No dia 7 de Dezembro fui ao hospital fazer um exame regular do papanicolau e a enfermeira perguntou-me, antes de fazer o exame, se eu poderia estar grávida. Nós tínhamos tentado umas vezes e o meu período não tinha vindo no mês passado, mas eu tinha feito um teste em casa e era negativo. Ela pediu-me para fazer outro teste antes do exame “just in case”. Eu aceitei sabendo que o resultado seria negativo. 15 minutos depois o resultado mostrou ser positivo e eu fiquei em choque.
Era um bebé planeado e desejado mas, sendo a primeira gravidez, há sempre aquele misto de felicidade, medo, expectativa, euforia.
Eu estava grávida de 6 semanas e, até às 21 semanas, nunca houve nada de errado com exames. Apenas queríamos que o bebé fosse saudável e não queríamos saber o sexo do bebé até ao parto. O meu exame dos cromossomas das 12 semanas revelou que eu tinha apenas 1 chance em 9000 em o bebé ter trissomia 21 ou Síndrome de Edwards. No exame de morfologia, em Março, confirmou-se que o nosso bebé era esse caso em 9000.
A 9 de Março de 2021, tive a consulta de morfologia com um scan que revelou que o bebé tinha um “buraco” no coração e lábio leporino. Levaram-nos para um quarto pequeno, onde só havia um sofá, uma mesinha com lenços de papel, ao que o meu parceiro disse logo “este é o quarto das más notícias” e até ouvir da boca da enfermeira eu não queria acreditar. Pediram-nos para voltar outra vez na sexta 12 de Março para um teste com uma especialista de problemas cardiovasculares de bebés dentro da barriga. Nesse exame, ligaram o som do coração pela primeira vez e, porque o foco da consulta era perceber o que se passava com o coração, não me avisaram que iam ligar o som que eu nunca tinha ouvido. Foi a primeira e última vez que o ouvi. Depois da consulta e outra vez numa sala de más notícias, a médica explicou-nos que o problema com o coração por si só não era raro, mas associado ao lábio leporino, céu da boca rasgado e algo anormal no cérebro, o diagnóstico não era animador.
Foram-me dadas 3 escolhas:
- 1) espero mais umas semanas e faço o exame da amniocentese para saber mais sobre este diagnóstico;
- 2) Levo a gravidez até ao fim e o bebé pode ou não sobreviver ao parto mas se sobreviver, certamente vai ter uma qualidade e esperança de vida muito limitada;
- 3) termino a gravidez imediatamente com ajuda médica.
Foi a decisão mais rápida e mais difícil que tomei na minha vida. Os dias que se seguiram foram uma espécie de pesadelo. Naquela sexta feira tomei o primeiro comprimido para parar as hormonas da gravidez e no domingo dei entrada no hospital às 4 da tarde. Às 7 da tarde tomei o primeiro comprimido de 5 para provocar o parto e, durante horas, estive numa luta com o meu corpo porque este teimava em dizer à ciência que não era a hora.
A Rita Leonor nasceu as 12h30pm no dia 15 de Março e não sobreviveu ao parto, como era de esperar. Ficamos a saber que tínhamos uma filha e como não tínhamos preparado nada, nem nome, decidimos na hora dar-lhe o nome das nossas avós que já tinham falecido. Felizmente, há gente maravilhosa neste mundo, e as parteiras foram anjos e trouxeram cobertores e roupas que outros anjos tinham tricotado para famílias nesta situação impensável. Eu não queria ver a bebé inicialmente mas ainda bem que tive um momento de clareza e tivemos o nosso tempo para segurar a bebé e estarmos com ela sozinhos. Mostramos-lhe a nossa música favorita, tiramos fotos e dissemos adeus.
De volta a casa de braços vazios, foi tempo de recuperar e esperar pela notícia que o corpo estava preparado para o funeral depois de todos os exames feitos. O funeral foi dia 1 de Abril com apenas o meu parceiro e os pais dele. Seguiram-se meses de espera para o resultado dos exames e a confirmação de que a Rita Leonor tinha a síndrome de Edwards e que não sobreviveria ao parto. Seguiram-se meses de incerteza na relação, um luto tão diferente para mim e o meu parceiro, um abismo que se abriu entre os dois e que só o diálogo e a paciência cimentou a ponte entre os dois e reduziu a distância.
Hoje, ano e meio depois, estou grávida de novo, mas sem a expectativa da primeira vez. Há uma cautela enorme, um quase não querer sequer falar sobre para não “agoirar” ou não me apegar a este sonho de novo.
Esperamos ansiosamente pela ecografia das 20 semanas para podermos respirar sabendo que nada, nunca nada é garantido.