Categorias
Testemunhos Testemunhos Interrupção Médica da Gravidez Testemunhos Perda Tardia

Dora

Há muito que quero partilhar convosco a minha “história”. mas a verdade é que ainda não tinha conseguido reunir as forças suficientes e, por outro lado, não queria que fosse apenas um “despejar da minha revolta”. Queria que, de alguma forma passasse uma imagem de esperança a todas vocês.

Provavelmente vou chocar algumas mamãs desse lado mas…terei de ser sincera convosco…Ser mãe nunca foi (durante quase toda a minha vida) um sonho! A minha história de vida (e que não vale a pena falar agora dela) não me permitia fazer do ser mãe um sonho.

Levei muitos anos a “mentalizar-me” porque, no fundo, também não me via sem filhos… Aliás, há mais de 10 anos que sabia que se conseguisse engravidar, iria ser um menino e que se iria chamar Miguel. Não me perguntem onde fui buscar esta certeza mas eu sabia, não sei como…

Finalmente ganhei coragem e, passado 1 ano e 2 meses de tentativas e com uns simples sintomas que poderia indicar uma gravidez, lá fiz o único teste de gravidez da minha vida e que mostrou um “GRÁVIDA 3+”. Foi um misto de felicidade, de preocupação, de medo mas… acima de tudo um “consegui”, um “fui capaz”!

Seguiram-se os passos normais, as consultas normais, as ecografias…fiz tudo como “manda a lei”, tanto no serviço nacional de saúde como nos intervalos das consultas no público, com a minha obstetra.

Às 6 semanas tive um “sustozinho” de uma perda de sangue e fui às urgências mas fiz uma medicação e tudo evoluiu de forma positiva. Também foi nesta consulta que ouvi, pela 1ª vez, e sem estar a contar com isso, o coração do bebé. Foi lindo!

Por volta das 15 semanas tive a confirmação que iria ser um menino, o meu Miguel.

Andando com a história para a frente e a 2 dias de fazer a ecografia do 2 trimestre fui às urgências pois, pela 3ª ou 4ª vez durante a gravidez, tinha umas dores de cabeça muito fortes.

Ali, naquela sala pequena, o mundo desabou! A partir daí, dessas palavras, foi como se entrásse em “piloto automático”, como se ficasse anestesiada, como se deixasse de estar lá (mas também não vos sei dizer onde andaria)…

Só fui porque uma amiga minha enfermeira e o meu namorado me pediram quase por favor só para ir ver. Para mim não passavam das minhas enxaquecas e que teria de as aguentar, uma vez que a medicação que faço em S.O.S para elas, não deve ser feita durante a gravidez.

Sempre ouvi dizer que na gravidez não era possível ter enxaquecas mas, a verdade, é que não estava a conseguir concordar com essa afirmação.

Entrei nas urgências dia 01 de Agosto (a 1 dia de fazer 21 semanas) a pensar que me iriam dar uma medicação qualquer na veia e que iria para casa passadas uma ou duas horas…só quenão!

Realmente fizeram-me essa medicação, o que me fez passar a dor de cabeça mas a tensão estava um pouco elevada e estava a perder proteína na urina. Teria de ficar para o dia seguinte. Esse ter de ficar manteve-se até dia 04 de agosto, altura em que fui transferida para a maternidade Bissaya Barreto em Coimbra.

Só posso dizer que foram dias de muito medo, por não saber o que se passava comigo, nem com o meu bebé. Muito medo de pensar sequer que o poderia vir a perder. Era tão pequenino, tão calminho, tão bem comportado, não me fez um único enjoo…se não fosse o crescer da barriga, nem parecia grávida. Como é que agora conseguiria imaginar não o poder fazer viver?!

Estive sempre rodeada de profissionais humanos, tanto médicos, como enfermeiros, como assistentes operacionais, devo-lhes muito mas…a minha saúde continuava a deteriorar-se. Numa semana inchei de tal maneira que aumentei 9kg de peso. A proteína que perdia na urina era cada vez mais, o fígado estava mal, os rins estavam mal, a hemoglobina muito baixa, as plaquetas muito baixas e a tensão sempre alta, principalmente a baixa…mas, sentia-me bem, acreditam?! Embora, cada vez mais sem esperança num final que considerasse feliz…

Dia 08 de Agosto fui chamada a uma sala, juntamente com o meu namorado, onde estava o diretor do serviço, o diretor do hospital, a equipa de enfermeiros desse turno e foi-nos transmitido que o bebé era pequeno para o que seria de esperar, que a minha placenta não estava a alimentá-lo convenientemente, que os meus órgãos estavam a entrar em falência e que teriam de interromper a gravidez.

Ali, naquela sala pequena, o mundo desabou! A partir daí, dessas palavras, foi como se entrásse em “piloto automático”, como se ficasse anestesiada, como se deixasse de estar lá (mas também não vos sei dizer onde andaria)… Era uma decisão que só eu e o meu namorado poderíamos tomar mas…não havia mais nenhuma! Por isso, e até hoje, não percebemos o porquê de ter de fazer um pedido à comissão de ética do hospital a pedir essa interrupção.

Percebo que será uma maneira dos profissionais se salvaguardarem, mas…será que eles saberão o que significa para uma mãe, para uns pais fazer um pedido para que matem o filho?!

Ainda hoje, passados 4 meses, se me pedem para assinar qualquer documento, eu viajo instantaneamente para aquela sala, para o assinar daquela folha branca! A única coisa que de alguma forma me alivia um pouco a dor, é que os médicos sempre disseram que se eu ficasse em risco de vida, eles iriam intervir mesmo sem o parecer dessa comissão de ética e…foi mesmo isso que aconteceu!

Às 22 semanas e 1 dia (dia 10 de Agosto) nasceu o meu Miguel, de parto normal e sem direito a epidural, uma vez que o valor das minhas plaquetas não me permitiram levar…

Tive dores, induzir o parto foi horrível, as contrações não são fáceis e o expulsar a placenta também não foi (tive de ir ao bloco para conseguirem) mas o que mais me doía e dói, até hoje, é a alma! Tudo, todos os sonhos acabaram ali e tenho muitas saudades das coisas que nem nunca vivi, não sei se me conseguem entender…

Escolhi (e uma vez que moramos a muitos quilómetros da maternidade e o meu companheiro estava a acabar de chegar a casa depois de ter estado comigo) passar pelo parto sem a presença dele, escolhi poupá-lo a isso. Não o deveria ter feito! O pai precisa estar connosco para conseguir perceber melhor por tudo o que passámos. Se me posso arrepender de alguma coisa, é do ter poupado a isso sem sequer lhe perguntar qual era a decisão dele.

Também escolhi não conhecer o meu Miguel…ainda não sei se fiz bem já que em quase todos os vossos testemunhos vocês escolhem ver os vossos bebés mas…a verdade é que não tive coragem. Foi o que me fez mais sentido na altura, sabendo que só teria essa oportunidade e que me poderia arrepender mais tarde…(e ainda não me arrependi).

Passado todo este tempo ainda não temos resultados dos exames feitos ao bebé e placenta, nem de análises super específicas feitas a mim (e só terei nova consulta em Fevereiro!) que me expliquem o porquê, precisava disso para me aliviar, de alguma forma…o diagnóstico foi que tive pré-eclâmpsia com síndrome de HELLP mas não percebem o porquê. Até porque, ao que parece, a pré-eclâmpsia está descrita nos manuais que pode acontecer a partir das 20 semanas mas nunca acontece, é só mais no final da gravidez e eu…comecei antes das 19 semanas, até! Todos são de opinião que tive algo muito grave mas…não o conseguem explicar! Provavelmente terei alguma doença autoimune mas não sabem com certeza e muito menos qual! Ainda pensaram que poderia ser hipertensa ou diabética antes da gravidez e não saber mas…isso já está posto de parte.

Será que alguma vez conseguirão descobrir? Não sei. Será que poderei voltar a tentar?

Não sei. Será que ainda está guardado algo bom para mim? Também não sei, mas gosto de pensar (e agora consigo finalmente fazê-lo) que foi o melhor para mim mas, e acima de tudo, para o meu Miguel. Ele está bem e eu também terei de ficar para ele estar feliz, acredito nisso!

Se é fácil? Não! É a pior coisa do mundo! Nenhuma mãe devia passar por isto mas, com muita força de vontade e ajuda psicológica, posso dizer-vos que é possível ter esperança num futuro mais bonito para nós.

Mesmo com frases do tipo “sabes, também já não és nova”- fiz agora 40 anos…; “foi melhor agora que mais para a frente”- às 22 semanas +1dia dói menos?! É perder um filho; “Não podes estar assim”- quem disse? Eu estou como quero e consigo!; “Não chores!” – porquê? Tenho mais é de chorar, deitar tudo cá para fora!; “Sabes? É o teu corpo que não dá!”-esta foi a mais dura porque até agora tudo indica que foi mesmo o meu corpo que foi fraco, mas precisava que me dissessem isso? Ninguém precisa!

Nós somos mais fortes, sabemos que, no fundo, as pessoas não sabem o que dizer e, quando dizem, só dizem disparates! Coitadas é delas!

Estamos numa época do ano que julgo ser ainda mais desafiante para todas nós (e o meu Miguel tinha data prevista de nascimento para dia 11 deste mês de Dezembro e seria o seu 1º Natal) mas nós somos fortes, somos guerreiras e vamos conseguir lidar com tudo isto com mais leveza, já que esquecer nunca o vamos conseguir (e acho que nem queremos).

Desejo que também vos seja possível acreditar e dou um grande beijinho no vosso coração. Estou aqui e disponível para falar convosco, em particular, se sentirem que vos posso ajudar com alguma coisa.

Mamã da Estrelinha Miguel

2 comentários a “Dora”

Olá Dora!
Como me revejo no seu testemunho!
Tudo igual a mim! Até um Miguel que amamos e que nos levou um pedaço do coração!
Perante a gravidade do seu caso, os médicos também a aconselhem a não voltar a engravidar?
Um grande beijinho e muita força

Olá Ana!

Desculpe, só agora vi que tinha comentado a minha história…

Sinto muito pelo seu Miguel (curioso ser até o mesmo nome). Coisas destas não deviam acontecer a ninguém e muito menos a tantas “Doras” e “Anas” por esse mundo .

No meu caso, ainda estão a tentar perceber o porquê de ter acontecido (quase há 9 meses!), ainda não me disseram se poderei ou não voltar a tentar… Já sei que não sou diabética nem hipertensa crónica. Sei que não havia nenhum problema relacionado com incompatibilidades genéticas entre mim e o meu “namorido” mas ainda não tenho, por exemplo, os resultados das análises ao bebé nem à placenta. Tudo demora uma eternidade (e, pelo que me dizem, não há maneira de tornar as coisas mais rápidas), é angustiante porque quase que parece que estou a lutar contra o tempo
No próximo mês irei a uma consulta de doenças auto-imunes que me marcaram, vamos ver o que acontece…

Se quiser falar comigo mais em pormenor sobre alguma coisa estou por aqui, pode pedir o meu contato aqui às meninas Cláudia ou Renata

Um abraço apertadinho

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *