Foi no dia 30 de Novembro de 2020 em que descobrimos que o Gabriel crescia dentro de mim. Após duas perdas gestacionais e tentativas falhadas, o Gabriel vinha a caminho.
O nosso amor tinha triplicado; seria o pensamento que à terceira é de vez e que desta vez iremos ver nascer, e crescer, o nosso 3º filho.
Durante 41 semanas fui seguida no hospital como gravidez de risco, sempre com medos e receios.
As semanas e meses foram passando. Nas consultas e ecografias diziam-me sempre que estava tudo bem e nós íamos ficando cada vez mais tranquilos e desejosos de conhecer o nosso filho. Devido à Covid, o pai nunca pôde assistir às ecografias realizadas no hospital, só pôde assistir às ecos 4D que fizemos e onde soubemos que o nosso bebé seria um menino.
Ficámos tão, mas tão felizes que escolhemos logo o nome de Gabriel.
O nosso Gabriel nasceu no dia 16 de Agosto de 2021 às 22:08 após 22 longas horas em trabalho de parto com a bolsa rebentada. Nasceu de uma cesariana de urgência, exigida por mim, por não aguentar mais o longo e difícil trabalho de parto.
O nosso Gabriel nasceu com 3.890kg e 52cm, um bebé grande, lindo aparente saudável até que, quase duas horas após ele nascer, o pai estava a brincar com ele e viu que a respiração do Gabriel não estava normal. A pediatra pediu ao meu marido para sair para observar o nosso filho e foi aí que detectaram que algo não estava mesmo bem, que o Gabriel iria precisar de oxigénio. Entretanto eu cheguei do recobro e já não pude ver o meu filho. Apenas a pediatra e o meu marido me esperavam. A pediatra deu-me a notícia que o Gabriel teria de ficar a oxigénio e que se não recuperasse, teria de ser transferido para Lisboa para ter outro tipo de ajuda respiratória, que eles não tinham no hospital. A pior notícia que ela nos deu assim, sem rodeios, seria que as próximas horas seriam decisivas para o Gabriel .
Ficamos ali sem chão. O que ansiávamos há 41 semanas, este momento de estarmos juntinhos finalmente com o Gabriel nos braços, tornou-se o início de um caminho de separação por vários dias.
Ficámos os 3 sozinhos, um em cada lugar; o nosso filho lutando sozinho pela vida numa incubadora de hospital, o pai teve de regressar a casa sozinho e eu sozinha, no quarto de hospital, sem poder ter o Gabriel comigo .
Ainda nessa madrugada, recebi a notícia que o nosso filho iria ser transferido para Lisboa, e onde o pai recebeu o diagnóstico do Gabriel: nasceu com uma Cardiopatia Congénita complexa e rara, ou seja, com varias malformações no seu coraçãozinho lindo e cheio de amor .
O Gabriel nasceu com uma TGA- Transposição das Grandes Artérias; coartação da artéria aorta, uma displasia na válvula tricúspide e uma CA -comunicação entre aurículas. Após o diagnóstico, o nosso filho foi transferido para o Hospital Santa Cruz, onde foi feito uma CV através de cateterismo.
Estive separada do meu filho quase 3 dias porque, como foi cesariana, tive de ficar no hospital em Santarém e o meu filho em Santa Cruz. Passei 3 dias sem saber se o conseguiria ver antes do Gabriel ser operado. Foi o pai quem esteve com o Gabriel esses 3 dias, mas só de dia, porque de noite não podíamos permanecer junto do nosso filho.
O estado clínico do Gabriel era bastante reservado e requeria muitos cuidados. O Gabriel precisava de ser operado o mais rapidamente possível, mas uma septicemia o impedia. Foi uma semana de luta contra a septicemia, nós nem lhe podíamos tocar sequer…era imensamente duro não o poder fazer, mas sabíamos que era para o bem do nosso filho.
O Gabriel foi operado à coartação da aorta ao final de uma semana de ter nascido. Três semanas depois foi operado para colocar um banding na artéria pulmonar, porque o pulmão esquerdo estava a ficar demasiado afetado e irrigado de sangue.
Após isto tudo, o nosso filho ainda tinha que passar por outra cirurgia, “grande cirurgia”, a troca das grandes artérias, a válvula tricúspide e o encerramento da CA e CV, mas o Gabriel precisava de estar bem para esta operação.
Entre estas duas cirurgias, o nosso filho teve um episódio de convulsões derivado a ter líquido entre o cérebro e o crânio, por causa do longo trabalho de parto – as horas sem oxigénio suficiente- mas conseguiu reverter a situação e recuperar bem, sem quase nenhuma sequela. Após a segunda cirurgia, contraiu uma infeção, chamada uma endocardite – uma infecção nas paredes do coração e seis semanas de antibióticos se seguiram até à grande cirurgia.
Como mãe, esperei 28 dias para o pegar ao colo, e ter o meu filho em meus braços, e o pai quase 2 meses para poder pegar no colo o nosso filho. Mas tudo isso ultrapassamos, pois o que mais desejávamos era que o nosso filho ficasse bem e viesses para casa connosco .
Nem sempre o nosso filho esteve muito mal… o Gabriel era um valente, um lutador, foi sempre surpreendendo tudo e todos, dando a volta por cima – ele sorria, fazia cara de sério, poucas vezes chorava, aliás só chorava quando tinha a fralda suja ou quando tinha cólicas.
O nosso filho lutou imenso – uma semana antes da grande cirurgia à artéria aorta. Teve de lhe ser feito um cateterismo de urgência na quinta-feira antes da grande cirurgia, que correu muito bem . O nosso filho foi operado dia 26 de Outubro de 2021: a grande cirurgia, o que faltava para recuperar e vir para casa .
Foram 8 longas horas, as mais longas de sempre, que acabaram da pior forma, o nosso filho lutou com tudo, com todos os seus recursos, para sair do bloco bem. Lutou para vir para juntinho de nós fisicamente, mas algo não deixou. A cirurgia, em si, correu bem mas recebemos a pior notícia, a notícia que nenhum de nós queria ouvir ou acreditar, aliás nenhuns pais deveriam ouvir: que o nosso filho partiu para onde nunca mais o podemos ver, ouvir, sentir (não fisicamente porque o nosso filho vive em nós), enquanto sobrevivermos a esta dor imensa.
Temos e sentimos um orgulho imenso no nosso filho. Amamos-te imenso, filho. O nosso nenuco bochechinhas de sorriso lindo e coração cheio de amor.