição estaria a afetar algum órgão, mas que nesse momento era tudo o que me conseguia dizer.
Foi na ecografia obstétrica, já com outra médica, que o nosso mundo desabou. Começou a aperceber-se que o bebé não estava bem e que a anemia estava demasiado grave.
Solicitou que chamassem a minha obstetra e entretanto pediu-me os exames anteriores. Ia-me fazendo algumas questões e, assim que a minha obstetra chegou, ouvimo-las conversar, sem percebermos qualquer palavra daquela conversa. Pediu-nos que esperássemos pelo relatório à porta do consultório da minha obstetra que ela deveria de querer falar connosco. Foi quando a auxiliar nos diz que a nossa obstetra já se tinha ido embora. Ficámos perplexos, nem queríamos acreditar.
Não conseguia parar de pensar em como é que isto acontece e como, como é que tudo isto estava a ser tratado com tanta frieza? Com tanta indiferença?
Regressámos à sala da ecografia e solicitámos à médica que nos explicasse o que estava a acontecer. Caramba, só queríamos respostas e merecíamos! Tudo o que pesquisávamos na internet era assustador e pouco ou nada conseguíamos entender.
Aquela cara, nunca a vou esquecer, explicou-nos que o bebé estava com uma anemia fetal severa e já apresentava demasiados edemas, tinha inclusive problemas no estômago e nos intestinos. Que, por norma, as grávidas com estas condições são direcionadas para uma unidade do serviço público para fazerem uma transfusão de sangue intrauterino, mas que todas estas informações deveriam de ser explicadas pela minha médica.
A caminho de casa, a nossa obstetra liga-nos a explicar o que estava a acontecer e que teríamos de ir na manhã seguinte logo cedo para outro hospital e tudo o que a outra médica nos disse.
Na manhã seguinte, assim que acordei nem queria acreditar que isto nos estava a acontecer. Só queria que aquele sentimento de que ia perder o meu bebé fosse embora, queria pensar que tudo ia correr bem e que, apesar da condição do nosso menino, nos dissessem que ele ia recuperar.
Assim que chegámos ao hospital fomos realizar uma ecografia obstétrica, confirmava-se a anemia fetal severa e que consequentemente o bebé já apresentava vários edemas. Voltaram a chamar-nos. Desta vez era um médico que queria falar connosco.
Confesso que nos disse tudo o que precisávamos de ouvir. Bruto, mas sincero e agradeço com todo o meu coração. Iria ser ele a realizar todo o procedimento ao nosso filho, iria ter de fazer uma amniocentese e uma cordocentese para conseguirmos identificar o que estaria a causar a anemia e só depois é que o bebé iria levar a transfusão de sangue.
Infelizmente assim que se inicia a transfusão de sangue o coraçãozinho do meu menino pára. Toda a sala de operações fica sem reação possível. Peço para que chamem o meu marido, eu já não conseguia estar ali mais tempo sozinha. Só queria o meu marido, agarrar-me a ele e chorar, oh caramba chorar.
Todo o tempo que estive com o meu filho é insuficiente para uma vida inteira sem ele.
Nem queria acreditar que seria possível. Como é que tal crueldade é possível? Como é que tudo isto nos estava a acontecer?
Nos dias que se seguiram só queria que entrasse em trabalho de parto. Queria sair dali, precisava de estar com a minha filha, ai, a minha filha, como é que eu lhe iria dizer que o mano estava no céu? E o que iria eu dizer à nossa família? Aos nossos amigos? Como é que iria eu encarar todas estas pessoas?
Pensava que quanto mais rápido fosse o parto do meu filho e mais depressa o tivesse nos braços mais rápido se acabava o sofrimento. Mas era mentira, claro.
Sempre pensei que o Elijah fosse chorar ao “nascer”, é irrealista eu sei. Agarrei-me à possibilidade de tudo não ter passado de um erro e que aquele bebé tão lindo e perfeito, que esteve dentro de mim durante 27 semanas, conseguisse viver uma vida ao meu lado. Tudo para me conseguir manter calma e mentalmente sã. Mas claro, cada um agarra-se ao que pode.
Todo o tempo que estive com o meu filho é insuficiente para uma vida inteira sem ele.
E irá doer para sempre não ter tido a oportunidade de o ver dormir, de ter visto os seus primeiros passos, de não ter ouvido as suas primeiras palavras ou de não o ver a brincar com a mana.
Resta-nos a caixa das memórias que trouxemos do hospital e que preenchemos com as poucas lembranças que temos do nosso menino as cartas que escrevemos, as fotografias da gravidez e a impressão do pézinho dele.
Será para sempre o nosso Elijah, o nosso menino que esteve connosco pouco tempo mas que deixou uma vida inteira cheia de amor.
No início da gestação, eu tive um sangramento e fui para o hospital. Nesse dia descobri que estava com um pequeno descolamento da placenta e o mais assustador: havia uma alteração no meu bebé, transluscência nucal aumentada.
Foi uma gravidez cheia de medos e a cada consulta eu fazia mil perguntas ao médico. Ele explicava que poderia ser algum problema (cardíaco, na coluna ou síndrome de Down eram os mais prováveis) e que não podia fazer nada, a não ser esperar o nascimento do bebé para descobrir o que estava acontecendo. Mas em nenhum momento fui alertada que ele poderia perder a vida, talvez nem o médico deduzisse isso (prefiro pensar assim).
Com 39 semanas de gestação fui à última consulta, onde ouvimos o coração dele e descobrimos que já estava com 2 dedos de dilatação e com 39 semanas e 5 dias fui para o hospital com contrações. Era dia 11 de Dezembro. Cheguei com 4 dedos de dilatação e logo pulou para 8 e em seguida meu pequeno Antony Samuel “nasceu” na sala de triagem do hospital.
Aquele lugar foi tomado pelo silêncio absoluto, todos apavorados quando viram que o meu bebé estava morto… nem o médico conseguia ter reação. “Faz alguns dias” foi o que ele conseguiu pronunciar para mim. “Pelo menos 3 dias”.
Meu tão sonhado menino, eu e sua irmã estávamos esperando-o com muita ansiedade, mas Deus precisava dele lá no céu.
São 4 meses sem meu pequenino e eu ainda não faço ideia de como seguir.
Não foi assim que imaginei que tudo terminaria, na verdade nunca imaginei que “chegasse ao fim”.
Todos os meus pensamentos, planos futuros, ou seja, toda minha vida já era sua. Eu amei gerar você e passar quase 8 meses com você no meu forninho. Eu amava que podia aproveitar enquanto éramos só nós duas, amei cada descoberta, toda ansiedade antes das ecos, amei sentir cada pontapé seu… nossa, como eu amava isso, chegava a passar horas com a mão na barriga só para sentir você.
E o peso da barriga agora se tornou um vazio tão grande que se torna inexplicável, igual ao vazio que restou no meu coração e na minha alma. Dói minha filha, dói tanto não te ter aqui. As 16h de trabalho de parto não chegam aos pés da dor que sinto de não ter você em meus braços. A cada contração que sentia era um misto de sentimentos, o desejo de que todos os médicos estivessem errados e que você estivesse bem, misturado com o medo e tristeza terríveis por saber que todo aquele esforço seria em vão. Você foi desejada e muito amada, eu já sonhava como seria seu rostinho, sua pele, seu cabelo, e posso falar?! Você nasceu linda, eu juro que você superou minhas expectativas, veio igualzinha a uma boneca; branquinha, com o nariz perfeito, cabelo lisinho, bem cabeludinha, com os olhos puxados e a boca do seu papai (sim, a mesma que eu enjooei na gravidez).
Te carregar no meu colo daquele jeito e não poder fazer nada me deixa totalmente devastada! Eu daria minha vida para você, te daria o meu respirar sem pensar nem um segundo. Queria que você tivesse acordado, meu coração pedia por um milagre, mas Deus não quis assim. Eu ainda não entendo e me pergunto se um dia isso será possível. Mesmo sabendo que é errado eu acabo questionando. Como não questionar? Como não perguntar o porquê se a lei da vida são os filhos enterrarem os pais e não o contrário? Fora os outros milhões de questionamentos que me vêm à cabeça.
Eu imaginava e sonhava em te ver aqui do meu lado no seu berço branco e não consigo acreditar que a realidade foi outra. Aquela cena nunca vai sair da minha cabeça, me entregaram você em um caixão branco e ao invés de te colocar em meus braços e te trazer pro seu lar, tive que deixar você em um cemitério. Meu Deus, como dói!!! A dor rasga a alma e me dilacera por inteiro.
Como seguir a vida? Como viver sabendo que você não teve nem chance disso? São tantas perguntas sem respostas. O que eu sei é que não conseguiria passar por tudo isso sem o apoio do seu papai. Hoje tenho certeza de que é ele quem eu quero ao meu lado para viver até o fim da minha vida.
Filha, ele é incrível, e nesses dias difíceis não nos deixou nem por um segundo, segurou em minhas mãos e foi meu suporte para não desabar. Não cabe a mim contar a experiência dele, mas eu sei o que vi. Vi um homem se tornar pai, se preocupar e te amar incondicionalmente.
Queria que você tivesse tido a oportunidade de conviver com ele e de conhecer o ser humano lindo que ele é. Não me restam dúvidas de que ele seria o melhor pai do mundo pra você.
Saiba que você NUNCA, NUNCA será esquecida. Segure sempre nas nossas mãos e cuide sempre da gente aí de cima, minha Maria Clara.
Sigo aqui com meu luto, chorando sempre que necessário, lembrando de você a cada segundo e sonhando sempre em como seria nosso futuro juntas.
Sobre o luto, prometo a você que não vou me afundar nele, só preciso vivê-lo enquanto for necessário para amenizar a dor. Um dia de cada vez e em passos lentos, mas sobrevivendo.
Maria Clara Abrantes Barbosa. 27/12/2022 – 03:44 – 1.225kg
A nossa história de amor começou no dia 6 de Junho de 2022, quando fiz um teste de gravidez e deu positivo.Não queria acreditar e fiz 3 testes diferentes. Todos eles deram positivo.
Foi o primeiro teste de gravidez que fiz. Apesar de já estarmos a tentar há cerca de 6 meses, nunca tinha tido um atraso menstrual. Também não tive atraso menstrual nesse mês mas, chamem-lhe intuição, eu sentia-me gravida. E estava.
Lá estava o nosso positivo. O nosso grande sonho estava a começar.
Tinha uma consulta com o meu ginecologista nesse mesmo dia e disse-lhe que tinha feito um teste de gravidez que deu positivo. Ele receitou-me logo vitaminas e disse para voltar dali a 15 dias, porque ainda não se via nada. Estava grávida de cerca de 4 semanas. Quinze dias depois voltei e lá estava o saquinho no útero. Quinze dias depois e já consegui ouvir o bater do seu coraçãozinho.
Contamos a novidade aos avós que ficaram tão felizes. Afinal de contas seria o primeiro neto tanto dum lado, como do outro.
Começamos a comprar roupinhas, a pensar em nomes e a fazer mil e um planos na nossa cabeça.
Eu era luz. Luz e sonhos. Eu radiava alegria e felicidade para onde quer que eu fosse. Sentia-me forte. Sentia-me a super mulher. Sentia que nada nem ninguém me podia machucar, porque dentro de mim eu gerava vida. O meu filho. E sentia-me poderosa.
Sempre achei que quando estivesse grávida me fosse sentir frágil e fraca, mas não, foi o tempo que eu me sentia mais forte… Acordava todos os dias e dizia “bom dia, meu amor, mais um dia juntinhos”.
Fazia mil e uma festinhas ao longo do dia na minha barriga. E gostava de a ver crescer. Os sábados ganharam mais cor pois acrescentava mais uma semana de vida ao meu “docinho de marmelada”, (eu gostava de o chamar assim). Media a barriga todos os sábados e lembro-me perfeitamente de ficar toda contente por ela aumentar 1cm por semana.
Chegou o dia da ecografia do 1º trimestre. Estava tão nervosa. Estava tão tensa que a médica me mandava sempre relaxar, mas eu não conseguia. Só relaxei no final quando ela me disse que estava tudo bem. Aí, o meu coração relaxou.
Foi a melhor sensação da minha vida e estava grávida de mais quase uma semana do que eu estava a contar.
Fiz um diário online onde escrevia tudo o que estava a sentir e um bocadinho do meu dia a dia da gravidez, para mais tarde recordar.
Tudo corria bem. Contámos à família. Já estávamos a decidir os padrinhos. Os nomes já estavam escolhidos tanto para menino como para menina.
Tudo era um sonho tornado realidade.
Fui à médica para saber se podíamos ir de férias em Agosto. Ela disse que sim, e fomos felizes e radiantes da vida. Tirámos tantas fotos na praia com a minha barriguinha que já se começava a notar (17 semanas). Estávamos tão felizes! Olho para trás e só queria voltar a sentir a mesma felicidade.
Regressámos de férias a um domingo, na segunda seguinte fomos ao obstetra que disse que estava tudo óptimo com o bebé e que achava que seria uma menina.
Eu não acreditei. Sempre senti que seria um menino. Intuição de mãe, não sei. Nesse mesmo dia fizemos uma ecografia em 3D e, apesar de pequenino, já se via perfeitamente o nosso bebé tímido e muito simpático (como as médicas o descreviam).
E disseram-nos que muito provavelmente seria um menino.
Nesse mesmo dia de manhã tinham-nos dito menina e depois menino, estávamos confusos. Mas faltavam apenas 10 dias para a ecografia do 2º trimestre e já tirávamos todas as dúvidas e poderíamos contar à família, que todos estávamos ansiosos para saber se seria uma menina ou um menino.
Mas não conseguimos chegar a esse lindo momento.
Nessa quinta feira à tarde comecei com imensas dores de barriga, que não sabia o que seria. Fomos às urgências de um hospital, a médica disse que estava tudo óptimo. Eram apenas gases, mandou-me tomar ben-u-ron e ir embora e, para a próxima, tomar ben-u-ron antes de ir às urgências.
O meu coração ficou descansado. Afinal de contas tudo estava bem.
Mas as dores não passavam e, no dia seguinte, fomos a outro hospital (podia ser que tivessem outra opinião).
Fui vista por 2 médicas que disseram exatamente o mesmo, que seriam gases. Também me disseram que tinha o colo do útero demasiado curto para as semanas de gestação que tinha (18 semanas), mas não estavam nada alarmadas. Mandaram-me repousar, mas não estar todo o dia deitada na cama, e receitaram-me progefick.
Perdi o bebé no dia seguinte em casa.
O meu bebé simplesmente escorregou por mim abaixo, como se o meu corpo o rejeitasse. Ainda me lembro do horror. Do sangue imenso. Das dores terríveis.
Chamei a ambulância que me levou para o hospital mais próximo. Lá, tiveram que me operar para retirar a placenta pois não tinha saído. E eu lá estava com o meu bebé ao lado embrulhado num paninho. E eu só queria acreditar que tudo aquilo tinha sido um pesadelo.
Acordo todos os dias e penso “tudo o que eu quero é o meu bebé”
Lembro me de acordar da anestesia e pensar que tudo aquilo não tinha passado dum pesadelo, mas tudo tinha sido verdade.
Isto tudo foi em Setembro. Sete meses passaram e eu não consigo esquecer. Sete meses passaram e eu ainda pergunto “porquê?”. Sete meses passaram e eu ainda choro quase todos os dias pelo meu bebé.
Ainda não sei o que aconteceu visto que tudo estava tão bem, o meu bebé mexia, tinha batimentos cardíacos, estava tudo perfeito.
Fez-se a autópsia onde descobri que era um menino (a minha intuição não tinha falhado) e era perfeito. Sem nenhum problema físico nem cromossómico. Era um menino perfeitamente normal.
E isso custa tanto… Dizem-me que é melhor assim. O menino ser perfeito, porque assim sei que eu e o meu marido temos bebés perfeitos, mas custa tanto saber que perdi um bebé perfeito e saudável.
Ele era tão pequenino. Mais ou menos do tamanho da palma da minha mão. Um bebé pequenino e perfeitinho.
Seria o nosso Mateus.
Agora as saudades matam-me por dentro.
Como é possível ter saudades de momentos que apenas existiam na minha imaginação? Momentos que nunca aconteceram mas eu sonhava que acontecessem.
Como é possível agora sentir-me fraca quando já me senti tão poderosa?
Há 7 meses que eu não consigo sorrir. Nada me traz felicidade. Tudo aquilo que dantes me deixava feliz agora simplesmente não é nada.
Tudo o que eu queria era o meu bebé.
Acordo todos os dias e penso “tudo o que eu quero é o meu bebé”. Eu tenho saudades de fazer festinhas na minha barriga, tenho saudades de falar com ele, de sonhar com ele no meu colo, tenho saudades de ver a minha barriga crescer.
Tenho saudades da felicidade genuína. De sorrir duma coisa simples.
Hoje o meu bebé teria cerca de 2 meses. E eu só consigo imaginar o seu sorriso, os seus olhos, o quanto eu o amava e amo.
Imagino a dar.lhe de mamar, a colocá-lo para dormir, a dar-lhe banho, acariciá-lo, dar-lhe beijinhos. Dançar com ele….
A minha vida parou em Setembro de 2022. Os dias passam mas a minha alma ficou em Setembro.
O meu bebé foi-se embora e com ele levou metade de mim. Levou metade do meu coração com ele.
E agora pergunto me: como voltarei a conseguir ser a mesma pessoa?Alguma vez conseguirei voltar a ser a mesma?
Eu sinto que a vida que estou a viver agora não é a minha vida, eu deveria estar em casa a tomar conta do meu bebé e não a trabalhar e a chorar pelos cantos. Eu não quero viver neste inferno.
As pessoas não percebem esta dor. Dizem : “ah és nova podes ter outro” ou “pelo menos foi no início” ou “foi porque Deus assim quis”.
Mas as pessoas não sabem qual é este sofrimento, esta dor que acorda e adormece connosco. Esta dor no coração que não sai por nada deste mundo.
Eu não sei o que fazer para deixar de sentir esta dor.
Agora o meu diário online que dantes escrevia todos os momentos da gravidez, agora é o meu aliado, onde escrevo as minhas tristezas e angústias, onde desabafo e choro o meu filho.
Vejo todas as meninas que estavam grávidas ao mesmo tempo que eu a ter os seus bebés e eu nada, e eu de colo vazio e pergunto-me: “o que fiz eu de mal?”, “onde é que eu errei?”
Custa tanto saber que o bebé que era tão amado, tão desejado, tão sonhado, simplesmente escorregou por mim abaixo e eu não pude fazer nada para o salvar.
Só me apetece chorar todos os dias.
Meu eterno bebé. Meu Mateus, amado sempre.
A nossa história começou a 6 de Junho de 2022 e terminou a 12 de Setembro de 2022. Foram 18 semanas de amor.
4 de Abril de 2018, 38 semanas, 4 dias. O dia estava cinzento e era dia de um dos últimos CTG’s. O pai pressentia e só dizia “leva a tua mala e a do bebé”, e eu sempre dizia que não era o dia.
Facto é, que, nos últimos dias, eu já não o sentia com a mesma força e movimentos, mas normalizei por estar mesmo no fim e ter pouco espaço. Inicio do CTG, depois de ter contado que não sentia tantos movimentos, deram-me prioridade e logo fomos atendidos. Após uns minutos, percebi na cara de todos e na quantidade de médicos e enfermeiros que vierem ver, que algo não estava bem. Deram-me um chupa e as expressões mantinham: os batimentos cardíacos estavam realmente muito fracos, tive medo, muito medo. Fiquei internada para vigilância e, se os batimentos estabilizassem, iríamos iniciar o trabalho de parto. Era naquele dia que ele ia nascer: o pai tinha razão.
Recordo-me de perguntar o que ia acontecer a seguir. Responderam que primeiro vigilância e logo após indução. Não queria nada e pedi que não me fizessem cesariana, não por medo, mas porque queria muito senti-lo nascer (mais tarde culpei-me muito, mas hoje em dia, está resolvido dentro de mim).
Ficamos em vigia até ao momento que paro de ouvir o CTG, chamo para me ajudarem. Vem um enfermeiro e encontra batimentos. 5 minutos depois e acontece igual…vem mais um enfermeiro e mais um e mais um, até que o pesadelo começa; não conseguiam encontrar batimentos, sem ninguém perceber muito bem o que se estava a passar pois a gravidez foi sempre super normal e tranquila e vigiada.
Tinha a equipa médica toda à minha volta, sentia nas caras deles e na expressão corporal que não estava bem. Ouvi para prepararem cesariana, naquele momento eu só queria que tudo acabasse bem e com ele nos meus braços. Vamos ao ecógrafo e ouvi alguém dizer “nada de batimentos”, o meu mundo desabou, parecia uma filme de terror. Todos corriam de um lado pra outro e vamos para uma cesariana de urgência. Não havia tempo para mais nada. Eu só tinha que me deixar ser anestesiada, e o que eu resisti porque me faltava o ar…até que me disseram ao ouvido “pensa em coisas bonitas”. Consegui e deixei-me ir… a partir daqui eu não sei de absolutamente mais nada.
demorou algum tempo a sair do fundo, mas o caminho faz se caminhando…
Acordo sozinha, numa sala fria e cinzenta, olho em volta e nada, sozinha… Ao longe vejo chegar a mesma pessoa que me disse “pensa em coisas bonitas” com os olhos cheios de lágrimas. Eu só queria ouvir “está tudo bem”, mas não estava. Em loop pergunto “o meu menino?” e as lágrimas caem-lhe no rosto, abana a cabeça e percebi o que tinha acontecido (ela não podia dar-me aquela informação, mas também não podia deixar sem saber, era desumano). Naquele momento deixei-me ir e entreguei-me à dor e “bebedeira” que a anestesia me causou… horas no recobro e uma equipa brutal e espetacular que cuidou de mim até me “arranjarem” uma cama sem ser na maternidade. Felizmente tiveram esse cuidado comigo.
Deixaram-me receber visitas, e eis quando chegam as médicas que queriam a todo o custo explicar me o que aconteceu. Eu naquele momento não queria saber de nada, pois estava demasiado fraca. Parecia que queriam “desculpar” o sucedido, mas não havia nada para explicar, foi assim que ele escolheu…
E o motivo foi um nó verdadeiro no cordão. Aí eu entendi o porquê da falta de movimentos dele. Chorei, chorei, chorei até não ter mais forças. Já na enfermaria acordei e aí a culpa, a raiva, a revolta, e o “porquê a mim?” deram conta de mim… foram meses difíceis de não conseguir enfrentar pessoas, grávidas, familiares a pedirem que colocasse o hospital em tribunal e não me recordo de alguém me perguntar o que eu precisava.
As pessoas são cruéis, não fazem por mal mas para se proteger, mas dói ouvir “és muito nova, fazes outro”, “é porque não tinha que ser”, “podia vir com problemas, foi melhor assim”, ou “é a vida”. Felizmente, hoje em dia eu troquei o “porquê” por “para quê” e estou-lhe muito grata por tudo o que passei/passámos. Foi uma aprendizagem brutal, demorou algum tempo a sair do fundo, mas o caminho faz-se caminhando…
Foram 6 meses e meio a gerar a Flor que faltava no meu jardim e a coisa mais linda que pude ter.
Desde o início, eu sabia que não ia ser fácil; desde a primeira consulta da pré-natal, até a aceitação do lupus, adquirir a hipertensão gestacional e os risco que íamos enfrentar. Mas quando vieram todos os risco, eu pude entender mais ainda a nossa situação. Fi um longo período para dizer À minha cabeça que “ela não iria aguentar!”…
Mas o nosso instinto de mãe fala mais alto. O nosso egoísmo em dizer: “eu quero você comigo”. O decorrer de todos os dias, entre fazer USG, medicação de anticoagulantes, controlo da pressãoi e pré-eclâmpsia foi bem complicado, até chegar o momento que precisei de ficar internada.
Foi aí que, no dia 05/07 começaríamos mais uma luta. O internamento foram os 15 dias mais longos das nossas vidas. Depois a desospitalização, achava que tudo iria se normalizar, afinal, estava a reagir bem.
Dia 27/07 (até o momento doloroso) – 2ª internamento e o dia que iríamos construir nossa maior história: primeiro pico da pré-eclampsia (dia 01/08), dilatação da barriga, pressão 20×11 e inchaços anormais. No dia seguinte (02/08), o aviso que meu corpo já não aguentava mais. A médica disse: “vai para a UTI”, ali eu já sabia, lá era onde só seria nós duas e a proteção divina, seria aa indução do parto. Dizer o adeus, ou melhor, o até breve…
E no dia 03/08, com apenas 481g, seu (re)nascimento- tão linda e a perfeição de um bebé. Você não tinha resistido e eu sei que ali seria o nosso adeus, mas não um adeus de despedida, apenas precisou ser amada e ensinar a mamãe o que era um amor incondicional.
Meus longos dias na UTI, dopada e sedada, me fizeram entender que fui uma mãe leoa. Ter lutado por você foi tão gratificante e ver que aquela mãe só não queria tver-te sofrer (mas não sofreu, era tão linda, mesmo tão pequena).
Filha, só quero te dizer que: Foi uma honra te gerar… por termos conseguido juntas “Não foi fácil!”.
Por volta dos 29 chegou o desejo de ser mãe. Fiz consulta na ginecologista e check up e como estava tudo bem avancei. Passados dois anos não estava a conseguir (devido ao síndrome SOP). A ginecologista decidiu avançar com um indutor de ovulação, sem estar muito esperançosa que engravidasse logo no 1º ciclo.
O que é certo é que comecei a ter os sintomas típicos de gravidez: sensibilidade mamária e atraso menstrual. Resolvi fazer um teste: e tive o meu positivo!
Naquele momento tremia e chorei de felicidade. Marquei consulta na ginecologista e ouço: está grávida e bem grávida. São gémeos.
Foi um misto de emoções uma vez que o meu companheiro estava em isolamento devido à covid, e não pôde ir comigo à consulta. Ambos sabíamos que havia essa probabilidade e até tínhamos brincado com isso. E estávamos muito felizes.
A gravidez decorreu normalmente até às 21 semanas, dia em que comecei a ter cólicas, que se vieram a intensificar e comecei também a perder sangue. Fui direta para o hospital, mas com a esperança que não ia ser nada grave. A médica começa a fazer a ecografia e diz que eles vão nascer, uma vez que entrei em trabalho de parto prematuro e um já estava fora do útero e que o prognóstico era reservado.
Fica a eterna saudade e grata por me terem escolhido para vossa mãe.
O meu sonho começou a acabar ali naquele momento e virou pesadelo. Fui internada e diagnosticaram uma infecção (e que provocou o parto prematuro). Começaram logo a dar me antibióticos e diziam que tudo tinha de processar naturalmente e sempre com o discurso de prognóstico reservado. Tinha muitas dores, de chegar ao ponto de enfermeira me propor anestesia epidural para ajudar. Sempre que iam lá as médicas diziam que estava cada vez pior (basicamente diziam que não havia nada a fazer, para evitar que nascessem). Estive assim dois dias, com contrações dolorosas e com uma tristeza de quem já sabia o desfecho. Chorava, chorava muito.
Já só dizia ao meu companheiro que íamos perder os nossos meninos. Ele também estava triste, mas manteve-se firme para me apoiar. Dizia que eu não tinha culpa…
Entretanto nasceram o meu Duarte e Tomás e tornaram-se os meus anjinhos…Doeu tanto perder-vos. Ainda dói e ficou um vazio muito grande. Tinha começado a sentir-vos na minha barriga há pouco tempo e Deus quis levar-vos de mim. Fica a eterna saudade e grata por me terem escolhido para vossa mãe.