Pensei mil vezes se partilharia a minha experiência. Talvez por ser ainda fresco, talvez por não querer reviver tudo. Mas acredito também que possa ajudar alguém com a minha partilha.
Dia 17 de fevereiro, após 8 meses de tentativa, descubro que estou grávida do meu segundo filho.
Ficámos extasiados porque era muito desejado e eu amei o meu filho desde os dois trocos no teste de gravidez.
Sonhei com o futuro, sonhei com o poder dar um irmão ao mais velho, aniei pelas dificuldades de ter dois também.
Dia 19 de Março vejo um corrimento acastanhado. Corri para as urgências da MAC onde me disseram que tanto poderia ser aborto como não ser. Assim, só. Sem mais detalhes, aconselhamento, acompanhamento. Estaria de 8 semanas.
O meu mundo, o nosso, desabou.
Uma semana depois marquei eco no particular porque a ansiedade era muita.
Estava tudo ok. 9 semanas e sem perceberem a razão do corrimento.
Às 10 semanas tive a eco com a obstetra. Batimento cardíaco e desenvolvimento normal. Gravidez evolutiva, disseram.
Às 11 semanas e 3 dias o corrimento passou para sangue vivo. Urgências de novo. Sem batimento cardíaco: “Vá para casa para expulsar. Há de ter umas dores típicas menstruais”.
Morri ali um bocadinho. Morremos. Chorei. Dois dias depois comecei a ter dores horríveis. Não de menstruação, mas contrações horríveis. Tremores, suores, hemorragia intensa, muito choro junto. Até sentir que o meu filho saiu de mim.
Não percebo até hoje a falta de acompanhamento que tive a nível clinico. Não percebo como resumem tudo a ” daqui a dois meses tenta de novo”.
Acabei de perder o meu bebé, o meu sonho, um pedaço de mim e do meu amor.
Ainda hoje dói e ainda hoje sinto que tudo foi surreal, como se me visse de fora a viver isto tudo.
A todas as mulheres que passam por isto em silêncio, porque ainda é tabu, porque é desvalorizado, muita força.
De uma coisa estou certa, seremos sempre mães destes bebés que não pegámos no colo. ❤️
(15-12-2023) Olá. Sou a Mariana, tenho 29 anos e sonho ser mãe desde que me lembro gente.
Sempre sonhei ser mãe. Sempre. Tenho memórias, do alto dos meus 5 anos, de ter sempre todas as bonecas grávidas, preenchia-lhes a barriga com pedacinhos de papel. Ou eu própria, punha uma almofada debaixo da camisola. Dava biberão, mudava fraldas, dava banho, embalava, punha a dormir, eles “choravam”, lá ia eu …
Cresci. Tinha 23 anos quando engravidei pela primeira vez. Não era o plano na altura, tinha ido morar sozinha, começado a trabalhar e engravidei. Fiquei em êxtase! Estava grávida! Mesmo a morrer de medo, a morrer de tudo, transbordava, transpirava alegria. Mas foi sol de pouca dura. Mais tarde venho a descobrir que havia 99.9% de chance de vir a ser uma pessoa (o bebé) muito doente, e tive de tomar a decisão que, até hoje, foi a pior da minha vida, travar aquela gravidez e assinar por isso. Não basta tudo, ainda temos de assinar um papelinho, “assine na linha abaixo, pf”.
Morri por dentro. Senti-me morta muito tempo, mesmo muito.
Até que conheço o meu marido. Depois de andar um ano a deambular existência (a minha), conheci-o. E foi por esta história que começamos. Ele ajudou-me, ajudou-me imenso a aceitar aquele aborto. Um ano depois, ainda chorava nos braços dele como se tivesse sido ontem. Passaram meses, muitos meses, até que fosse capaz de voltar a sorrir com a alma e coração, mas consegui! Consegui e conseguimos.
Ironia do destino, ou não, mal sabíamos o que nos esperava.
Decidimos então abrir portas a tentar o nosso próprio bebé. E conseguimos! Uns meses mais tarde, estava grávida. O que eu saltei de alegria! Mas durou pouco. Às 6 semanas comecei a sangrar, urgências, anembrionária. Não podia ser possível… Como era possível?! Era. Mais uns meses de profunda escuridão.
Quase um ano depois, continuava sem engravidar. Fomos a uma clínica, N exames, diagnóstico: endometriose!
Mas como podia ser possível?! De repente, parecia um ataque direto, uma guerra aberta ao maior, quase único, sonho da minha vida: ser mãe.
Avançamos para FIV. Transferimos 2 embriões. Ambos nidaram, estávamos grávidos! Vinham 2 bebés! Não… Não vieram. Nem 2 nem 1 nem nenhum. Aborto espontâneo, estava de poucas semanas.
Aqui, honestamente, quase acreditei em bruxaria, não era normal. Não podia ser normal, de certeza que tinha sido escolhida por Deus.
Em baixo, mesmo muito em baixo, vivia o mês dos meus anos e o período não vinha. De certeza que era do aborto dos gémeos. Era normal atrasar. Nunca tinha abortado de 2 por isso, de certeza que era normal um atraso de duas semanas. Não. Estava grávida!
Engravidei logo no mês da perda dos gémeos. Naturalmente. Depois da punção, da transferência, depois de tudo, ali vinha ela! A nossa menina, a Mel!
Medo. Os sentimentos dominantes eram medo e angústia. Sempre angustiada. Sempre. Não tive um único dia de paz. Sentia e achava sempre que ia acabar mal. E o tempo foi passando… 8 semanas, 10 semanas, 12 semanas, é uma menina, 14 semanas, 16 semanas… “Há qualquer coisa no coração dela, mãe”. Hum?! O que é “qualquer coisa”?
Entramos numa pescadinha de rabo na boca. Hospital, ecografias, médicos, vários, diferentes, hospital, ecografias, fomos de férias! Ou íamos morrer de nervos e ansiedade e de tudo, precisávamos de desanuviar. Fomos. E foram as piores férias das nossas vidas.
Senti-me mal, mas mal, mal ao ponto que ainda hoje tenho dificuldade em explicar. Deixei de comer, beber, dormir, ter forças nas pernas, senti que tinha morrido por dentro, literalmente. Senti. Eu sabia. Eu sabia… Hospital. Ecografia. Sozinha, porque estávamos em pandemia. Silêncio. 3 minutos de ecografo na barriga, eu olhava fixamente para o teto enquanto sentia a angústia da médica no ar, a quantidade de vezes que ela olhou para mim, em busca do meu eye contact, mas eu não queria! Porque sabia… Sabia-o. E perguntei (mantendo os olhos no teto) “então doutora? Tudo bem?”. Ela: não… Não Mariana… O coração da sua bebé parou. Não me mexi. Levei as mãos ao peito e senti alívio! Respirei o último fôlego de alívio, antes de cair na depressão profunda, mas o primeiro desde os últimos 6 meses. A minha filha estava livre. Livre do sofrimento em que tinha entrado. Estava em paz, sem vida, dentro de mim, mas em paz. Minha filha, minha bebé. E foi a vez do meu coração parar.
Deprimi. Deprimi, mas não parei. 3 meses depois fui operada a uma endometriose, “das piores já vistas” pela minha médica. Perdi intestino, outras partes de órgãos, mais de duas dezenas de focos, foi de tal ordem que poderia perder a capacidade de engravidar naturalmente e perdi.
(18-4-2024) Mais processos de PMA, FIV, punção, transferências. Mais perdas! Mais falhanços. Até Julho de 2023. Último embrião, probabilidade quase nula. Foi por descargo de consciência e voilá, positivo! Mas sem festejos. Sem nada. Quase toda a gravidez sem acreditar. Cheia de medo, muitos sustos, muita medicação, muito hospital, médicos e N opiniões. Foram 38 semanas e 3 dias. 38 semanas e 3 dias do amor mais profundo, do mais bonito, do mais intenso, do que carrega baterias de forma ímpar, do melhor do mundo, o meu filho, o Afonso. Meu perfeito, amado e desejado filho. Chegou dia 3 de abril e com ele veio a paz e o acalmar do coração que mais precisava: sou mãe, do ser mais belo do universo.
Esta comunidade, Amor para além da Lua, deu-me luz, deu-me esperança, deu-me o que mais nada deu pelas corajosas partilhas de outras mães. Hoje, espero que seja o meu testemunho a dar luz a alguém.
Com todo o amor para além da lua, a ti, filha. Com todo o amor do mundo, a ti, filho.
Ainda me dói e eu quero falar sobre o nosso “biscoitinho” …
Ainda quero gritar para o mundo e dizer que o nosso biscoitinho estava vivo…
estava dentro de mim..
e tão amado por nós, pai e mãe.
Era minha segunda gravidez perdida…Duas seguidas – na primeira foi um aborto espontâneo às 6 semanas.
Na segunda vez já foi com muita dor.. Aconteceu muito recentemente, no dia 25 de março 2024.
Estávamos tão felizes e queríamos ver como tu estavas no primeira eco, eu estava já com 13 semanas. Eu já tinha ouvido teu coração antes na semana 8 e estava tudo bem. Tu fizeste algumas danças dentro de mim e depois começou a nossa viagem! Eu estava tão feliz!
Eu e teu pai falávamos contigo todos dias, já imaginávamos como serias. O teu pai não queria saber se eras menina ou menino, queria uma surpresa.
Na semana 11 de minha gravidez, acordei e não sentia as minhas mamas. Assustei-me muito.
Mas claro que sempre tinha esperança e não pensava que poderia perder o meu feto, o nosso biscoitinho. Tinha uma consulta no centro de saúde com o médico de família. Ele dizia que “Tudo bem, é normal não sentir mamas…vai correr tudo bem”
No dia 25 de março, tínhamos marcado uma eco às 8:30 de manhã. Acordei esta noite com um pesadelo que tinha sangue nos meus cuecas … Fui à casa de banho e no papel vi um pouco cor de rosa…
O meu coração já sentia que alguma coisa não corria bem.
Mas ainda não imaginava.
No eco, apanhei uma médica muito doce e humana. Ela começou mexer e tocar minha barriga com mais força…
Depois dizia “Infelizmente, não tenho boas notícias”. Vou lembrar esta frase sempre …
Uma Gravidez – não evolutiva: parou na semana 11 …
Chorei muito. Chorámos. Não lembro-me muito bem este dia…
Fomos ao parque e sentámos numa pedra.. Estava sol e quentinho e os nossos com corações estavam partidos. Eu tive um grande apoio do meu marido. Nós passámos juntos este processo todo.
No dia seguinte, tivemos consulta com uma médica – que parecia um “robot”. Falou comigo como se eu fosse “um armário” e o meu feto morto dentro de mim não fosse nada. Era uma pedrinha ou qualquer coisa que ela achava. Eu chorei muito.
Deram-me um medicamento, disseram que preciso voltar no dia seguinte, fazer expulsão no hospital e tomar mais um medicamento. A enfermeira disse-me que seria muito pouco provável acontecer alguma coisa nessa noite. O meu marido perguntou o que poderia fazer e se iria acontecer em casa. A doutora disse que podíamos apanhar o feto numa caixa plástica para levar depois ao hospital (ela queria fazer exame de estudo do feto).
Em casa, quando fomos dormir, eu já sentia algumas espasmos e tomei ibuprofeno.
Acordei às 3 de manhã com dores.
Tomei benuron, não funcionou.
Às 3:30 de manhã já começou um processo muito triste e difícil.. Senti muitas contrações, fortes. Lembro-me que não sentia as minhas orelhas, tudo no meu corpo doía, queria vomitar. O meu marido acordou e eu já gritava tanto.
A médica não me explicou o processo, eu não sabia nada sobre isto…
Só vi um pouco no internet. Vi que tem sair o feto e depois a placenta…
Tive um parto na caso de banho em minha casa, com uma caixa plástica preparada perto de mim ..
Eu vi e senti que a água começou a sair, depois eu vi outra “coisa”. Não percebi logo que era o meu biscoitinho…saiu. Apanhei-o no caixa, não sei como. Mas apanhei.
Tentei ver o que estava dentro de caixa. Vi uma mão e dedos pequeninos.. Do meu biscoitinho. Gritei tanto.
Dez minutos depois começou grande dor e contrações. Devia ser a placenta a sair… Saiu uma grande coisa com sangue de tamanho como minhas duas mãos. Depois logo me senti melhor… Acabou às 4:30 da manhã.
Meu querido marido tentou vestir-me para me levar ao hospital.
Mas eu não conseguia parar o processo. Já começou, já precisava acabar. Explorar meu feto, o nosso amor e o nosso sonho.
Fomos para hospital. As pessoas que estavam lá não nos receberam bem. A enfermeira gritou comigo.
Fizeram eco, já estava tudo limpo, não precisava nenhuma cirurgia.
Fizeram um vacina de imunoglobulina ( estou RH negativa , meu marido RH positivo) e fizeram também um shot de Diclofenaco. Eu senti-me logo melhor.
Fomos vazios. Em casa dormi muito. Chorei muito. Chorámos muito. Falamos sobre o biscoitinho, muito. Lembramos muito. Meu marido disse “EU AMO-TE muito meu Biscoitinho”. Nunca nos vamos esquecer de ti!
Depois senti mais 2-3 dias muitas dores físicas, depois muitas dores psicológicas…
Uma semana depois, estava no autocarro onde eu estava antes com o meu biscoitinho e chorei muito. Queria cantar para toda gente que estava no autocarro que o meu biscoitinho já morreu. Eu estou já não igual como estava na semana passada no mesmo autocarro com mesmas pessoas.
Apareceste-me num sonho e uns meses depois tornaste-te a nossa realidade.
Recebemos a notícia da tua existência como uma bênção e, embora o medo e a ansiedade tomassem conta de mim, agarrei-me a ti com todas as forças.
No dia em que recebemos a notícia de que não tinhas conseguido, o mundo desabou novamente e o teu papá mais uma vez foi o pilar.
Desculpa, meu amor, por não ter a força que todos esperavam. Não consegui ainda contar aos manos.
Já todos te amamos tanto que dói demais deixar-te ir… Queria ter fé, queria ser forte, queria tanto que tu conseguisses, por ti, por nós…
Fica o tempo que precisares, serei sempre a tua casa, e por mais anos que viva, tu viverás em mim.
Hoje ainda não aceito, talvez não aceite nunca… a dor essa vai doer sempre, mesmo que me digam que todos os dias vai doer menos um bocadinho. Eu tenho a certeza que não… a dor vai estar sempre cá, a mamã é que vai aprender a lidar com ela e a camuflar com um sorriso, pelos manos, pelo papá e pela tua memória…
Obrigada por teres feito de mim casa, por me teres escolhido, e embora não te carregue no colo, irei carregar-te sempre no coração.
No dia 15 de fevereiro de 2022 descobri que estava grávida. Um bebé planeado e desejado sendo que não podíamos estar mais felizes. No entanto, sou da área da saúde e como sei que muita coisa pode não correr/estar bem mantive sempre alguma ansiedade até à ecografia do 1° trimestre.
Esta ecografia confirmou os meus receios e apesar da ecografia em si estar bem, os valores do rastreio bioquímico estavam muito altos havendo alta possibilidade de alguma síndrome. Fomos aconselhados a realizar a colheita para dna fetal que para nossa grande alegria veio normal e descansou os nossos corações. Até à segunda ecografia. Uma malformação. Fizemos amniocentese e ficamos de repetir novamente a ecografia. Mais uma nova malformação. E finalmente o resultado da amniocentese que confirmou o nosso maior receio.
O coração do meu Tomás parou dia 8 de Julho e o seu parto foi no dia 9 de julho de 2022. Os dois dias mais difíceis da minha vida. Assim como os seguintes em que tudo parecia cinzento e as lágrimas caiam umas atrás das outras de forma incessante.
Escrevo hoje com a minha bebé arco-íris nos braços para recordar o meu Tomás. A dor melhora mas nunca desaparece e o Tomás está no meu coração todos os dias e nunca será esquecido. O meu filho mais velho.
No entanto, deixo uma mensagem de esperança a quem está neste momento a passar por algo semelhante. Melhores dias virão e os vossos corações serão eventualmente apaziguados. Os dias de sol eventualmente serão em maior número que os cinzentos. E nos nossos corações ficarão a memória e a saudade. Para sempre.
Quando percebi a situação com a qual teria de lidar, senti a necessidade de procurar testemunhos para compreender, de algum modo, como me sentia e com o que estava a lidar.
Em março 2023 descobri que estava grávida do meu 4º filho. Foi uma gravidez inicialmente de risco tendo em conta que estava com descolamento do ovo. Repouso possível + progesterona. Na eco às 13 semanas estava tudo bem. Diagnóstico Pré-Natal também normal.
No início de Agosto, ao realizar a ecografia morfológica, percebemos que algo não estava bem com o funcionamento do coração do bebé. Nesse mesmo dia, realizei o ecocardiograma fetal que confirmou uma doença cardíaca congénita rara e de grau muito severo (1/10 000 bebés). Recebemos o gélido diagnóstico “incompatível com a vida”.
Como assim “incompatível com a vida”? O meu bebé de 20 semanas tinha uma vitalidade excelente, desenvolvia-se muito bem mas tinha um coração que só funcionava por estar ligado através da minha placenta… mesmo assim, não baixámos os braços e investigámos tanto… pedimos informação a equipas médicas portuguesas bem como a médicos internacionais peritos na patologia mas, infelizmente, não tínhamos as probabilidades a nosso favor.. repetimos mais 2 ecocardiogramas fetais e a evolução não era positiva, sem estabilidade.
No final de agosto, passámos por todo o processo do parto para nos despedirmos do nosso P. às 22 semanas. Pegámos nele ao colo, estivemos o tempo possível com ele (nunca é suficiente) e viemos para casa de braços vazios.
Depois deste grande desafio, surgiram outros bem difíceis, sendo um deles contar aos irmãos que o bebé tinha morrido por estar doente e que não iria voltar. É um grande desafio sermos bons pais quando temos o nosso coração partido… Ainda hoje falam sobre ele e em como gostariam que ele ainda estivesse na minha barriga. Acreditam que temos um anjinho a olhar por nós.
Lidar com o pós-parto de colo vazio é um dos maiores desafios psicologicamente e fisicamente. É um processo solitário dado que já não existe um bebé “a visitar”. Ver a barriga a regredir e mais tarde lidar com o regresso da menstruação que parece mais um murro no estômago… Contudo, a verdade é que, por mais difíceis e desafiantes estes momentos sejam, é importante lidarmos com eles porque nos ajudam no luto. Sinto que, ter dado espaço às emoções e lidado com tudo o que estava a sentir fisicamente, me ajudou no processo. Mas sim, não deixa de ser horrível.
Outro desafio, com o qual tenho lidado, é de facto a nossa cultura não saber lidar com o sofrimento. Os dias passam, as pessoas continuam as suas vidas e é como que nos seja exigido o mesmo. Como se o luto tivesse uma validade. Como se continuarmos tristes e em sofrimento já não fizesse sentido. Como se tivéssemos de voltar à “normalidade”. Para as outras pessoas sim, é a normalidade. Mas para nós… deixou de ser… e a verdade é que, grande parte das pessoas, não sabem lidar com o nosso sofrimento. Só não nos querem ver assim. Mas faz parte do caminho. E é/será durante o tempo que for necessário. Cada um tem o seu tempo de cura, de encontrar um novo sentido para a nova e difícil realidade. Não voltamos a ser a mesma pessoa. É inevitável. E há uma nova versão nossa que temos de conhecer e adaptar no dia-a dia. Na verdade, é uma fase em que estamos a sobreviver.
A quem esteja a lidar por esta difícil experiência, um grande abraço. Sigam o vosso coração e lidem com o vosso dia-a-dia conforme sentem que deve ser. Procurem ajuda mesmo que sintam que estão a “lidar bem” com o processo.
Desde que me conheço que digo: tenho três sonhos na minha vida: casar, ir à Índia e ser mãe. Os dois primeiros já realizados e com a felicidade de poder dizer: realizados com o homem da minha vida.
Eu sou a Joana, tenho 33 anos e venho-vos contar a minha história! Porque todas as histórias aqui lidas me ajudaram e por isso sinto, que posso e devo ajudar outras mulheres e homens.
Em Outubro de 2022, decidimos que íamos ser pais. Um filho não se compra num supermercado, como sabiamente uma grande e querida amiga me disse uma vez. Por isso a decisão de ser pais, começa com a intenção de o ser, e esperar para ver, se a vida tem este capítulo escrito na história das nossas vidas, importa aqui saber, que sempre senti que este seria o sonho que me traria algumas dificuldades em realizar. Nesta altura descobrimos que teríamos de esperar 6 meses, derivado de um contratempo. Chorei muito, mas acreditei que a espera me queria dizer alguma coisa.
Passados os seis meses, sem pressas e sem ansiedade, começámos as nossas tentativas. Em Junho de 2023, dia 14, descobrimos o nosso positivo! Muitos enjoos, impossibilidade de trabalhar, não conseguia perceber se estava feliz ou extremamente chateada por não conseguir estar a usufruir da vida a crescer dentro de mim! O nosso filho! Fizemos a primeira ecografia às 7 semanas, ouvimos o coração forte e pela primeira vez uma luz muito grande invadiu todo o meu corpo. Os dias foram passando, contámos a muito poucas pessoas, os nossos pais souberam, pois eu vomitava dia e noite, e para tranquilizá-los contámos a verdade. A quem contámos, sempre dissemos: “calma, é muito cedo e pode não dar certo.” Dizíamos sempre isto, porque, na verdade, tínhamos os pés bem assentes na terra. Temos dentro do nosso círculo de amigos, amigos estes que são a família que escolhemos, que passaram por duas perdas gestacionais até terem o menino que tem sempre uma palavra bonita para nos dizer.
A história deles sempre me comoveu bastante, pela força, resiliência e o amor entre os dois. Quando fizemos as 12 semanas de gestação, senti que um peso me tinha saído de cima, e pensava, não perdi o meu filho, mas logo de seguida começou a ansiedade, será que está tudo bem? Tínhamos a ecografia marcada das 12 semanas, mas, nesse dia, foi greve dos médicos e ficou remarcada para dois dias depois. Mas quis a vida que, nesse dia de manhã, tivesse um corrimento ligeiramente cor-de-rosa, que me deixou em alerta, e por tal motivo decidimos após o trabalho (enjoos tinham melhorado bastante por volta das 11 semanas), ir à urgência saber se estava tudo bem.
No hospital, a médica (sempre querida), fez uma primeira análise e disse que não tinha sangue e o colo do útero estava fechadinho, mas que iriamos fazer na mesma uma eco. O meu coração acalmou. Ao deitar na maca e ao colocar o ecógrafo na minha barriga, não se via nada…comecei a tremer e a médica justificou que o ecógrafo da urgência não era o melhor do mundo, pelo que teríamos que fazer eco endovaginal. Quando começou, o ecrã virado para mim, percebi logo que o tamanho não seria de um bebé de 12 semanas e expressei isso mesmo.
Antes de me dizerem a mim alguma coisa, disse eu: “o bebé é muito pequeno para 12 semanas não é?” e a médica respondeu: “oh Joana, não tenho boas notícias, temos um bebé com medição de 9 semanas e 5 dias e não encontro batimentos”… não chorei, não disse nada, veio outra médica confirmar o que já tinha sido dito. Só pedi para o meu marido entrar e assim foi. Aborto retido. Não foi aborto espontâneo, como achei durante 12 semanas que poderia acontecer. Apenas nesse dia, muito já noite fora, é que chorei e comecei a questionar: mas porquê?
Fiz a medicação em casa para a expulsão. Os piores momentos da minha vida até ao dia de hoje. Muito sangue, muitas dores, e o momento que senti que era sem dúvida o saco gestacional, com o meu filho, a ser expulso. Grata ao mundo pelo homem maravilhoso que tenho ao meu lado que nunca me deixou desamparada. Se ele pudesse, eu sei, que sem hesitar teria trocado comigo.
Passados 4 dias voltei ao hospital, ainda tinha restos ovulares, mas já sem o saco, sem o meu filho… fiz novamente medicação para ajudar a sair o restante e ajudou (mas pouco). Fomos de férias, para tentar ultrapassar o que nos tinha acontecido. Não era esquecer, porque nunca vamos esquecer que um ser me escolheu para ser casa durante 12 semanas, nos quais quase 10 o seu minúsculo coração bateu dentro de mim.
Infelizmente, quis a vida que os meus restos ovulares saíssem apenas quase 3 meses depois da notícia da perda. Foram longos 3 meses, com dores diárias, sangramento diário, e um tentar diário que tudo está bem e vai ficar bem. Nunca escondi a ninguém o que me aconteceu.
Sou a primeira a querer contar, e sei que é preciso coragem para tal. Mas precisamos de normalizar a perda. A gravidez está longe de ser igual às novelas, as histórias todas bonitas e românticas que vemos nos filmes. Uma em cada quatro mulheres que engravidam, passam por isto. Umas mais cedo, outras mais tarde, outras depois das 12 semanas e todas sofrem. Umas mais, outras menos, mas sofrem. Até as que escolhem interromper a gravidez por vontade própria. É um processo doloroso e está longe de ser normal, como nos querem fazer acreditar.
Vou ser eternamente grata, ao meu primeiro filho, por me ter ensinado tanto, mesmo sem nunca o ter sentido nos meus braços, no meu colo. Agora, é seguir em frente e esperar por algo que sinto e sei: o meu filho vai voltar e eu vou tê-lo nos meus braços, ver crescer e ensinar-lhe todos os dias: com amor, tudo vale a pena!
O meu nome é Zita, perdi o meu bebé a 12 de maio de 2023 e este é o meu testemunho sobre diagnóstico de Trissomia 21.
A minha gravidez começou logo mal, quando, no primeiro ultrassom (5s), a médica me disse que eu tinha um descolamento de cerca de 70%, do saco gestacional, devido a um hematoma de origem desconhecida. Estive um mês e meio de repouso absoluto, a tomar progesterona e a repetir o ultrassom todas as semanas.
O hematoma foi desaparecendo e eu fui ganhando esperanças. Às 12 semanas, o hematoma desapareceu. Fiquei radiante e decidi aproveitar a minha gravidez. Na semana a seguir, com 13 semanas, fui fazer a primeira eco e lembro-me perfeitamente do silêncio da sala depois da médica ter dito, com ar desolado: “Oh Zita …”
Segundos que pareceram horas até eu perguntar o que se passava. O meu bebé tinha líquido no crânio que ia até ao rabinho, como uma espécie de “bossa”.
Fiz a amniocentese no dia seguinte e depois de duas semanas angustiantes, veio o resultado. Trissomia 21 e problemas cardíacos.
Fiquei sem chão, mas a decisão estava tomada desde o primeiro dia de suspeita. No dia 12 de maio dei entrada na Maternidade, para fazer a interrupção da gravidez.
A decisão mais madura e difícil da minha vida. O dia mais desafiante e doloroso (a todos os níveis) da minha vida. Com 14 semanas, deixei o meu menino ir embora.
Não me fazia sentido colocar no Mundo uma criança assim. Sem sequer saber o grau, o meu pensamento era: quando eu morrer, quem cuida do meu amor? Então preferi sofrer eu.
Escrevo o meu testemunho porque vejo que se escreve muito sobre a perda na gravidez e após, mas a decisão de os deixar ir penso eu que fica um pouco esquecida…Só queria dizer a todas as mães que passam pelo mesmo que não estão sozinhas.
Apesar de tudo, só carrego boas memórias do meu menino. Guardei todas as fotos dos ultrassons que fiz. Tirei fotos da minha barriguinha.
Enquanto a tive (mesmo depois de saber o diagnóstico) mostrei-a orgulhosamente ao Mundo porque era o meu filho que ali estava. E na hora de o deixar ir sofri, chorei muito, dei muitas, muitas festinhas da barriga e disse-lhe Adeus.
28/07/2023 Leonor, a nossa menina que brilha no céu
2019 foi o ano em que nasceu a nossa primeira menina… Luana ❤️
Passados 4 anos voltámos a sonhar… e o nosso mundo iria ser novamente cor de rosa.
A Luana ficou radiante, ia ter uma mana… Um dia ao regressar da escola disse que o nome seria Leonor.
Não podíamos estar mais felizes!. Tínhamos desejado tanto esta gravidez, esta menina.
Eu costumava gozar com o meu marido ao dizer-lhe que, na próxima gravidez, iria ser outra menina para o deixar com mais cabelos brancos. Mal nós sabíamos o que estava para nos acontecer …
Dia da ecografia morfológica , a nossa menina tinha uma obstrução no intestino. Naquele instante ao ouvir o médico, o meu coração ficou apertado, as lágrimas corriam me pela cara.. entrei naquele consultório tão feliz mas saí completamente arrasada, eu senti que era algo grave.
Foi recomendado pelo Dr. Eduardo sermos acompanhados pelo centro diagnóstico pré-natal na Maternidade Bissaya Barreto. Até sermos chamados passou-se mais de 1 semana e meia. Já estava com 24 semanas e uns dias.
Fizemos novamente outra ecografia e para além da obstrução, a nossa menina tinha ascite no abdómen (líquido) , aquela réstia de esperança que levávamos dissipou-se…
Entrámos noutra sala onde nós esperavam 4 médicas de Obstetrícia e genética. sabia que não ia sair dali com boas notícias e assim foi… viemos para casa , já com o papel assinado para o pedido de interrupção de gravidez… a decisão mais difícil e dolorosa que tivemos de tomar, sabendo no entanto que seria o melhor.
Chorámos os dois agarrados no carro, nunca pensámos passar por uma situação destas, os sentimentos eram muitos: revolta, frustração, uma tristeza imensa que nos inundou o coração e agora? Como iriamos dizer á nossa Luana que a mana não iria vestir as roupinhas que lhe tínhamos comprado, nem brincar com ela? A vida não nos prepara para isto…
Começámos por dizer que a mana Leonor tinha um dói dói na barriga e só com esta informação, a nossa Luana deixou de falar na mana, deixou de dar beijinhos na barriga … como se ela também sentisse que estava tudo errado.
Esperámos dois dias pela decisão e tinha sido negada a interrupção, pois os médicos que faziam parte do conselho de ética queriam mais exames. Voltámos passados dois dias para fazer nova ecografia e a ascite tinha desaparecido. Por momentos pensámos que era algo bom, mas depressa percebemos que não… Embora a ascite tenha desaparecido, o rim esquerdo não funcionava e estava cheio de quistos. Tudo indicava ser uma doença genética e, com este novo resultado, a nossa interrupção foi aprovada no mesmo momento.
Sexta-feira, dia 28/07/2023. Dei entrada para ser internada para começarmos o processo. De todas as picadas que levei para retirar sangue, para a amniocentese, a que mais me doeu no coração foi aquela agulha a entrar na minha barriga para parar o coração da minha menina, para que ela não sofresse em todo o processo da expulsão. Não há palavras que descrevam o que senti . Só desejava que passasse tudo rápido, pois tinha acabado de perder a minha filha apesar de ela ainda estar na minha barriga mas já sem vida…A minha Leonor já era uma estrelinha ✨
No dia seguinte, pelas 20h, acabava todo o processo de parto, estava completamente arrasada. Tivemos um parto normal a sabermos que não vamos ouvir o choro do nosso bebé, nem vamos sair da maternidade com ele. Perguntaram-me se queria ver a minha menina mas eu não quis. Não iria suportar ter a minha filha morta nos meus braços, iria ser demasiado para mim. Preferi ficar com a imagem da carinha dela nas ecografias e idealiza-la como eu imaginei .
Têm sido dias muito difíceis para nós, mas continuamos no caminho. Não há palavras que nos possam apaziguar a dor no coração, só o tempo… porque nunca vamos esquecer todo o processo que passámos. Vai ser sempre um filho que nós perdemos.
Mamãs e papás, muita coragem e força, e não se esqueçam que tudo é um ato de Amor . Falem os dois sobre o assunto, não se fechem, se acharem que é demasiado procurem ajuda psicológica.
A toda a equipa da maternidade Bissaya Barreto, só temos a agradecer pois cruzámo-nos com profissionais com uma gentileza imensa, e que nos ajudaram muito a passar por tudo o que lá vivemos.
O mês dele! Agosto (em particular o dia 24 de Agosto) será – para nós – sempre o mês do nosso bebé, do nosso Afonso! E para nós será sempre altura de o festejar. E por isso, hoje – dia 24 – comemoramos um ano dele nas nossas vidas!
Nunca pensei um dia escrever sobre isto, mas a vida – sem aviso, sem dó, nem piedade! – aqui nos trouxe e agora cá estamos, a contar o tempo, a falar da vida, sem o nosso menino, o nosso Afonso.
O Afonso foi o nosso melhor e maior plano! Eu e o pai temos já uma história longa juntos, são quase 17 anos (4 de casados). Ter filhos estava nos planos. E assim, quando decidimos dar esse passo, quisemos fazer tudo certinho. Depois das consultas pré-concepcionais, estivemos mais de um ano à espera dele, do nosso Rei. E em Abril de 2022, ele chegou!
Naquele dia 2 de Abril, subi ao céu. Estava radiante e ao mesmo tempo incrédula. Parte de mim não acreditava que aquilo estava mesmo a acontecer. Tanto assim era que fiz um segundo teste e, uns dias mais tarde, um terceiro. Todos confirmaram. Era verdade! O nosso bebé tinha finalmente chegado às nossas vidas. O mundo passou a ser dele naquele instante. Tudo o que fazíamos era pensar em garantir que ele estava bem.
Estávamos tão felizes! Cautelosos com tudo, mas felizes. Vivemos os meses seguintes num mundo só nosso, dos três! Não contamos a ninguém, durante 12 longas semanas. E ao mesmo tempo que vivíamos um segredo maravilhoso, parecia que íamos explodir com a vontade de gritar aos sete ventos que o Afonso estava a caminho.
Durante 12 semanas, fizemos tudo. Os exames que eram supostos fazer. As ecografias previstas. Tudo!
Estava tudo certo. Confirmava-se aquilo que eu sempre soube. Ia ser mãe de um menino!
Nessas 12 semanas, ali por volta da 7ª ou 8ª semana, tivemos um pequeno (grande!) susto. Durante o dia, tive uma ligeira perda de sangue. Não sentia qualquer dor ou desconforto, mas a prudência levou-nos até à urgência de um hospital (privado). Ali contactei com o único profissional de saúde que me causou mal-estar e desalento.
Naquela que foi a 1ª ecografia onde vimos o nosso bebé e ouvimos o coração bater, aquela que devia ter sido um mar de felicidade, sentimos medo. O médico, ao observar, limitou-se a dizer de forma muito fria:
– “Pois, é uma ameaça de aborto!”.
E à pergunta se devia ter algum cuidado adicional, respondeu apenas:
– “Não. Vá para casa, se piorar vá para a urgência, está a abortar”.
Tudo o que não queríamos ouvir. Sei que ele não estará a ler isto, mas para qualquer médico/a que o possa estar a fazer, sejam mais cuidadosos na forma como comunicam com os vossos pacientes. Não são amigos nem familiares, mas nestes momentos são a voz e a mão que pode amparar o desespero!
Na semana seguinte ao episódio da urgência, felizmente, em consulta com a minha médica ginecologista, confirmava-se que estava tudo bem. Tudo dentro do expectável para a idade gestacional. Recuperamos alguma paz. Aqui veio a marcação da primeira eco morfológica e, com ela, também a do rastreio bioquímico (afinal eu tinha mais de 35 anos – 36 acabados de fazer – e nesta altura os procedimentos quase que nos fazem crer tratar-se de uma gravidez geriátrica). Rastreio esse que nos levou a realizar um teste pré-natal não invasivo para pesquisa de aneuploidias.
2022 foi um ano de muitos casamentos e festas. Em Maio, tivemos o primeiro de 6 casamentos. Era a primeira vez que a família do meu marido se juntava depois do período conturbado da pandemia. O que mais ouvimos nessa altura: “Então prognósticos? Quando temos mais um bebé na família?”. Íamos respondendo em jeito de brincadeira, cúmplices, sabendo do segredo que era só nosso.
Nessa altura decidimos contar aos nossos pais e irmãos. A alegria deles foi tão grande! E passaram a fazer parte do nosso segredo, queríamos esperar pelos resultados do teste pré-natal para ter a certeza que estava tudo bem. Sei que ficaram ainda mais impacientes do que nós na expectativa de contar sobre o Afonso, mas lá se aguentaram!
Ao fim de três longas semanas, chegou o resultado tão esperado: tudo bem! Tudo certo!
Lembro-me de ligar ao pai a chorar, num pranto, e dizer entre soluços que estava tudo bem. Ele ficou tão preocupado e, sem perceber ao certo o que se estava a passar (desculpa meu amor!), que me pediu para lhe enviar o resultado. Assim fiz! A preocupação era uma e apenas uma: certificar-me que estava tudo bem com o meu bebé. Ao ponto de nem sequer ter visto que era um menino. Foi ele, o pai, que me ligou e disse: “Viste que vamos ter um menino?!”
Estava tudo certo. Confirmava-se aquilo que eu sempre soube. Ia ser mãe de um menino!
A partir daqui o nosso segredo passou a ser de todos. E que bom que foi! Família e amigos partilharam a felicidade da existência do Afonso connosco. E sei que ele foi amado, muito amado por todos!
O nome… bem, apesar de termos andado ali às voltas, acho que sempre soubemos que nome lhe íamos dar: Afonso Manuel. Dois nomes de Reis (sendo que Manuel é também o nome dos dois avôs), porque ele era o nosso rei, foi desde o primeiro momento.
A partir daqui tudo estava calmo. Ele começou a mexer e começamos a ter momentos ainda mais incríveis com ele. Mexia muito e eu adorava que assim fosse. Era sinal que estava bem, que comunicava comigo da forma que nos era possível. Foram tão boas estas semanas.
Até que chegamos ao dia 23 de Agosto. Acordei de madrugada… e percebi que a insónia não me ia deixar dormir mais. A certa altura senti algo quente. Saltei da cama com medo que fosse sangue. Não era! Ao fim de algum tempo, percebi! Estava a perder líquido amniótico. Não demoramos sequer 10 minutos a sair de casa e voamos até à Maternidade Bissaya Barreto, em Coimbra.
Dei entrada na maternidade, no dia em que completava 25 semanas de gravidez… E tudo mudou! A partir daqui o tempo passou ainda mais rápido, quando tudo o que eu queria era que passasse em câmara lenta.
O Afonso ia nascer!
Estava com uma ruptura prematura das membranas. Fui internada de imediato e foi iniciado o protocolo, numa tentativa de evitar o trabalho de parto. No internamento, fui observada, mais uma série de exames e análises, que mais tarde confirmavam uma infecção urinária assintomática (que se tornou o meu pior pesadelo, tenho pavor de infecções urinárias neste momento!).
Numa dessas observações, o médico ‘despejou-me’ todos os factos em cima. Colocou-me ali todas as cartas em cima da mesa. A expressão que mais me ficou gravada daquela conversa:
– “Se a natureza decidir agir, não podemos fazer nada para impedir”.
Por outras palavras, se entrasse em trabalho de parto, o Afonso ia nascer. Fiquei em choque, pânico… nem sei bem! Sabia que o cenário não era o ideal. Estava longe disso! O meu menino, o meu Afonso, tão pequenino, podia nascer a qualquer momento.
E assim foi. No dia 23 à noite comecei a sentir contrações, que se foram intensificando a cada hora que passava. No dia 24 de manhã, o enfermeiro de serviço explicou-me que iam antecipar o meu antibiótico, porque mal terminasse o protocolo de ruptura as minhas contrações iriam disparar… Assim foi! Por volta das 16h/16h30 levaram-me para o bloco de partos. Não havia dúvidas. O Afonso ia nascer!
Senti tanto medo. Sabia que era muito arriscado. Sabia que era muito pequenino, sabia dos riscos, sabia… naquele momento acho que desejei não saber, talvez a inocência e o desconhecimento fossem uma bênção…
A certa altura perguntei a uma das enfermeiras se esse podia fazer contacto pele a pele quando ele nascesse. O olhar dela ficou gravado na minha memória. Senti-lhe toda a empatia através do olhar. Disse-me que não podia ser, que ele ia nascer muito pequenino e que teriam que cuidar dele. Respondi-lhe que sabia, mas tinha de perguntar. Em resposta, colocou-me a mão carinhosamente no ombro e disse apenas: “eu sei!”. Sei que entendeu a minha dor e apesar de não lhe saber o nome, sei que lhe conheceria o olhar na hora. E estou-lhe grata pelo cuidado que teve. Na verdade, a ela e a todos os profissionais com quem nos cruzamos naqueles dias, pelo cuidado e humanidade que demonstraram sempre.
O Afonso nasceu! Segundo o relatório médico às 20h28, mas o pai gosta de ser mais preciso e diz que a hora certa foi às 20h17, porque fez questão de tirar foto mal ele nasceu.
O Afonso chorou! Foi o melhor som que ouvi até hoje. Um choro frágil, mas que me deu toda a esperança do mundo. Ele estava ali, em toda a fragilidade das suas 25 semanas mais um dia, mas chorou, como que a mostrar toda a sua força. O meu bebé, era tão pequenino, mas já era o meu herói.
As horas que se seguiram foram longas. Fiquei ali no bloco, sem saber do meu menino (percebi depois que fiquei ali porque a equipa da maternidade estava a tentar encontrar um quarto mais reservado, onde eu ficasse protegida do choro de outros bebés, esse cuidado e humanidade que demonstraram não vou esquecer, se pudesse agradecia-lhes individualmente).
Nunca senti tanto medo como neste momento. Eu não sabia dele, do meu Afonso. E só precisava de saber dele. A certa altura o pai pode ir vê-lo e fez uma videochamada. Foi a primeira vez que o vi.
Depois disto, só no dia 25 o pude ver e tocar-lhe. Muito irracionalmente tive medo de lhe tocar. Sentia-me culpada, afinal o meu corpo tinha falhado e era por isso que ele estava ali, quando ainda devia estar na minha barriga. Uma parte de mim, achava que se lhe tocasse ia deixa-lo doente, fazer-lhe mal. Mas a equipa médica e as enfermeiras asseguram-me que não e tocar-lhe foi o melhor dos sentimentos.
Quando lhe toquei, ele como que se aninhou na minha mão, naquilo que me pareceu ser ele a reconhecer-me e foi tão bom! O dia 25 de Agosto foi o nosso dia. Conseguimos estar ali os três, o Afonso, eu e o pai. A nossa família. O pai costuma dizer que este foi um dia bom.
Um de 3 dias! Sendo que antecedia aquele que será sempre o pior dia das nossas vidas. O dia 26. O dia em que tudo desabou. Dizem que coração de mãe sente quando algo está errado. E eu senti quando entrei na UCIN naquele dia e vi a enfermeira que esteve connosco no dia anterior a olhar e dizer com ar apreensivo:
– “Está ali a mãe do Afonso!”
Esta frase teve muito impacto, pelo medo que me fez sentir, mas – hoje à distância de alguns meses – de orgulho. Ali eu fui a MÃE do Afonso. A melhor das identidades.
A partir daqui, foi como se estivesse num filme de terror ou numa experiência paranormal, em que assistia a tudo fora do meu corpo. Mandaram-me aguardar e a médica veio falar comigo para explicar a gravidade da situação. Pedi para deixarem subir o pai (ainda não era hora das visitas). Também aqui devo um agradecimento à enfermeira que me deu um abraço no momento em que me sentia a quebrar e ficou ali comigo até o Edgar chegar.
Depois fomos os dois para a UCIN e quebramos. Sabíamos que nos íamos despedir dele. Disseram-nos que podíamos pegar nele. Mais uma vez a irracionalidade tomou conta de mim e dizia-me que talvez fosse melhor deixa-lo na incubadora, enquanto estivesse lá estava protegido. Mas não era assim. E antes que fosse tarde demais, peguei nele ao colo.
Nesta que foi a primeira e última vez que lhe peguei, dei-lhe todos os beijos que consegui. Medi-lhe e memorizei-lhe todos os centímetros. Senti-lhe a pele, o cabelinho (tinha muito!) e o cheiro doce e único. A memória táctil será sempre a melhor lembrança, porque o sinto gravado na minha pele.
Ficamos ali os três, bem juntinhos. Quebrados, mas juntinhos. Ficamos ali, não sei bem quanto tempo. Não importa também. Foi pouco tempo. Muito pouco!
A certa altura, perguntaram-nos se o queríamos baptizar. Até nisto, aqueles profissionais foram cuidadosos. Uma enfermeira baptizou o Afonso, num momento que foi só nosso. Mais um.
E de repente, uma voz suave:
– “Ele já partiu!”
Foi o pior momento da minha vida. Será sempre. Senti que morri ali. Fiquei quebrada, em milhões de peças, tão pequeninas que seria impossível voltar a juntar. Queria ter sido eu. Era o que fazia sentido. Não podia ser o Afonso a partir. Não devia. Que mundo é este? Que vida é esta que me leva o meu bebé?
Ficamos ali mais algum tempo, não sei quanto tempo mais. Não me interessa. Continua a ser muito pouco.
O mundo parecia ter acabado ali, mas foi pior do que isso. Porque o mundo estava ali e obrigou-nos a olhar para ele, agora desprovido de tudo.
Senti-me culpada. Muito. Na verdade, a culpa consumiu-me. A única coisa que conseguia pensar era que o meu corpo falhou. Eu falhei ao meu bebé porque não consegui protegê-lo. Por muito que me dissessem o contrário, a culpa esteve lá, desde o parto. Não devia ter sido assim e eu sentia (e por vezes ainda sinto) que a culpa foi minha.
Esperávamos ansiosos a chegada dele, que seria em Dezembro. Seria o melhor presente de Natal. Ao invés tivemos um Natal vazio, desprovido de toda e qualquer magia. Nunca o Natal me doeu tanto… eu que adoro a época. Não conseguia perceber a felicidade das pessoas que nos rodeavam, era errado. Como podiam estar felizes se faltava o Afonso. Porque o mundo é assim, avança sem pensar nas mágoas dos pais de colo vazio.
Aliás, a prova disso são as muitas frases feitas que todos se apressam a dizer. Ouvimos todas, como o bom cliché que são. De todas, ainda hoje a que mais me perturba é que “a vida continua”.
Sim, nós sabemos. Soubemos logo ali, quando imediatamente depois de perdemos o Afonso, de nos despedirmos dele, tivemos que tratar de todas as burocracias; quando o pai teve que sair para ir tratar do registo de nascimento e da certidão de óbito, tudo em simultâneo; quando saímos da maternidade apenas agarrados um ao outro, de colo vazio; quando entramos em casa sozinhos e a casa parecia vazia, desconhecida, afinal já não se iam viver as primeiras vezes do nosso Afonso, o quarto já não ia ganhar forma (ainda hoje está fechado, apesar de lá irmos os dois com frequência), nada!
Soubemos desde o primeiro momento que a vida continua, mas para nós continuou com um buraco, uma falta enorme, uma saudade de tudo o que devia ter sido e não foi.
Sim mundo, a vida continua, mas não precisamos que nos digam isso repetidamente, para nos obrigar a “ficar bem”, para vosso conforto. É disso que se trata afinal. É isso que se exige aos pais enlutados: que fiquem bem, por ser mais confortável para a maioria.
Não ficamos bem. Apenas aprendemos a gerir o luto. O “bem” passa a ser feito, em muitas ocasiões, a custo de lágrimas escondidas e muitos sorrisos forçados.
Mas nós tivemos sorte. Temos ao nosso redor, no nosso núcleo mais próximo, as melhores pessoas. Pessoas que nos deram colo (ainda dão!), que estiveram connosco desde o primeiro momento da forma que lhes foi possível, que nos permitem falar do Afonso, que dizem o nome dele sempre que podem e dessa forma nos ajudam a dar-lhe existência, a mantê-lo vivo…
Pessoas tão incríveis que continuam a dar-nos a mão a cada partida que a vida nos prega. Sim, este ano (em Maio, 2023) a vida voltou a puxar-nos o tapete, a cravar-nos a faca no coração ainda partido. Sofremos uma perda gestacional precoce, às 6 semanas de gravidez. Ainda não tinha nome, não sabíamos ser era menino ou menina, era apenas a Sementinha. Foi mais uma fonte de esperança, seguida de mais um golpe. Ainda temos o coração a sangrar. Mas, mais uma vez, não nos faltaram os de sempre.
A todos eles (não me atrevo a nomeá-los individualmente para não correr risco de esquecer alguém, seria demasiado injusto): somos tão, mas tão gratos por vocês!
Perdi a inocência da gravidez. Sei que uma nova gestação será acompanhada de medos e muita ansiedade. Curiosamente, ouvi já várias vezes que não posso ter medo. Engraçadas as assumpções e exigências de quem nunca passou por nada semelhante.
Sim, temos direito a ter medo. Sabemos bem o pior que pode acontecer. O medo faz parte. Se isto nos faz desistir do desejo de ter um bebé connosco?! Não.
Mas, passado um ano, é isto que quero focar. O Afonso (e agora a Sementinha) foi e será sempre sinónimo de amor. Foi isto que mais nos trouxe: amor!
É a manifestação do amor que me une ao pai, ele que é e foi desde o primeiro momento o meu porto seguro, a mão e o abraço – que na nossa pior dor – me manteve à tona, que não me deixou afundar. Dizem que um filho é a multiplicação do amor e mesmo na partida foi isto que ficou.
É o amor de todos (amigos e família).
É o amor de todos que o celebram todos os meses connosco. Aqui tenho um agradecimento especial a ela, a amiga que se tornou família do coração – ela sabe quem é! – que me envia aquela mensagem, simples, mas tão poderosa, todos os meses. Obrigada por me ajudares nesta missão de manter o Afonso bem presente!
Um ano dele nas nossas vidas. Foi assim que optei por ver tudo. Sim, a dor de o perder é imensa, será sempre, para toda a vida. Mas o amor por ele será sempre maior. Porque aquele mês de Agosto de 2022 trouxe-o até nós. E mesmo não estando aqui connosco, está sempre presente nas nossas vidas, muito vivo em nós.
Dói saber que vou perder todas as primeiras vezes dele e que nunca lhe vou conhecer a cor dos olhos… dói. Dói todos os dias. Ainda que para mim, ele tenha os olhos do pai, aquele castanho esverdeado azeitona que tanto adoro. Sempre disse que ele seria parecido com ele, numa simbiose perfeita das nossas melhores características e traços (físicos e de personalidade).
A dor está lá, vai estar sempre. O luto nunca vai terminar (lamento – na verdade não! – pelos que esperavam por esse final).
Esta foi para mim a verdade que – depois de a aceitar – me permitiu gerir todo este emaranhado de emoções que é a perda de um filho. Aceitei que o tempo não cura, que nada passa (esta foi a maior mentira que me contaram). Mas também não quero que passe. Porque o Afonso será sempre parte da nossa família e das nossas vidas. É assim que queremos que seja, é assim que deve ser.
Vou sempre celebrar o dia 24 de Agosto. É o dia dele, o dia que o trouxe ao mundo, que me permitiu ouvir aquele choro que me deu toda a esperança; aquele choro frágil, mas que foi sinal de toda a força.
Foi o dia 24 de Agosto que me permitiu tocar-lhe, sentir-lhe a pele sedosa, o cabelinho e o cheirinho doce (diferente de tudo, só dele, inigualável).
Vou sempre falar dele com um sorriso e mesmo quando as lágrimas teimarem em cair, serão sinónimo de amor, da saudade alimentada por esse amor que transcende tudo.
Vou sempre falar dele ao mundo, a todas as pessoas que me permitam fazê-lo, porque essa é a forma que tenho de lhe dar a existência que é só dele. E um dia espero contar a história dele a um irmão ou irmã (ou vários, a vida o saberá!) e sei que mais alguém o vai amar (mesmo sem o ter conhecido).
Quis partilhar a história dele numa altura em que fosse capaz de olhar para tudo de um lugar de amor, que se sobrepõe a toda e qualquer dor. Porque a dor quando se sobrepõe a tudo, sufoca, impede-nos de ver o que de bonito todos os capítulos da vida têm. E este, ainda que não tenha sido como devia, teve o que de mais bonito alguma vez podíamos ter tido ou feito: o Afonso. O nosso anjo, o nosso eterno bebé, lindo e perfeito como só ele podia ser!
E porque nestes 12 meses, foi o amor que o Afonso trouxe ao mundo, esse amor maior que entrou nas nossas vidas, que me deu forças para continuar, para sobreviver, para acreditar num amanhã ainda com mais amor.