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Joana

No início de 2021, que toda a gente desejou ser o ano em que começam a acontecer coisas boas, descobri que tinha ficado grávida. Embora não tivesse sido uma gravidez planeada, já não usava contraceptivos há algum tempo, portanto era algo para que estava preparada. A notícia veio com surpresa, mas muita alegria. Achei que era uma premonição, 2021 é o ano em que tudo muda para melhor. 


Não tinha ideia de quando tinha ficado grávida, e como estava com spotting muito leve fui fazer uma ecografia e recebi a notícia: 6 semanas, batimento cardíaco normal, lá estava o meu feijãozinho a nadar de um lado para o outro e a piscar.

Nesse dia tudo mudou. Íamos ser pais! Disseram-nos que após ver um batimento cardíaco a probabilidade de perda gestacional desce para os 3% a 4%.

Sou relativamente jovem, saúde exemplar, hemoglobina perfeita, sem diabetes, pressão arterial normal, ácido fólico no máximo, nada que indicasse qualquer risco. Sentimos-nos confiantes para contar à família mais próxima e aos nossos melhores amigos.

O meu corpo estava-se a adaptar muito rápido, nas semanas seguintes o meu peito cresceu imenso, já tinha uma barriguinha super fofa. Todas as noites adormecia a fazer festinhas “ao meu bebé” e a falar com ele baixinho.

O spotting leve eventualmente parou, a enfermeira disse-me que eram óptimas notícias, provavelmente um vaso sanguíneo mais sensível ou restos do sangramento de implantação.

Além de alguns enjoos estava a ter a gravidez perfeita. Ao final de 3 semanas fomos fazer nova ecografia.

Estávamos super entusiasmados para ver o nosso bebé outra vez! Sentámo-nos com a enfermeira, verificamos a pressão sanguínea, tudo óptimo, continua tudo perfeito.

Começa a ecografia, o feijãozinho brilhante não está em lado nenhum.

Após uns segundos em silêncio ela pergunta se pode fazer uma ecografia intravaginal que é mais exacta. Respondo que claro que sim, quero ver o meu bebé!

Mais silêncio… Já a prever o que vem a seguir pergunto se está tudo bem. A cara da enfermeira mudou… Pede desculpa, não encontra o batimento cardíaco. Aqui está o bebé, mas não mexe. Desta vez já consigo ver a cabeça, os bracinhos e as perninhas mas está quietinho, não nada, não pisca. “Não é culpa de ninguém, 90% das vezes são problemas nos cromossomas e é inevitável!” … E nos outros 10%? Silêncio…

Disseram-me para voltar para casa e descansar. É muita informação. Choro durante 2 dias, faço festas no meu bebé e desejo que seja um erro, peço-lhe desculpa, digo-lhe que vai ficar tudo bem.

Tenho três opções: esperar que a natureza faça o seu trabalho (opção ideal), provocar o aborto com medicação (opção intermédia, supõe menos riscos), fazer uma curetagem (pode interferir com gravidezes futuras, menos aconselhável).

Dizem-me: “O pior já passou”, “És jovem e saudável!”, “Tens outro!”, “Não era nada, eram só células!”, “É normal!”

Ao final de mais de duas semanas sem nada acontecer, volto à ginecologista que me aconselha a fazer o aborto com medicação em casa.

Vou para casa, tomo as primeiras doses de comprimidos – náusea, mal estar, vómitos. Ao final de 36 horas devo inserir o misoprostol. Em apenas uma hora começo a ficar com dores horríveis, cólicas que não passam com nada, parece que me estão a arrancar as entranhas. Ao final de duas horas começa o sangramento.

É horrível, intenso, nada me preparou para o que vem a seguir; pedaços do tamanho de ameixas a sair misturados com sangue, sangue na sanita, no chão, em todo o lado, cada vez que me mexo com as dores sai mais sangue. Acabo por me deitar na banheira para tentar acalmar a dor e controlar a sujidade. Acabo por estar 2 horas sentada numa poça de sangue que não para de aumentar.

Finalmente as dores acalmam e penso que o pior já passou. Levanto-me para tentar colocar um penso higiénico e poder ir para um lugar mais confortável, quando cai no chão o meu saco gestacional. Do tamanho de uma pequena laranja.

Fico em pânico. O meu marido ajuda-me a tomar banho, vestir e deitar e vai limpar a casa de banho. Continuo a perder mais de 1 penso higiénico de sangue a cada 10 minutos, não consigo ter roupa vestida sem a sujar.  Continua por mais 2 horas, cada vez que vou à casa de banho trocar o penso sinto pedaços a saírem de dentro de mim. Eventualmente reduz para a quantidade de um período normal. Consigo finalmente deitar-me, comer descansar. 

Dizem-me: “O pior já passou”, “És jovem e saudável!”, “Tens outro!”, “Não era nada, eram só células!”, “É normal!”

Se o pior já passou porque é que eu sinto que está apenas a começar? Se sou jovem e saudável porque raio estou nos 3%? E se não tiver outro e apenas passar por tudo outra vez?

Se eram só células porque é que tinha um batimento cardíaco, porque é que falei com ele todos os dias até adormecermos juntos? E se é normal… porque é que me sinto num poço sem fundo e não vejo forma de sair daqui?

2 comentários a “Joana”

Hoje as minhas palavras vão para Joana… Joana eu sei o que é estares nesse poço sem fundo… Eu estive lá no dia do Natal do ano 2019…quando a minha filha faleceu às 30 semanas.. E tive de ouvir as piores palavras que uma mãe pode ouvir “desculpe não tem batimentos… “…
Não te quero dizer ” Vais ter outro… “Porque um filho é insubstituível… Mas faz o teu luto.. Chora tudo… E lembra-te depois da tempestade vem o arco íris. Hoje vivo em paz.. Não m esqueço da minha 2 filha mas o meu bebê arco íris veio trazer luz.. Assim como tu terás o teu❤ abraço-te❤

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