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Soraia F.

“Matei o meu filho”.

Foi assim que dizia a minha psicóloga quando a procurei. Hoje, consigo dizer quer foi um ato de amor, pelo meu Salvador. 

Decorria o ano 2023, fevereiro, quando realizei um teste de farmácia com alguma esperança e o positivo chegava.

Era segunda-feira de carnaval, tinha ido renovar o cartão de cidadão do meu filho mais velho (sim, para mim, o meu Martim é o mais velho).

Após a renovação, fui à farmácia e comprei um teste. Fui para casa e com alguma esperança fiz o teste. POSITIVO.

Não cabia em mim de felicidade. O Martim estava comigo e foi o primeiro a saber. De seguida, liguei à minha melhor amiga e depois à minha irmã. Era para fazer uma surpresa ao meu marido, mas não conseguia disfarçar mais e tive que contar.  Fomos à minha obstetra, fiz ecografia e estava de 6 semanas. Já se via o coração a bater. 

Após isso, fui chamada para as consultas na maternidade. Era dia 3 de Abril quando entrei naquela sala sozinha, pois a minha mãe tinha ido com o Martim comer alguma coisa. Assim que ouço o meu nome liguei para virem. Felizmente, não chegaram a tempo de verem, digo isto por causa do meu Martim. Estava de 9 semanas e o embrião não tinha desenvolvido, e já estava morto. Sofri um aborto retido. Foi-me dada medicação para expulsar. 

Vim para casa, acabando por expulsar já em casa.

Não posso dizer que o dia 3 foi o pior dia, porque para pior dia, foi mesmo o dia 28 de Dezembro de 2023.

Após todo o procedimento ter corrido bem, tive “autorização” para uma segunda tentativa e assim o fizemos.

Era Agosto, 5 de Agosto de 2023 fui fazer o Beta HCG para ter a certeza, pois estava atrasada na menstruação e não existia sinais que iria menstruar. 

Eram 14:30 mais ou menos quando me chega um e-mail com o resultado. POSITIVO 

Entrei num misto de sentimentos, o meu marido estava comigo. O primeiro passo foi ligar à minha obstetra e dizer. Pediu que no dia 20 me dirigisse ao serviço de urgência da maternidade para me ver. Logo aí tomamos a decisão de não contar a ninguém, pois o medo era tanto. 

Então lá fomos nós ver o nosso bebé e estava tudo bem. Ela questionou-me sobre qual o meu medo e eu rapidamente disse: “passar pelo mesmo que tinha passado em Abril”. Tranquilizou-me pediu para eu ir lá no dia 30 para ser vista novamente.  E lá fui eu no dia 30. Continuava tudo bem.

Fui chamada novamente para consulta na maternidade no dia 29 de Setembro, já estava de 12 semanas. Fui à consulta e ecografia, onde nos disseram que seria um rapaz e que estava tudo bem. Decidimos então contar a família nesse mesmo dia, já que o pai fazia anos e aproveitamos e contamos.

Estava tudo a correr bem, mesmo estando com diabetes gestacionais.

Chegou a eco do 2º trimestre. Ja estávamos em Dezembro, dia 6, quando fui realizar a eco. O Salvador não colaborava muito nas ecos. Era do contra, como eu dizia. A médica pediu para eu vir caminhar um bocadinho e comer qualquer coisa para ver se corria melhor da segunda vez. E assim o fiz.

Entrei, ele já estava mais colaborante. Quando a Dra me diz que ia chamar um colega para ajudar, pois existia ali um problema nos rins, o meu coração parece que parou. Veio o colega que confirmou mesmo que os rins estavam afetados. Um rim displáxico e o outro com uma dilatação muito grande. 

Foi-me proposto a realização da amniocentese. Realizei-a logo no dia, e foi-me falado no pior desfecho possível: interromper a gravidez. 

Logo aí entrei em negação, para mim o Salvador nascia e ponto final. 

Procuramos uma segunda opinião médica, e o Dr. disse logo que não havia muito a fazer, para partimos mesmo para a interrupção. Mais uma vez entrei na fase da negação. 

Dia 20 de Dezembro, a minha obstetra faz eco e só me diz que não havia muito a fazer, pois o Salvador estava a perder líquido.  Então tomei a decisão de interromper. Já estava de 24 semanas. Foi a conselho médico e foi aprovado.

Desde o dia 6 que contei tudo ao meu Martim.

No dia 27 fui a maternidade para sedação do Salvador e tomar medicação. Pedi ao Dr. para o ver pela ultima vez e assim o fiz. Neste dia,pouco havia a fazer,pois a placenta ja se estava a “colar” a ele.

Estava sozinha naquela sala, sem apoio do marido, mas com uma enfermeira excelente, que, no fim da sedação, me deu o “colo” para chorar.

Vim para fora, onde reuni com ela e com o meu marido. Colocaram-nos algumas questões e fizeram a explicação de todo o processo que aconteceria no dia seguinte. 

Foi-me colocada a questão se eu queria ver após o nascimento, ao qual respondi prontamente que sim.

E se queríamos fazer funeral, e a resposta foi a mesma sim.

A parte difícil veio quando cheguei a casa e falei com o Martim que, na altura, tinha 13 anos. Como sempre soube tudo do que se passava com o irmão e quis a opinião dele, se trazíamos ou não o mano (realização do funeral). Foi então que percebi que, afinal, ou Martim não tinha percebido bem ou então entrou em negação como eu. Ele só me respondeu: “não o vais trazer?” E eu disse: “não filho, quando o mano nascer já vai nascer sem vida”.

Ele olhou para mim e disse:” então trás e mete ao pé do bivô”.

Dia 28 de Dezembro, com 25 semanas, chego à maternidade pelas 9h acompanhada pelo meu marido e pela minha irmã. Faço inscrição no serviço de urgência, entro explico o que iria fazer e são-me colocados os comprimidos para iniciação de trabalho de parto.

Após isso, vem um auxiliar para me levar para o quarto. Despeço-me da minha irmã a chorar e vou. O meu marido acompanhou sempre.

Após já estar pronta para o que viria a seguir, vem a Dra. da genética ter connosco a dar conhecimento do resultado da amniocentese. Estava limpa, disse ela. O Salvador não tinha nada a não ser mesmo a situação dos rins, que era incompatível com a vida.

Às 18h, sou reavaliada pela Dra onde diz que iria para a sala de partos para levar a epidural. 

Sempre que tinha dores, as enfermeiras davam-me medicação, diziam elas que eu não precisava de sofrer, pois a maior dor já estava a ter: a perda o meu filho.

Quando cheguei à sala de partos, já não dava para levar a epidural, pois o Salvador estava mesmo para nascer. Foi o pior momento: entrei em negação, encolhi-me toda para ele não nascer.

Mas o meu corpo fez tudo contra a minha vontade naquela altura. Senti “vontade” de me virar para cima, e fui eu que disse “ele está a nascer”. 

O silêncio naquela sala era tão grande. Não havia choro e a minha reação foi logo dizer que o queria ver. Responderam que sim que só o iam limpar e que já o traziam.

Passado algum minutos e após eu ter explusado a placenta, chega o tão desejado momento. Vê-lo. 

Retiraram o que ele trazia a protegê-lo e eu via ali o meu filho, o meu Salvador.

Mal o vi, só lhe pedia desculpa de o ter matado. Toquei e pedi para lhe pegar ao colo. Foi dos momentos mais mágicos e mais triste que tive. Ele estava ali comigo, mas não chorava.

Dia 29 tive alta, e é uma dor tão grande vir embora de colo vazio. 

O passo mais importante que dei foi procurar ajuda. Liguei logo a psicóloga e a primeira coisa que disse na consulta foi: “Dra, matei o meu filho”.

Mas, hoje, felizmente graças ao acompanhamento e à vontade, consigo dizer que não o matei, mas sim, que tive um ato de amor pelo meu Salvador. 

Ele esta lá em cima com o bivô, na nuvem de amor que eles criaram e estão a olhar por nós. 

Quanto ao meu Martim, também ele é acompanhado por uma psicóloga, e hoje fala do irmão com muito orgulho, embora nada do que idealizou se tenha realizado. 

Para mim, o Martim será sempre o irmão mais velho.

Um beijinho, meu anjo Salvador. 

Um beijinho a todas as mamas de anjos.

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