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Eu e o meu marido planeamos ser papás e, por isso, ter um filho é um grande desejo dos 2 e um grande sonho que temos.  

Um projeto de vida para a vida, talvez o maior das nossas vidas. 10 dias antes de fazer 30 anos, tive o meu positivo. 13 de outubro de 2020 foi quando descobri que estava grávida (3+). Aahhh que felicidade tão grande, que sentimentos me invadiram tão bons.

❤

Admito que também fiquei com aquele nervoso miudinho e ansiosa para ir a uma consulta para perceber se estava tudo bem. Consegui consulta logo no dia a seguir ao meu aniversário, 24 de outubro. Fiquei a perceber que estava tudo bem, mas que tinha menos uma semana do que eu achava que teria. Explicação do médico: talvez por uma ovulação tardia. Um médico de poucas palavras e que apenas me mandou esperar e fazer caminhadas, também referindo: “das duas uma, ou ovulação tardia ou o feto não evoluiu”. 

E sabem quando nós mulheres ficamos desconfiadas e com um mau feeling?? O Dr. Google foi o meu aliado e eu li e reli montes de informação sobre estas questões. 

Voltei a ter outra consulta 10 dias depois e nessa consulta eu já consegui ver mais claramente o coraçãozinho a bater, porém não ouvi e não se via linha cardíaca. Fiquei um pouco apreensiva e fiz novamente muitas perguntas ao médico, sobre se isso seria normal, o qual me respondeu que sim para não ficar ansiosa e mais uma vez que tínhamos que esperar.

Claro que guardar este segredo só para nós é impossível, e decidimos contar apenas aos nossos pais e irmãos e também a um grupo de amigos muito restrito e mesmo muito próximo. Estava tão feliz, apesar dos enjoos, das dores nas mamas, e da barriga inchada que já não cabia nas calças. Impossível não criar expectativas e não sonhar e planear a nossa vida a partir daquele momento. É aquela sensação de que o maior milagre desta vida aconteceu e a partir do momento que temos o positivo estabelecem-se de imediato laços muito fortes.

Até que passado uns 10 dias, a um domingo à noite num momento em que vou à casa de banho, tive uma perda de sangue. Como tenho uma amiga que já tinha passado por uma perda gestacional, liguei-lhe de imediato a pedir opinião do que havia de fazer. Decidimos ir ao hospital e ela aconselhou-me a isso mesmo.

Passou-me muita coisa pela cabeça, mas nunca pensei ouvir o que ouvi: “lamento, mas não há batimentos cardíacos”…. o meu mundo desabou!!

Estava ali sozinha com a médica e enfermeira, o meu marido não pôde entrar. Fiquei apavorada, atordoada, deixei de ouvir por uns segundos, deixei de ver… Apenas consegui dizer: “mas não há nada a fazer!?!” e desatei a chorar sem conseguir parar.

Vai ser sempre a minha primeira gravidez, o meu primeiro bebé, independentemente das semanas que tinha.

Revivendo agora esse momento, sei que foi uma pergunta sem nexo, mas foi o que me saiu porque eu não queria acreditar no que estava a ouvir.
Quando me consegui acalmar, com o apoio da médica e da enfermeira, percebi que tinha sofrido um aborto espontâneo retido.

Esperei uma semana para ver se o meu corpo expulsava naturalmente, mas não aconteceu. Tive de fazer em casa o protocolo com medicação, e aí sim, foi o pior dia da minha vida em 30 anos!!!

Que sofrimento terrível, que dores, que agonia. Sentia-me vazia… Impotente.

Tive o meu marido sempre do meu lado, e graças a ele também tenho tido forças para superar esta perda. Apesar dele viver esta dor de outra forma, eu sei que ele também a tem sofrido, porque esta perda é a dois.

13 de novembro de 2020 vai ficar gravado para sempre na minha memória e no meu coração. O meu feijãozinho, como a minha sogra dizia, a minha sementinha, como a minha mãe lhe chamava, e todas as dicas que a minha mana me dava, e o meu bebé como eu já imaginava…

Não sei se era rapaz se era rapariga, mas isso para nós também não era o principal, porque para nós tanto fazia, apenas queríamos que viesse com saúde e perfeitinho. 

Numa caixinha guardo as recordações que me levam e levarão sempre a esta gravidez.

Vai ser sempre a minha primeira gravidez, o meu primeiro bebé, independentemente das semanas que tinha.

Digam o que disserem, pois ouvi muitas coisas como “ah isso ainda não era nada”…

Era era, era tudo ❤

Aos poucos a dor vai ficando menor, não se apaga nunca, mas vai-se transformando em força, fé e esperança para o próximo que há-de vir.

É preciso muita coragem, porque o medo, esse é impossível de apagar, mas o nosso amor é mais forte e acreditamos que vai vencer todos os receios.
Apesar de saber que estas situações acontecem e de ter amigas muito próximas que passaram pelo mesmo, quando estava grávida eu só queria acreditar que ia correr tudo bem, tentei andar o mais calma possível, desfrutar ao máximo das coisas boas que temos diariamente, aproveitar os momentos em família e todas as pessoas que sabiam davam-me muita força e diziam que não podia pensar negativo.

São sem dúvida a minha força para conseguir ultrapassar esta dor: os meus pais, sogros, mana, amigos e amigas (que sabem bem quem são) e o meu marido que me faz pensar positivo e me dá muita coragem diariamente.

Também algumas pessoas que partilharam comigo as suas histórias e me deram muita inspiração e coragem para seguir em frente e não me deixar avassalar pela dor. O que mais me custou nos dias mais tristes e mais duros, foi querer ler informação sobre perda gestacional e não encontrar nada de especial, queria um livro, algo fidedigno e não encontrei. Depois em pesquisas no instagram e facebook lá fui encontrando alguns grupos privados e algumas páginas onde falavam destas situações.

“A esperança começa onde acaba a certeza”

No meu caso, eu tinha necessidade de falar sobre o que me aconteceu, de partilhar a minha história com outras pessoas e perceber se havia alguém que já tivesse passado pelo mesmo. Passei uma semana em casa, fiz imensas pesquisas sobre o assunto, falei com as minhas amigas e família sobre tudo o que estava a sentir, mas depois tive de começar a distrair-me com outras coisas e o que me foi ajudando foi fazer caminhadas, ouvir música, fazer exercício, estar sozinha na natureza e interiorizar o que me tinha acontecido, foi muitas vezes chorar sozinha durante as caminhadas, às vezes até falar sozinha internamente.

Nesta fase encontrava-me em teletrabalho, mas depois quando regressei ao trabalho presencial, lembro-me de quando voltava a casa chorava a conduzir e a ouvir alguma música que passasse no rádio, porque era nesses momentos que eu me ia mais abaixo.

O que me dá forças é saber que fiquei bem de saúde, que estou bem de saúde, que tenho trabalho, que tenho uma casa, que tenho uma família unida e feliz, que tenho projetos e sonhos a concretizar e é nisso que eu me agarro todos os dias. São as coisas mais simples que me dão alegria.

O nosso ano 2020 acabou com a frase: “a esperança começa onde acaba a certeza”. De facto há coisas nesta vida que nós não controlamos, há acontecimentos que não percebemos o porquê de acontecerem. Mas eu acredito que mais cedo ou mais tarde havemos de ter a nossa recompensa. ❤


Desejo muita força, fé, união a todas as mulheres que tenham passado pelo mesmo ou que estejam a passar! Passo a passo vamos conseguir! “tu és a estrela que guia o meu coração”.

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Olá, eu sou a M.

Deveria ter nascido algures pelo solstício de verão de 2017 mas acabei por “nascer” muito antes, em dezembro de 2016.

E porque é que sou eu que vos trago este testemunho?

Porque a minha mãe não quer que eu desapareça.

Porque eu, mesmo que por pouco tempo, existi. Era um corpo muito pequenino, como se quer no primeiro trimestre de uma gravidez, mas era também todo um mundo de sonhos e planos, um amor muito grande que não cabia no coração.

Há pormenores que não vos poderei contar para proteger o meu pai… mas toda a minha curta vida foi uma confusão. Na alegria de saber que eu existia, os meus pais contaram a boa nova a pessoas da sua extrema confiança que, supostamente, iriam manter com os meus pais o segredo até que fosse “seguro”. Nada mais errado. Duas pessoas depressa se tornaram muitas mais, que rapidamente encheram de ansiedade a minha mãe, por entre telefonemas e presentes, por entre dicas e avisos de dedo em riste.

Por infortúnio, a nossa médica não estava disponível nessa altura e fomos vistos por um ser sem qualquer réstia de empatia desde o primeiro momento. Mas, da segunda vez que nos vimos, talvez tenha doído mais a indiferença daquele ser do que o desabamento que veio sobre nós: “Então, não se admire! Isto é perfeitamente normal!”. Foi este o único comentário à incredulidade da minha mãe perante outro seco “Não encontro batimento, isto não deve dar em nada”. “Isto”.

O diagnóstico foi confirmado por outros médicos e o parto foi induzido. Duas vezes. Muitos dias em que a minha mãe teve de ir trabalhar como se nada fosse enquanto esperava o triste fim de um capítulo.

Acabei por ter de ser arrancada do corpo da minha mãe por ela mesma; eu era pequena mas teimava em ficar onde estava. O meu destino? Talvez seja melhor que não vos conte. Ninguém quer saber de um bebé no primeiro trimestre. É um “isto”.

A minha mãe sabia tudo o que há para saber sobre o assunto, do ponto de vista de um leigo. Sabia não ter culpa, mas sente-a ainda. Sabia ser algo comum, mas sente ainda que a sua dor é exclusiva e incompreendida.

E, mesmo por entre os escombros de tal desabamento, não faltaram vozes que gritavam barbaridades como “Daqui a pouco fazes outro”, “Isso passa” ou “Assim foi melhor”. Ninguém quer saber de um bebé no primeiro trimestre. E por isso ninguém reconhece que o luto é necessário.

E perguntam vocês no meio disto tudo “Mas como é que sabiam que era uma menina?”. Não sabíamos, nem interessa. A minha mãe nunca teve preferência e hoje está muito feliz com o meu irmão, mas era o que lhe dizia o instinto. Para ela, a memória de mim tinha de ter um nome, e continua a ter. Porque eu não tenho uma lápide mas tenho uma história. Sou a M.

Hoje tenho um irmão e tomo conta dele aqui ao longe. Sei que ele terá um futuro melhor do que o meu e está tudo bem, porque eu ajudei a prepará-lo- Mas hoje a minha mãe sofre ainda. Dói-lhe a minha ausência, mas dói ainda mais que a sua dor seja indiferente a quem deveria estar presente. Dói-lhe que ninguém queira saber dos bebés que não nasceram. Dói-lhe que não seja permitido o luto a tantas mães por aí.

A todas as mães que sofrem em silêncio: saibam que não estão sozinhas. Saibam que merecem sentir aquilo que acharem que faz sentido para vocês. À minha mãe não lhe foi permitido, mas ela espera conseguir que outras pessoas tenham uma experiência melhor. E espera um dia conseguir que a dor passe.

Porque a única certeza que temos no meio disto tudo é que uma perda como esta é para sempre. Mesmo que em corpo eu fosse muito pequena. Mesmo que

Eu tenha sido apenas um sonho enorme. Eu perdi a minha mãe como ela me perdeu a mim, mas ambas fazemos ainda parte uma da outra e queremos criar memórias bonitas. E não estamos sozinhas nesta luta, somos tantas…

Que nos encontremos todos um dia.

M.