Em 2009 nasceu a minha primeira filha. Depois disso tive três perdas. Uma história como tantas outras. Porém única, é a minha.
Quando era adolescente dizia que a pior notícia que eu poderia receber na vida era saber que não poderia ter filhos. Felizmente, quando senti o chamamento da maternidade pela primeira vez, tudo correu bem; com alguns percalços durante a gravidez, mas nada que abalasse verdadeiramente o meu estado de graça.
A 16 de Fevereiro de 2009 nasceu a Sofia! Que momento tão feliz!
Ainda no bloco de partos, logo depois da Sofia nascer, já estávamos a combinar o nosso segundo filho! Prevíamos dar um/a irmão/ã à Sofia quando ela tivesse dois anos. Tudo tão perfeito.
Passados esses dois anos, a crise de 2011 assombrou verdadeiramente os nossos sonhos. Estávamos os dois desempregados e ter outro/a filho/a nesse momento não era de todo sustentável. Sonho adiado.
Em 2013 consegui finalmente trabalho depois de um longo período de desemprego, num colégio privado. Precisava muito de trabalhar, tanto pela necessidade financeira, como pela valorização enquanto pessoa útil e profissionalmente ativa. Sou uma pessoa que precisa de ter um emprego fora de casa e ser professora faz-me tão feliz! O trabalho a contrato e a necessidade de manter o emprego adiaram novamente o sonho de voltar a ser mãe – não podia correr o risco de não me renovarem o contrato.
Sem dar conta, já estava com 39 anos. O tempo voa! Tudo o resto passou para segundo plano… o desejo de ter outro/a filho/a era superior a tudo. Era um sonho nosso, inicialmente a dois, a três logo que a Sofia começou a pedir um/a irmão/ã por volta dos 3 anos de idade. Era este o momento. Decidimos tentar.
Demorou cerca de oito meses. Desconfiava que poderia estar grávida, mas isso era tão importante para mim que decidi deixar o teste para um dia especial, o dia do meu aniversário: 40 anos. Deu positivo! Felicidade transbordante. Queríamos muito contar à Sofia, mas decidi esperar, exatamente pelo conhecimento de situações de perda gestacional das quais tinha conhecimento, longe de pensar que seria essa a minha situação.
25 de Julho de 2016, uma ligeira perda de sangue. Nos dias seguintes a hemorragia aumentou e, depois de observada no hospital, a pior das notícias, o bebé não tinha batimentos. O meu mundo ruiu… Tive que tirar o meu bebé de dentro de mim, não havia qualquer milagre que lhe devolvesse a vida.
Provocaram-me o parto e passei por um longo processo de expulsão do meu bebé, doloroso fisicamente, destruidor emocionalmente. Expeli o meu bebé inteiro. Vi-o naquela aparadeira… Tão difícil passar por isto. Tão horrível. E mais difícil ainda porque todo este processo acontece na maternidade, ao lado de parturientes que acabaram de ter os seus bebés, a ouvir choros dia e noite. Temos que lidar com a nossa tristeza ao lado da alegria dos outros. É tão bom ver pessoas felizes! Mas nesta situação aumenta exponencialmente a nossa dor. Chorei. Chorei muito. Durante muitos dias. Senti-me culpada. Procurei justificação nos meus atos para o sucedido. Seria a medicação para a enxaqueca, seria o saltinho que dei no passadiço, seria pegar na bacia cheia de roupa para estender? Um sentimento desesperante.
Passado algum tempo, recebi o resultado das análises. O meu bebé estava com malformações e foi essa a causa do abortamento. Não tinha sido culpa minha. E as frases repetiram-se “Foi melhor assim.”, “A natureza sabe o que faz.”, “Isto acontece muitas vezes, é mais frequente do que imagina.”. Uma tristeza imensa e um vazio escondido tomavam conta de mim. Mas estava tudo bem fisicamente e podia tentar novamente. Decidimos tentar acreditando que desta vez ia correr tudo bem.
Em Novembro de 2016 voltei a engravidar. Uma felicidade contida e um medo incontrolável de ver sangue cada vez que ia à casa de banho. Tentei ser o mais positiva possível, acreditar, eu queria tanto o meu bebé! Até que, em Dezembro, na semana antes do Natal, acontece o que eu tanto temia: perda de sangue.
Na ecografia não dava para ter a certeza se estava em processo de abortamento, o embrião ainda era muito pequenino, e nesta fase nem sempre se consegue detetar os batimentos cardíacos. Teria que esperar e ver o que acontecia com o meu corpo. Dias terríveis se seguiram. A hemorragia aumentou e fui percebendo o que estava a acontecer. No dia em que abortei espontaneamente em casa, a Sofia falava constantemente que queria um/a irmão/ã, perguntava-me porque é que eu não tinha um bebé, dizia-me que eu não tinha um bebé porque não queria. Mais um dia terrível, insuportável. Duas dores simultâneas: perder o meu bebé e ser pressionada pela Sofia, que não sabia o que se estava a passar.
Tantos momentos de tristeza profunda, choro, noites sem dormir. E o silêncio. Um silêncio que me dilacerava, mas evitava falar deste assunto. Não por vergonha, que nunca a senti, não sou menos mulher, menos mãe, nem menos ser humano por isto que me aconteceu. Silêncio para proteger a Sofia, queria preservá-la deste sofrimento atroz, silêncio para não impressionar os outros negativamente, o facto de me ter acontecido não devia influenciar o seu estado, silêncio por sentir falta de abertura para me expressar e poder desabafar. Tive algumas pessoas comigo nestes momentos, mas eu sentia que não tinha o direito de incomodá-las com o que eu sentia.
O tempo passou. Decidimos tentar novamente. Queremos tanto um bebé!
Desta vez demorou mais tempo a engravidar, quase um ano. Neste período de tempo vivi sufocada pelo desejo de ser novamente mãe, passei a conhecer o meu corpo e todos e quaisquer sintomas, sabia o meu período fértil, contava os dias do meu ciclo menstrual, estava obcecada por algo que deveria ser natural, mas o meu relógio biológico exercia uma pressão incontrolável sobre mim.
Em Dezembro de 2017 percebi que estava grávida, fiz o teste e deu positivo. Felicidade contida e uma grande esperança de que à terceira é de vez, vai correr tudo bem. Mas não correu. Em Janeiro, numa consulta, soubemos que o bebé tinha parado de desenvolver às 8 semanas, não havia qualquer hipótese de esta gravidez progredir. Mais uma semana de espera. Tão difícil viver com um bebé morto dentro de mim…Mais uma vez tive que ir tirá-lo ao hospital. Desta vez a maternidade estava cheia. Colocaram-me neste processo de abortamento num quarto dentro do bloco de partos, resguardada. Sozinha… tão sozinha… e a ouvir e a ver recém-nascidos… A dor foi tão grande.
As noites e as viagens de carro eram a chorar. Cheguei a ter de encostar o carro para chorar. A pressão da Sofia para ter um/a irmão/ã aumentava, culpava-me de não querer ter um bebé, de não acreditar que conseguia ter um… Não suportava mais este sofrimento escondido. Tive que lhe contar o que se passou. Queria resguardá-la desta dor mas era insuportável. Chorámos as duas. Sofreu e percebeu que afinal eu não tinha culpa. Como eu queria ter evitado isto…
Tenho muitos irmãos e sei como é maravilhoso ter irmãos. Uma das maiores tristezas que carrego é não ter conseguido dar um/a irmão/ã à Sofia. Sonhei que crescessem juntos e construíssem uma relação forte e cúmplice. Não consegui dar-lhe o maior presente que uma criança pode ter…
Em Março de 2020 com o início da pandemia pensei “Não é uma boa altura para ter bebés, se calhar é melhor voltar a tomar a pílula” mas logo de seguida pensei “mais de um ano sem pílula e não engravidei, não vai ser agora que vai acontecer.” Não pensei mais no assunto. Em Abril de 2020, com 43 anos, percebi que estava grávida. Tive muito medo de uma nova perda e da pandemia que estava no início e era por si só assustadora.
Felizmente correu tudo muito bem. A minha bebé arco-íris nasceu em Janeiro de 2021, tinha eu 44, é saudável e super bem desenvolvida. Está quase a completar 2 anos de traquinices e muito amor.