É a primeira vez que te escrevo desde o dia em que soubemos.
Desculpa a ausência. Podia-te mentir e dizer que estive muito ocupada, mas a verdade é que nem estive assim tão ocupada.
Mas estive a reaprender a viver e a saborear as pequenas coisas, como ver um filme (que nem precisa de ser bom) no sofá, enrolada numa manta com o teu pai, ouvir música, cantar (desafinada) e passear, e a reaprender (ou talvez aprender, pela primeira vez) a trabalhar com calma, serenidade e consciência. Não foi algo forçado, mas se a tua chegada já foi transformadora, a tua partida foi ainda mais.
Eu estava bem, a sério que estava. Mas estes últimos dias têm sido difíceis. Tenho saudades tuas e uma tristeza profunda por saber que nunca te vou conhecer. Sinto-me quase vazia, como o pequeno saco que se formou no meu útero. Uma pequena casa que nunca foi habitada.
Eu estava bem, a sério que estava. Mas agora preciso de respostas. Preciso de voltar a confiar no meu corpo. De voltar a acreditar que sou capaz de gerar uma vida e dar colo. Eu, que sempre me considerei cética, preciso de acreditar em algo mais forte do que números e ciência.
“Estas coisas acontecem, 1 em 4 gravidezes conhecidas.” Ok, mas e então? Porque é eu o teu pai fomos o 1 em 4? Porque é que não fomos o 3 em 4? Bem sei, nos escombros do meu ceticismo, que foi completamente aleatório, que nós não fomos escolhidos por uma entidade divina para alcançarmos um bem maior, acabar com a fome ou alcançar a paz no Mundo. Mas isso não torna menos duro.
Eu estava bem, a sério que estava. Mas já passaram dois meses e sinto-te cada vez menos. Dois meses de tristeza, medo e dor, mas também de alegria, tranquilidade e amor. Afinal, tudo vai correr bem. Será que vai?
Estou cansada de ser forte. Quero enrolar-me no meu corpo e ficar. Só hoje. Amanhã já sou forte outra vez – ou pelo menos funcional. Pode ser? Amanhã já volto a pensar nos problemas do dia-a-dia, nas contas para pagar, na cadela que precisa de ser escovada, nos planos para a Passagem de Ano e no que vou fazer para jantar. Mas hoje quero desligar, enrolar-me no meu corpo e ficar.
Eu estava bem, a sério que estava. Mas é Natal e tudo doi mais porque tu não estás aqui.
2 comentários a “Joana”
Sinto que a compreendo bem, porque passei por emoções muito similares. Tenha o seu tempo e usufrua dele também a seu tempo. Merece o e precisa disso. O mundo continua para os outros mas para nós que perdemos, não é assim tão linear. Não é a esse ritmo robótico e surreal que tantas vezes somos pressionadas a viver. Um abraço cheio de carinho e muita esperança
Obrigada pelas palavras tão carinhosas. Um abraço de volta <3