Muito se ouve falar sobre o assunto “Perda Gestacional”, mas não o suficiente para uma sociedade que não está preparada para acolher mães que passam por esta dor, quase parecendo um assunto “tabu”. Diz o povo que rodeia estas mães, que o “tempo cura e tudo passará” ou “para a próxima correrá melhor”.
Mas não, não passa. Não conseguimos pegar numa borracha e apagar aquele que foi o pior dia das nossas vidas… Foi a perda de um filho, de um sonho, de um projeto de vida.
Por expressões como esta, tantas vezes ouvida por mim, que vos falo da
minha experiência. Fui mãe…mãe durante umas semanas e no fim do tempo saí, sozinha, de colo vazio.
Tenho 35 anos e desejo ser mãe. O sonho, que enfrentei tanto tempo, tornara-se real, o tão desejado “positivo” naquele teste.
Chorei de felicidade, mais do que qualquer dia da minha vida. Agradeci, e pensei: “Afinal Deus existe!”
No dia em que todo este pesadelo aconteceu, questionei-me… “o Deus a quem agradeci há várias semanas, existiria mesmo?”.
Ainda hoje procuro a razão para fazer as pazes com Ele. Precisei de tempo, ainda preciso de tempo.
Preciso perceber o porquê!
Um dos sentimentos que me invade, é, sem dúvida, o da inferioridade. Por mais que me digam que não, acabo sempre por me ver como uma mulher inferior às outras.
Infelizmente, para muitos casais, um positivo não iguala o bebé desejado (diz a média que 1 bebé em cada 4 positivos).
A perda gestacional e neonatal é a realidade de muitas famílias. Dói, dói muito. É uma dor tão silenciosa, que com toda a certeza, sem ajuda não te consegues erguer! Não há que ter medo, não há que ter vergonha. Fala e deixa que falem contigo e pede-lhes que falem sobre o trágico e insaciável assunto que te invade. Evitar falar, como se nada tivesse acontecido, nada resolve, só atrasa o processo de recuperação e tornar-se-á um trauma ainda maior.
Já o era antes, uma “BoaDrasta”, como eles me distinguem das comuns
madastras, de três crianças incríveis, tenho um COMPANHEIRO como não existem muitos, e foi com esta família, tão minha, que encontrei forças para aquele momento em que ouvi: “As águas rebentaram, a gravidez chegou ao fim, está tudo bem com o bebé mas infelizmente temos que provocar o parto” não tivesse desistido de tudo.
Foram, sem dúvida, as palavras mais sufocantes que ouvi em toda a minha
vida. Perdi o chão, perdi o sentido de viver. Foram 4 dias, sozinha num
Hospital, que a cada minuto que passava parecia mais frio e escuro. Não fosse todo este episódio terrível, ainda tive de enfrentar as restrições do tal COVID.
Um primeiro parto, de um primeiro filho, ali sozinha, agarrada ao braço de uma enfermeira, que sem a conhecer de parte alguma, sei que sofreu comigo.
Deixei de perceber o sentido das coisas, e juro, que até ao meu filho nascer,
estava convencida que ainda havia esperança. Mas não.
Ele nasceu e ao ver aquele tão pequenino ser, percebi que não havia nada a fazer. O meu sonho tinha chegado ao fim.
Não consigo relembrar-me de muita coisa, acho que o cérebro parou e naquele momento só queria fugir para casa, recuperar forças e
encontrar-me novamente.
É importante e urgente haver mudanças no tratamento que se dá a estes
casos, a estas que foram mães durante umas semanas.
Não é humano estarmos internadas num serviço, onde à nossa volta só existem bebés, onde o choro deles entoa-nos a perda. Existem mães de colo preenchido com o tão desejado filho, e nós estamos ali, isoladas de tudo, invadidas de uma revolta imensa a questionar a razão de tal perda, de tal acontecimento!
A todas nós que somos mães deste infortúnio, acreditem que não estão
sozinhas.
É importante procurarem ajuda. Eu procurei de imediato, não é
vergonha nenhuma, bem pelo contrário, é sinal de muita coragem. Façam tudo ao vosso tempo, sem pressa. O luto é importante, mas à vossa maneira. Não se deixem pressionar por ninguém, pois ninguém consegue imaginar o que estás a passar.
Hoje, passados alguns meses, consigo dizer que tudo aconteceu por uma
razão. Qual? Não sei, mas tenho sempre na cabeça a frase que o pai do meu filho me disse: “o nosso filho chegou ao fim da sua viagem com o propósito de nos unir ainda mais”.
E eu, acredito que sim.
Hoje, celebro-me como alguém que sobreviveu a esta tão silenciosa batalha, com tantos momentos vulneráveis. Sou uma sobrevivente. Não um super-herói, mas vivo como tal. No fim de tudo, estou aqui, estamos aqui. Sobrevivemos à dor da sua perda.
Este nosso filho será uma parte de nós, SEMPRE!