Há feridas que doem para sempre.
O tempo acaba por acalmar a dor, aprendemos a viver com essa dor, mas não deixa de existir.
Eu perdi duas gravidezes. A primeira, há 12 anos, foi uma gravidez ectópica. Não me lembro bem quanto tempo durou. Só me recordo da sensação de que algo dentro da minha barriga estava a rebentar. A dor era tal que cheguei a perder os sentidos.
Depois o internamento. Estive lá durante 3 dias em que fazia exames diariamente de manhã e à tarde para se saber como estava a evoluir a gravidez até que as dores pararam e os médicos me disseram que o embrião tinha descido para o útero, mas que a gravidez era inviável e teria que esperar até que o corpo o expulsasse.
Não sei dizer quantas semanas passaram até que me voltaram a internar e provocaram o parto. Todo o processo foi feito na enfermaria, mas completamente sozinha…
Passado um ano voltei a engravidar mas desta vez a ferida ficou mesmo muito, muito funda.
Ainda hoje tenho pesadelos com o que passei. Na ecografia das 13 semanas o médico detectou que algo não estava bem com o bebé. As medidas do bebé não estavam correctas e enviou-me para a consulta de diagnóstico precoce.
Aqui eu e o meu marido fomos muito bem recebidos. Explicaram-nos tudo o que estava a acontecer, o que significavam aquelas medidas e o que nos iram fazer. Voltei a repetir a ecografia e passado 2 ou 3 dias fiz a amniocentese. A imagem que ficou gravada na minha cabeça foi de estar deitada numa maca, de mão dada ao meu marido e ouvir uma voz muito doce da médica a dizer “já faleceu”.
Depois segue-se novo internamento, provocarem-me novamente o parto, tudo novamente sozinha e para piorar um pouco mais a situação desta vez vi o feto e fui eu que chamei a enfermeira após a expulsão.
Até hoje guardo aquela imagem horrível. Tinha 18 semanas de gestação. Fiquei a saber que o bebé tinha trissomia total, ou seja, todos os cromossomas eram a triplicar. É uma alteração genética raríssima. No ano anterior não tinha existido nenhum caso em Portugal, naquele ano houve apenas o meu e no ano seguinte houve 2 casos. Eu e o meu marido fizemos estudos genéticos e depois voltámos a tentar engravidar.
Atualmente temos dois rapazes, um de 10 anos e outro de 6. São uns meninos lindos, saudáveis e bons traquinas como todas as crianças devem ser.
Espero que ao partilhar a minha história possa ajudar alguém. Pelo menos e sinto que me ajuda a lidar melhor com o que passei.