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Gravidez pós-perda Testemunhos arco-íris

Perdi o meu Tiago no dia 20 de Janeiro de 2021. Um bebé muito desejado, depois de vários anos de tratamentos de fertilidade. Foi muito duro e por várias vezes me veio à cabeça a ideia de que ser mãe não era para mim, parecia que não estava destinado.

O medo invadiu o meu coração. Procurei ajuda psicológica, fiz reiki, entre outras terapias, que me ajudaram a aceitar aquela perda.

Quando pude comecei novamente com as transferências de embriões. Cada negativo era um murro no estômago, vinha novamente o medo e a dor.

Foram 4 transferência negativas. As forças começavam a faltar. Mas, no fundo, não queríamos desistir. Cada sinal que recebia me “dizia não desistas”. O arco-íris estava lá para mim. Até que decidimos fazer uma última transferência; o embrião que supostamente era o mais fraquinho de todos e veio o positivo. Um valor muito baixo que ninguém acreditava que ia vingar. Mas vingou e hoje tenho uma bela princesa nos braços.

Não foi uma gravidez fácil. Toda aquela inocência acabou. Tudo era medo. Tudo era um problema. Não foi uma gravidez onde aproveitei para tirar fotos, para mostrar a barriga. Afastei-me de tudo que me fizesse pensar que poderia correr mal e confiei que o universo ia ser generoso comigo.

Como perdi o meu Tiago às 37 semanas, imaginem o final da minha gravidez… super ansiosa. O medo de ela parar de mexer era tanto. O trauma do dia em que soubemos que já não tinha batimentos….

Ela não quis esperar pelas 37 semanas e decidiu romper a bolsa num domingo à noite, dia 20 de Novembro de 2022. Curiosamente no dia do irmão (20).

Nasceu às 36+3 cheia de saúde e linda.

Isto tudo para passar a mensagem a quem, assim como eu, perdeu um bebé e está a tentar outro: Não desistam, o caminho é longo e duro. A luta contra a infertilidade é difícil. Mas acreditem no amor. Acreditem em vocês. 

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Gravidez pós-perda Testemunhos arco-íris

Em dezembro de 2022 faz um ano que eu vivi um dos momentos mais duros e um dos momentos mais felizes da minha vida. No dia 1 de dezembro tive a confirmação de gravidez – o tão desejado positivo.

Antes, já tinha levado com um teste negativo e desilusão. Daquela vez, era mesmo: voltava a ler “grávida” no teste. Um misto de esperança e de muito medo no meu coração! Fui ter com o médico que nos fez o diagnóstico do Feijãozinho e que sempre quisemos que nos acompanhasse numa gravidez arco-irís e que nos desse boas notícias.

E assim foi! Ainda em tempos de Covid, como entrei pelas urgências, tive de ir sem o meu companheiro. Estávamos ambos muito ansiosos! Fiz ecografia e fiquei novamente sem chão, sem palavras e no vazio…

“Renata, não vejo bebé. Só tem o saquinho”, disse-me o médico. Vi, nos olhos do médico, empatia e cuidado. Partilhou a nossa tristeza. Estava, pensava eu, com 6 semanas de gestação. Saio em lágrimas das urgências e o médico disse para voltar na semana seguinte. O meu conforto: “eu ajudo-te, não te preocupes, eu não te deixo sozinha” – disse-me.

E assim foi. Voltei na semana seguinte, mais do que convencida que ia perder o meu bebé…foi o meu mecanismo de defesa: preparei-me logo para o pior e enchi-me das forças que podia, depois de sair do hospital lavada em lágrimas. Regresso nessa semana preparada para o pior e eis que ouço o entusiasmo do médico! Com um sorriso me disse que tinha havido certamente um erro nas semanas. Afinal, nessa semana é que fazia as 6 semanas e daí na semana anterior não haver bebé.

Que felicidade, que alívio! Partilhámos as boas notícias por videochamada! Continuava a esperança no arco-irís! Dezembro não começou bem e estava a ser difícil, mas depois as boas notícias aqueceram-nos o coração. A medo, “escondemos” a gravidez o máximo que conseguimos, tentando contar o mais tarde possível, até mesmo aos familiares mais próximos.

Foi desde o início uma gravidez muito vigiada e muito protegida! Estive com medo o tempo todo! Continuei a ser acompanhada pela psicóloga e psiquiatra, excelentes profissionais que guardarei no coração para todo o sempre.

Antes de cada ecografia, invadia-me uma enorme ansiedade. Um medo irracional até do que não tinha vivido e um ataque de choro antes da ecografia do primeiro trimestre. Mais tarde, seguiu-se a ainda mais temida morfológica, a maldita ecografia que ditou o diagnóstico do meu Feijãozinho. Fomos muito a medo…fizemos as ecografias a dobrar e foi com um alívio que ouvimos dar-nos as boas notícias que tanto desejávamos: “este bebé não tem um único defeito! Tem tudo para correr bem!”. Depois desta ecografia, escolhemos o nome dele e permitimo-nos sonhar e sonhamos!

Eu, que pensava que não ia conseguir ligar-me ao bebé emocionalmente para evitar magoar-me, que pensava que não seria capaz de me permitir amar desde o princípio, apaixonei-me perdidamente. Agarrei-me a ele com todas as forças, dei-lhe muito amor durante a gravidez, falei para ele – fiz tudo o que não pude fazer com o Feijãozinho.

A gravidez arco-irís foi uma luz na minha vida, fez-me voltar a ser feliz, mas não me devolve nunca o que perdi. Antes pelo contrário, mostrou-me tudo o que não pude viver, tudo o que me tiraram desde a interrupção médica…

Decidi, nesta gravidez, que independentemente de qual fosse o desfecho, iria dar-lhe todo o amor e aproveitar. Seria sempre mãe dele! E consegui aproveitar! Não vou mentir: foi estranho e ainda hoje é estranho ser feliz e conseguir permitir-me a ser feliz! Foram 2 anos difíceis de espera, de angústia, de exames, de perdas (não só do Feijãozinho, mas de pessoas e outras partes de mim). Mais para o fim só queria ver o meu menino cá fora, ouvi-lo chorar, tê-lo nos braços!

Não posso também esquecer a força e apoio que tive desde o início de profissionais de saúde maravilhosos: enfermeiras e médicos! A enfermeira que me segurou a mão num dos meus piores momentos deu um enorme abraço quando me viu grávida na consulta!

Enfim, o melhor dia para casar foi o melhor dia para nascer: com vida, com amor para esperança! Uma gratidão imensa!

Agora ouço “custou, mas foi”, como se o Feijãozinho tivesse sido uma tentativa falhada! Mas foi amor, foi força e é e será sempre o irmão mais velho do Gonçalo! O meu primeiro filho!

Não percam a esperança, peçam ajuda, rodeiem-se de uma boa rede de apoio e de boas pessoas e profissionais!

Renata Silva

Mãe do Feijãozinho e do Gonçalo

1 de dezembro de 2022

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Testemunhos Testemunhos Perda Neonatal

A minha vida, a minha Íris.

Hoje vou contar-vos a história da minha vida (a minha Íris). A Íris é o meu bebé arco-íris, depois de um aborto espontâneo e de uma gravidez anembrionária.

Dia 14/04/2022 veio o resultado positivo. Quando olhei para o teste nem queria acreditar, mas lá estava “grávida 1-2 semanas”. A alegria misturava-se com o medo mas algo me dizia que era desta, que o meu bebé tinha vindo para ficar.

No dia 23/05 fiz a primeira ecografia, no privado. Enquanto me sentava na marquesa, rezava para que o meu bebé estivesse ali. Assim que ligou o monitor ali estava ele, o pequeno ser que iria mudar a minha vida para sempre. Quando ouvi o coração bater eu e o pai chorámos, chorámos muito. Ali estava o som mais perfeito do universo, o coração do nosso bebé.

Tínhamos decidido que só queríamos saber o sexo no dia do parto porque era indiferente, o importante é que ele estava ali a crescer forte. As semanas foram passando, a barriga ficava gigante a olhos vistos, e a cada ecografia, lá estava o nosso baby a crescer. A ecografia morfológica estava perfeita; o nosso sonho tornado realidade. Dia 18/08, fui com a minha sogra fazer uma ecografia 4D e tinha informado que não queria saber o sexo mas, assim que ligaram o monitor, a primeira coisa que se viu foi que era uma menina. Estava ali e era impossível não perceber o que era e, nesse dia, soube que a minha Íris estava a caminho.

Dia 29/08 fui jantar fora com o meu marido e um casal amigo. Depois das entradas, levantei-me para ir à casa de banho e senti um pouco de líquido, mas como a Íris estava alojada em cima da minha bexiga pensei que fosse um pequeno “descuido”. Quando cheguei à casa de banho, a mesma estava ocupada e então começou a sair um jorro de água pelas pernas abaixo. Eu estava de vestido e lembro-me de ter entrado na casa de banho dos homens, que estava vazia, em pânico. Peguei no telemóvel e liguei ao meu marido que veio logo ter comigo, disse-lhe que a bolsa de água tinha rebentado, ele disse que era impossível, mas chamou o INEM,.

Chegamos ao CMIN e eu já só chorava. Estava naquele dia com 23 semanas e 4 dias.

A médica de urgência fez uma coleta do líquido e confirmou que era líquido amniótico. Fizeram uma eco e o coração da minha filha batia e ela mexia-se normalmente. Passámos essa noite no núcleo de partos para ver se eu iria entrar em trabalho de parto, mas os médicos tinham explicado que o limite da viabilidade eram as 24 semanas e que dificilmente a Íris sobreviveria se nascesse naquele momento. Rezei e pedi ao universo para que a minha menina se mantivesse dentro de mim, para eu a proteger e para que ela pudesse crescer mais um pouco. Consegui manter a gravidez durante mais algum tempo, estava tudo a correr dentro do previsto, mas a 11 de Setembro (com 25 semanas e 3 dias), a Íris decidiu nascer.

Disseram-me depois do parto que ela decidiu viver, pois a bolsa estava com uma infeção que tinha passado para ela e para mim, se ela não tivesse nascido naquele dia provavelmente não tinha sobrevivido.

No dia 11/09 às 16:43, nasceu a minha vida, de uma cesariana de urgência caótica, a Íris nasceu com 31 cm e 620gramas, pequenina em tamanho, mas enorme em força.

Bom dia vida, mais um dia para vencermos? A mãe ama-te muito meu amor

Os primeiros 15 dias foram muito complicados, ali estava ela numa incubadora, com ventilador e cheia de fios e medicação que a mantinham perto de mim, perto de nós… Com 15 dias a minha vida teve uma infeção no intestino e os médicos disseram que a probabilidade de ter de ser operada era grande e eu, lavada em lágrimas, mais uma vez implorei a Deus e ao universo que protegesse a minha filha.O antibiótico começou a fazer efeito, a Íris melhorava a olhos vistos, ganhava peso, era super ativa e reagia ao toque e à fala, principalmente ao meu.

Todos os dias chegava à beira dela e dizia “Bom dia vida, mais um dia para vencermos? A mãe ama-te muito meu amor” e ela, invariavelmente, sorria e apertava a minha mão, com aquela mãozinha dela perfeita.

A Íris foi aumentando a quantidade de leite materno que tomava pela sonda e eu de 3 em 3 horas tirava leite para ela. Conseguia sempre tirar cerca de 100ml, às vezes mais.

A 11/10, dia em que a minha vida fez um mês, já estava com 11 ml de leite, sem alimentação parentética, sem soro, só o leite da mãe e com mais de 800 gramas de peso. Nesse dia, chegamos lá eu e o pai, eu disse-lhe o bom dia dela, falamos com a médica que nos disse que a Íris estava a progredir muito bem, tinham feito análises, ecografia e raio x e tudo estava bem, incluindo o pulmão dela que sempre foi o calcanhar de Aquiles da minha menina. Estava a progredir favoravelmente,

Por volta das 13:00, a Íris, do nada, começou a fazer baixas saturações de oxigénio… as máquinas começaram a apitar, a médica chegou perto dela e mudou-a de posição para ver se ela melhorava, mudaram o tipo de ventilação mas nada fazia com que a saturação subisse, eu e o pai ali a olhar para ela, que continuava rosada e a mexer-se como se não se passasse nada… a médica pediu para mudarem o oxímetro, pois devia estar avariado porque os valores do monitor não correspondiam à cor nem à atividade da minha filha. A enfermeira mandou sair os pais todos e, mais uma vez, fiquei eu e o meu marido a pedir a Deus que protegesse a minha menina, que não permitisse que nada de mal lhe acontecesse, que não me tirasse o meu milagre.

Os minutos foram passando e ninguém nos vinha chamar nem dar notícias e, a cada pessoa que eu via a passar, o meu coração ia ficando mais apertado.

Às 14:10 tive uma crise de choro, a pior que tinha tido desde que a minha filha nasceu. Às 14:20, a diretora do serviço de neonatologia entrou na sala onde aguardávamos, fechou a porta e disse as piores palavras que qualquer mãe ou pai podem ouvir “a equipa fez de tudo mas a Íris não resistiu”

Eu beijei-a, abracei-a, cheirei-a, e disse-lhe o quanto a amava

O meu mundo desabou, não queria acreditar. Como podia ser, se ela estava tão bem? Se estava a progredir… tinham acabado de me dizer isso e agora não a tinham conseguido salvar? Nada fazia sentido. Pedi para ver a minha filha, a nossa filha e levaram-nos até ela. Ao caminhar pelo corredor, estupidamente, tinha a esperança que ia chegar lá e eles se tinham enganado, que não era a minha Íris… quando entrei na sala e vi a minha vida deitada dentro da incubadora, imóvel e todas as máquinas desligadas, o meu coração parou e caí de joelhos ali em frente, sem forças e sem vontade para continuar.

A minha vida estava ali, os meus sonhos estavam ali como é que de repente fico sem ela? O meu marido (a minha rocha, o meu porto de abrigo) tirou-a da incubadora para o colo dele e depois colocou-a no meu colo. Eu beijei-a, abracei-a, cheirei-a, e disse-lhe o quanto a amava, o orgulho que tinha nela e que ela era a bebé mais perfeita do mundo. Agora sem todos aqueles tubos e fios, eu e o pai pudemos ver claramente que ela era a cara do pai, mas tinha as minhas bochechas. Ficámos ali, junto dela o tempo que quisemos a abraçá-la e a dar-lhe beijos. As minhas irmãs e um dos meus irmãos puderam vir também para se despedir dela. Foi a primeira vez que a viram fisicamente, foi um golpe duro para eles, mas todos dizem que conseguiram assim ver a perfeição que era a minha filha.

A dor é gigante, avassaladora, mas o amor é invisível e está sempre connosco e a Íris é isso, é amor. Está sempre comigo a cada segundo do dia. Peço-lhe todos os dias para me ajudar a vencer aquele dia. Todos os dias continuo a acordar e a dizer: Bom dia vida, mais um dia para vencermos? A mãe ama-te muito, meu amor”

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Testemunhos Testemunhos Perda Tardia

4 de Abril de 2018, 38 semanas, 4 dias. O dia estava cinzento e era dia de um dos últimos CTG’s. O pai pressentia e só dizia “leva a tua mala e a do bebé”, e eu sempre dizia que não era o dia.

Facto é, que, nos últimos dias, eu já não o sentia com a mesma força e movimentos, mas normalizei por estar mesmo no fim e ter pouco espaço.
Inicio do CTG, depois de ter contado que não sentia tantos movimentos, deram-me prioridade e logo fomos atendidos. Após uns minutos, percebi na cara de todos e na quantidade de médicos e enfermeiros que vierem ver, que algo não estava bem. Deram-me um chupa e as expressões mantinham: os batimentos cardíacos estavam realmente muito fracos, tive medo, muito medo. Fiquei internada para vigilância e, se os batimentos estabilizassem, iríamos iniciar o trabalho de parto. Era naquele dia que ele ia nascer: o pai tinha razão.

Recordo-me de perguntar o que ia acontecer a seguir. Responderam que primeiro vigilância e logo após indução. Não queria nada e pedi que não me fizessem cesariana, não por medo, mas porque queria muito senti-lo nascer (mais tarde culpei-me muito, mas hoje em dia, está resolvido dentro de mim).

Ficamos em vigia até ao momento que paro de ouvir o CTG, chamo para me ajudarem. Vem um enfermeiro e encontra batimentos. 5 minutos depois e acontece igual…vem mais um enfermeiro e mais um e mais um, até que o pesadelo começa; não conseguiam encontrar batimentos, sem ninguém perceber muito bem o que se estava a passar pois a gravidez foi sempre super normal e tranquila e vigiada.

Tinha a equipa médica toda à minha volta, sentia nas caras deles e na expressão corporal que não estava bem. Ouvi para prepararem cesariana, naquele momento eu só queria que tudo acabasse bem e com ele nos meus braços. Vamos ao ecógrafo e ouvi alguém dizer “nada de batimentos”, o meu mundo desabou, parecia uma filme de terror. Todos corriam de um lado pra outro e vamos para uma cesariana de urgência. Não havia tempo para mais nada. Eu só tinha que me deixar ser anestesiada, e o que eu resisti porque me faltava o ar…até que me disseram ao ouvido “pensa em coisas bonitas”. Consegui e deixei-me ir… a partir daqui eu não sei de absolutamente mais nada.

demorou algum tempo a sair do fundo, mas o caminho faz se caminhando… 

Acordo sozinha, numa sala fria e cinzenta, olho em volta e nada, sozinha… Ao longe vejo chegar a mesma pessoa que me disse “pensa em coisas bonitas” com os olhos cheios de lágrimas. Eu só queria ouvir “está tudo bem”, mas não estava. Em loop pergunto “o meu menino?” e as lágrimas caem-lhe no rosto, abana a cabeça e percebi o que tinha acontecido (ela não podia dar-me aquela informação, mas também não podia deixar sem saber, era desumano). Naquele momento deixei-me ir e entreguei-me à dor e “bebedeira” que a anestesia me causou… horas no recobro e uma equipa brutal e espetacular que cuidou de mim até me “arranjarem” uma cama sem ser na maternidade. Felizmente tiveram esse cuidado comigo.  

Deixaram-me receber visitas, e eis quando chegam as médicas que queriam a todo o custo explicar me o que aconteceu. Eu naquele momento não queria saber de nada, pois estava demasiado fraca. Parecia que queriam “desculpar” o sucedido, mas não havia nada para explicar, foi assim que ele escolheu…

E o motivo foi um nó verdadeiro no cordão. Aí eu entendi o porquê da falta de movimentos dele. Chorei, chorei, chorei até não ter mais forças. Já na enfermaria acordei e aí a culpa, a raiva, a revolta, e o “porquê a mim?” deram conta de mim… foram meses difíceis de não conseguir enfrentar pessoas, grávidas, familiares a pedirem que colocasse o hospital em tribunal e não me recordo de alguém me perguntar o que eu precisava.

As pessoas são cruéis, não fazem por mal mas para se proteger, mas dói ouvir “és muito nova, fazes outro”, “é porque não tinha que ser”, “podia vir com problemas, foi melhor assim”, ou “é a vida”. Felizmente, hoje em dia eu troquei o “porquê” por “para quê” e estou-lhe muito grata por tudo o que passei/passámos. Foi uma aprendizagem brutal, demorou algum tempo a sair do fundo, mas o caminho faz-se caminhando… 

Ao Amor, será sempre a mensagem.

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Testemunhos Testemunhos Perda Tardia

Foram 6 meses e meio a gerar a Flor que faltava no meu jardim e a coisa mais linda que pude ter.

Desde o início, eu sabia que não ia ser fácil; desde a primeira consulta da pré-natal, até a aceitação do lupus, adquirir a hipertensão gestacional e os risco que íamos enfrentar. Mas quando vieram todos os risco, eu pude entender mais ainda a nossa situação. Fi um longo período para dizer À minha cabeça que “ela não iria aguentar!”…

Mas o nosso instinto de mãe fala mais alto. O nosso egoísmo em dizer: “eu quero você comigo”. O decorrer de todos os dias, entre fazer USG, medicação de anticoagulantes, controlo da pressãoi e pré-eclâmpsia foi bem complicado, até chegar o momento que precisei de ficar internada.

Foi aí que, no dia 05/07 começaríamos mais uma luta. O internamento foram os 15 dias mais longos das nossas vidas. Depois a desospitalização, achava que tudo iria se normalizar, afinal, estava a reagir bem.

Dia 27/07 (até o momento doloroso) – 2ª internamento e o dia que iríamos construir nossa maior história: primeiro pico da pré-eclampsia (dia 01/08), dilatação da barriga, pressão 20×11 e inchaços anormais. No dia seguinte (02/08), o aviso que meu corpo já não aguentava mais. A médica disse: “vai para a UTI”, ali eu já sabia, lá era onde só seria nós duas e a proteção divina, seria aa indução do parto. Dizer o adeus, ou melhor, o até breve…

E no dia 03/08, com apenas 481g, seu (re)nascimento- tão linda e a perfeição de um bebé. Você não tinha resistido e eu sei que ali seria o nosso adeus, mas não um adeus de despedida, apenas precisou ser amada e ensinar a mamãe o que era um amor incondicional.

Meus longos dias na UTI, dopada e sedada, me fizeram entender que fui uma mãe leoa. Ter lutado por você foi tão gratificante e ver que aquela mãe só não queria tver-te sofrer (mas não sofreu, era tão linda, mesmo tão pequena).

Filha, só quero te dizer que: Foi uma honra te gerar… por termos conseguido juntas “Não foi fácil!”.

Obrigada por confiar na mamãe, minha filha!

Por você e por nós.

Mamãe te ama!

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Gravidez pós-perda Testemunhos arco-íris

Tenho 2 filhos e são ambos bebés arco-íris!

A situação mais difícil foi a minha segunda perda em 2020, às 17 semanas, depois de uma 1ª eco normal e um teste Harmony sem problemas.

Em 2021 voltei a engravidar porque não havia motivo aparente nem doenças diagnosticadas (às vezes preferia que tivesse havido…) mas às 9 semanas o sonho acabou .

Posso dizer que só tenho neste momento um bebé de 2 meses no colo porque o médico que encontrei se mostrou otimista desde a primeira consulta, caso contrário teríamos desistido.

Esta gravidez foi uma montanha russa de sentimentos, sendo o medo o principal. Por exemplo, só contámos a novidade quando já não era possível esconder. Com apoio psicológico, a determinada altura percebi que não era justo para nenhum de nós, bebé incluído, fazer de conta que não estava a acontecer nada. Era uma vida nova e merecia ser celebrada como tal!

Mesmo assim, agora que passou, arrependo-me de não ter tirado mais fotos, guardado mais lembranças… O mais provável é ter sido a minha última gravidez e ficou uma grande nostalgia. 

Apesar de tudo é uma história com final feliz!

Desejo todo o amor e compaixão a quem esteja a passar ou tenha passado pelo mesmo.

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Gravidez pós-perda Testemunhos Testemunhos arco-íris Testemunhos Perda Precoce

Estive grávida 5 vezes. Na primeira gravidez (2012,) o sonho durou apenas às 7 semanas. A segunda gravidez teve sucesso. Embora tenha tido ameaça de aborto com perdas de sangue às 6 semanas, com repouso e progesterona, chegamos às 41 semanas. Nasceu então a minha bebé arco- íris a 7 de janeiro de 2014.

A terceira gravidez (2019) tive um aborto espontâneo às 10 semanas. O choque foi ainda maior do que da primeira perda. Primeiro, porque sempre pensei que era só fazer a medicação e ia correr tudo bem, nunca pensei que ia correr mal. E depois também porque já tinha dito à minha filha que carregava um bebé na minha barriga.

Foi um turbilhão de emoções enorme. Saí do hospital sem qualquer apoio. O meu ginecologista, na revisão, passadas 5 semanas, só me soube dizer que podia tentar de novo, quando o que eu esperava ouvir era “vamos fazer exames” porque o meu coração me dizia que algo se passava. Perdia sempre sangue às 6 semanas e era sempre com o mesma intensidade. Mas, como não ouvi isso, saí porta fora sem tão pouco dizer que era isso que eu pretendia.

Na consulta da médica de família o discurso foi: “ainda bem que o seu corpo eliminou, é sinal que está a fazer bem o trabalho dele, porque quando há estas perdas é porque há um defeito do óvulo ou do embrião.” Eu aí ainda disse que na gravidez anterior tinha perdido sangue com as mesmas semanas, nasceu e é perfeita e saudável e que o melhor era vermos porque tinha de haver uma justificação”. Não mandou fazer nada porque, segundo o protocolo, só se investiga após a 3ª perda consecutiva.

Fiz uma pausa. Uma colega recomendou falar com uma pessoa que talvez me ajudasse a encontrar um médico que investigasse e assim foi. Arranjei uma consulta no Porto e o tal médico disse que apenas em 5% dos casos se descobrem as causas. Fizemos o cariótipo do casal, estava tudo ok, eu fiz mais análises que estavam todas dentro do normal. Então o médico recomendou que, numa futura gravidez, fizesse aspirina, assim como progesterona e foi descoberto que tenho o útero bicórneo.

Uma vez que as análises estavam todas ok e o Porto fica longe de Viseu, onde vivo, comecei de novo a sondar as pessoas; quem as acompanhou, etc., pois queria tentar um médico por cá, que concordasse com o que o do Porto me mandou fazer e aceitasse acompanhar-me numa futura gravidez. Uma senhora, minha conhecida, recomendou-me o seu médico e, pelo relato dela, a minha intuição disse “marca consulta”. Fui a essa consulta, o médico concordou com a recomendação do médico do Porto e teve interesse em ver os exames todos desde que quis ser mãe. Olhou para eles como nenhum outro tinha olhado. Os que não tinha comigo enviei depois.

Finalmente, em finais de 2020, senti-me preparada para tentar de novo mas desta vez com muito receio. No início de 2021 descubro a minha quarta gravidez. Mal descubro que estou grávida, uma colega fica contaminada com covid-19. Eu vim logo para casa por prevenção, mas passado 10 dias os sintomas aparecem e testo positivo. Passadas 2 semanas tenho aborto espontâneo…

Na consulta após o aborto, o médico disse que, apesar eu ter antecedentes, quer acreditar que este aborto esteja relacionado com a covid. A sugestão que me deu foi fazer mais um par de análises e, se tudo estiver bem, tentar novamente sabendo que corro o risco de ter novo aborto espontâneo ou, então, avançar para a correção do útero. Aí, teria de aguardar mais tempo, mas que a escolha seria minha. Ele faria o que eu optasse.

Ele disse que se eu não tivesse uma gravidez com sucesso, ou este aborto não tivesse coincidido com o facto de eu ter estado infetada com covid -9, nem me dava a escolher – a opção seria avançar para a correção. Mais uma vez sigo a minha intuição, que me dizia “faz as análises e acredita”, e assim foi. Fiz mais exames a nível particular; sempre, pois nunca tive apoio a nível do SNS. Mal envio o resultado por e-mail, o médico responde: finalmente encontramos o que tanto procuramos, a “causa”. Tenho uma trombofilia. A minha é défice de proteína S.

Marquei então consulta para entender um pouco melhor do que se tratava, e então o médico disse logo que mal engravidasse teria de fazer injeções lovenox, às quais dei o nome “piquinhas de amor”.

Em Outubro de 2021, descubro que estou grávida e iniciei logo as injeções. Tive uma gravidez maravilhosa, com as coisas normais de qualquer gravidez.

No final começou a reduzir o líquido e o meu médico decidiu, muito bem, provocar o parto. Digo muito bem porque depois me disseram que a placenta tinha um hematoma. Os outros médicos sempre disseram que estava tudo ok, enquanto o meu (anjo na terra) dizia “vou apertar a vigilância, vamos ver se aguentamos até as 37 semanas”.

Aguentamos e sinto que a minha filha esta cá graças a ele e à minha insistência.

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Testemunhos Testemunhos Interrupção Médica da Gravidez

Há nove meses nasceu uma criança sem vida.

Será este o princípio? Hoje faz nove meses que nasceu uma criança em silêncio. Hoje faz nove meses que dei à luz uma criança que tinha perdido a vitalidade dois dias antes.

Durante a minha gravidez, eu vivi uma experiência de muita alegria e também de muita angústia, porque foi a minha primeira criança, a minha primeira filha e a gravidez foi a coisa mais bela que me passou pelo corpo. Eu vivi uma experiência de uma sincera felicidade. As hormonas ajudavam a essa expansão: tudo era vida quando o corpo tem vida… vida dentro da vida. É um momento absolutamente mágico.

A certa altura eu comecei a deparar-me com as minhas próprias histórias interiores, com as minhas próprias angústias, e dei conta que eu não seria perfeita enquanto mãe. Quando somos pais e quando percebemos nitidamente que não vamos conseguir ser irrepreensíveis, começamos a perceber as limitações do nosso ser emocional, enquanto mãe ou pai, vamos percebendo cada vez melhor aquilo que é possível fazer. Não é possível fazer mais do que aquilo que foi feito, porque partimos do pressuposto que a pessoa fez da forma que achava certa naquela altura específica, naquele enquadramento, naquele cenário, naquele padrão emocional.

E foi um longo caminho, o crescimento desta criança, de compressão da minha própria infância. Eu cresci muito durante os seis meses da minha gestação e nestes nove meses seguintes ao parto.  

As condições, por ter sido descoberta uma síndrome rara na criança, e os caminhos de uma não interrupção, seriam catastróficos e fizeram com que esta criança nascesse sem vida.

Então ao terceiro dia, depois de interrompermos a vida, ela nasceu.

Todos os elementos da família fazem história na família. Todos aqueles que vieram à vida sem vida, são parte desta história e perante o que eu vivi e o que estudei e que eu sinto, é que uma das coisas mais interessantes a fazer para nosso preenchimento e para o equilíbrio da família, é nós inserirmos com um nome estes seres. Sabermos que posição é que eles ocuparam na nossa família. Inserir esta criança, percebendo a posição de cada filho na família. Porque se temos dois filhos e perdemos um ou outro, o segundo pode ser na verdade o terceiro, e isso muda tudo no potencial desse filho, ou o primeiro que se achava o primeiro é na verdade o segundo.

Então, já que se abriu esse vazio, que se preencha esse espaço de amor,

O mais importante em última análise, é poder celebrar cada ser, que veio à luz em certo momento. É dar-lhe um nome, é introduzi-lo na família de forma invisível, evidentemente, mas é ter um contacto com esta vida, percebendo qual foi o propósito, aceitar aquela história, celebrando da melhor forma possível aquilo que nos foi dado por esta criança que nos fez crescer, que nos fez ampliar a percepção, e que, pela dor, nos fez expandir a consciência. Porque como diria a Simone Weil, e Simone é o nome da minha filha, é preciso um espaço vazio, para entrar a força do invisível.

Então, já que se abriu esse vazio, que se preencha esse espaço de amor, pelo que é invisível, pelo visível, e que o nosso coração possa beber das nossas historias por inteiro. Sem serem apenas perdas vazias de significado mas serem processos transitórios de muito amor, vitalidade, de total compreensão.

Para terminar, existiram coisas que eu fui fazendo, depois do parto além de descansar, aceitar o arrombo hormonal que precisa de ser respeitado, o arrombo emocional que precisa de ser ouvido, choro que precisa de correr, grito que precisa de sair. Eu escrevia, escrevia muito, para ela, para a Simone, fiz uma espécie de caderninho secreto de diálogos de uma para uma e meditava. E falei muito pouco com as pessoas à minha volta porque eu sentia que as pessoas não tinham condições psíquicas para falarem sobre a morte e sobre a beleza daquela minha experiência. Talvez devesse ter falado mais e partilhado mais o que é uma experiência absolutamente milagrosa de dar a luz, mesmo que tenha sido em silêncio. E talvez por isso faça este pequeno texto, para que fique para a eternidade e para mim própria, enquanto ainda tenho 33 anos, que foi um ano de ressurreição. Então escrevam uma carta para esse filho, deem-lhe um nome, e introduzam-no na vossa Grade Familiar de forma silenciosa, apenas para inscreverem essa criança no vosso ser. E não deixemos que essas histórias sejam segredos ou tabus.

Então trabalhemos para a verdade, para o amor e para a luz e continuemos esta longa caminhada.

Nove meses foi o tempo que eu demorei a perceber exatamente que era nesta história que eu tinha que agarrar, para conseguir comunicar com estas pessoas feridas do passado. Eu queria, no fundo, abraçar todas as mães e pais, que perderam estes bebés tão maravilhosos, queria dizer que amo muito estas criancinhas que não puderam vir à vida, mas que acima de tudo, quem nasce somos nós. Porque somos nós que nascemos quando damos à luz um filho. É o filho que nos vem mostrar quais as feridas que ainda estão por sarar.

Um beijo a todas estas mães, a estes pais, a estes avós, a estes irmãos, a estes tios e estes primos e aos amigos, que estão sempre lá para nos acolher. A estas crianças eu entrego-lhes o meu sorriso cúmplice e o meu brilho.

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Em 2009 nasceu a minha primeira filha. Depois disso tive três perdas. Uma história como tantas outras. Porém única, é a minha.

Quando era adolescente dizia que a pior notícia que eu poderia receber na vida era saber que não poderia ter filhos. Felizmente, quando senti o chamamento da maternidade pela primeira vez, tudo correu bem; com alguns percalços durante a gravidez, mas nada que abalasse verdadeiramente o meu estado de graça.

A 16 de Fevereiro de 2009 nasceu a Sofia! Que momento tão feliz!
Ainda no bloco de partos, logo depois da Sofia nascer, já estávamos a combinar o nosso segundo filho! Prevíamos dar um/a irmão/ã à Sofia quando ela tivesse dois anos. Tudo tão perfeito.

Passados esses dois anos, a crise de 2011 assombrou verdadeiramente os nossos sonhos. Estávamos os dois desempregados e ter outro/a filho/a nesse momento não era de todo sustentável. Sonho adiado.

Em 2013 consegui finalmente trabalho depois de um longo período de desemprego, num colégio privado. Precisava muito de trabalhar, tanto pela necessidade financeira, como pela valorização enquanto pessoa útil e profissionalmente ativa. Sou uma pessoa que precisa de ter um emprego fora de casa e ser professora faz-me tão feliz! O trabalho a contrato e a necessidade de manter o emprego adiaram novamente o sonho de voltar a ser mãe – não podia correr o risco de não me renovarem o contrato.

Sem dar conta, já estava com 39 anos. O tempo voa! Tudo o resto passou para segundo plano… o desejo de ter outro/a filho/a era superior a tudo. Era um sonho nosso, inicialmente a dois, a três logo que a Sofia começou a pedir um/a irmão/ã por volta dos 3 anos de idade. Era este o momento. Decidimos tentar.

Demorou cerca de oito meses. Desconfiava que poderia estar grávida, mas isso era tão importante para mim que decidi deixar o teste para um dia especial, o dia do meu aniversário: 40 anos. Deu positivo! Felicidade transbordante. Queríamos muito contar à Sofia, mas decidi esperar, exatamente pelo conhecimento de situações de perda gestacional das quais tinha conhecimento, longe de pensar que seria essa a minha situação.

25 de Julho de 2016, uma ligeira perda de sangue. Nos dias seguintes a hemorragia aumentou e, depois de observada no hospital, a pior das notícias, o bebé não tinha batimentos. O meu mundo ruiu… Tive que tirar o meu bebé de dentro de mim, não havia qualquer milagre que lhe devolvesse a vida.

Provocaram-me o parto e passei por um longo processo de expulsão do meu bebé, doloroso fisicamente, destruidor emocionalmente. Expeli o meu bebé inteiro. Vi-o naquela aparadeira… Tão difícil passar por isto. Tão horrível. E mais difícil ainda porque todo este processo acontece na maternidade, ao lado de parturientes que acabaram de ter os seus bebés, a ouvir choros dia e noite. Temos que lidar com a nossa tristeza ao lado da alegria dos outros. É tão bom ver pessoas felizes! Mas nesta situação aumenta exponencialmente a nossa dor. Chorei. Chorei muito. Durante muitos dias. Senti-me culpada. Procurei justificação nos meus atos para o sucedido. Seria a medicação para a enxaqueca, seria o saltinho que dei no passadiço, seria pegar na bacia cheia de roupa para estender? Um sentimento desesperante.

Temos que lidar com a nossa tristeza ao lado da alegria dos outros.

Passado algum tempo, recebi o resultado das análises. O meu bebé estava com malformações e foi essa a causa do abortamento. Não tinha sido culpa minha. E as frases repetiram-se “Foi melhor assim.”, “A natureza sabe o que faz.”, “Isto acontece muitas vezes, é mais frequente do que imagina.”. Uma tristeza imensa e um vazio escondido tomavam conta de mim. Mas estava tudo bem fisicamente e podia tentar novamente. Decidimos tentar acreditando que desta vez ia correr tudo bem.

Em Novembro de 2016 voltei a engravidar. Uma felicidade contida e um medo incontrolável de ver sangue cada vez que ia à casa de banho. Tentei ser o mais positiva possível, acreditar, eu queria tanto o meu bebé! Até que, em Dezembro, na semana antes do Natal, acontece o que eu tanto temia: perda de sangue.

Na ecografia não dava para ter a certeza se estava em processo de abortamento, o embrião ainda era muito pequenino, e nesta fase nem sempre se consegue detetar os batimentos cardíacos. Teria que esperar e ver o que acontecia com o meu corpo. Dias terríveis se seguiram. A hemorragia aumentou e fui percebendo o que estava a acontecer. No dia em que abortei espontaneamente em casa, a Sofia falava constantemente que queria um/a irmão/ã, perguntava-me porque é que eu não tinha um bebé, dizia-me que eu não tinha um bebé porque não queria. Mais um dia terrível, insuportável. Duas dores simultâneas: perder o meu bebé e ser pressionada pela Sofia, que não sabia o que se estava a passar.

Tantos momentos de tristeza profunda, choro, noites sem dormir. E o silêncio. Um silêncio que me dilacerava, mas evitava falar deste assunto. Não por vergonha, que nunca a senti, não sou menos mulher, menos mãe, nem menos ser humano por isto que me aconteceu. Silêncio para proteger a Sofia, queria preservá-la deste sofrimento atroz, silêncio para não impressionar os outros negativamente, o facto de me ter acontecido não devia influenciar o seu estado, silêncio por sentir falta de abertura para me expressar e poder desabafar. Tive algumas pessoas comigo nestes momentos, mas eu sentia que não tinha o direito de incomodá-las com o que eu sentia.

O tempo passou. Decidimos tentar novamente. Queremos tanto um bebé!

Desta vez demorou mais tempo a engravidar, quase um ano. Neste período de tempo vivi sufocada pelo desejo de ser novamente mãe, passei a conhecer o meu corpo e todos e quaisquer sintomas, sabia o meu período fértil, contava os dias do meu ciclo menstrual, estava obcecada por algo que deveria ser natural, mas o meu relógio biológico exercia uma pressão incontrolável sobre mim.

Em Dezembro de 2017 percebi que estava grávida, fiz o teste e deu positivo. Felicidade contida e uma grande esperança de que à terceira é de vez, vai correr tudo bem. Mas não correu. Em Janeiro, numa consulta, soubemos que o bebé tinha parado de desenvolver às 8 semanas, não havia qualquer hipótese de esta gravidez progredir. Mais uma semana de espera. Tão difícil viver com um bebé morto dentro de mim…Mais uma vez tive que ir tirá-lo ao hospital. Desta vez a maternidade estava cheia. Colocaram-me neste processo de abortamento num quarto dentro do bloco de partos, resguardada. Sozinha… tão sozinha… e a ouvir e a ver recém-nascidos… A dor foi tão grande.

As noites e as viagens de carro eram a chorar. Cheguei a ter de encostar o carro para chorar. A pressão da Sofia para ter um/a irmão/ã aumentava, culpava-me de não querer ter um bebé, de não acreditar que conseguia ter um… Não suportava mais este sofrimento escondido. Tive que lhe contar o que se passou. Queria resguardá-la desta dor mas era insuportável. Chorámos as duas. Sofreu e percebeu que afinal eu não tinha culpa. Como eu queria ter evitado isto…

Tenho muitos irmãos e sei como é maravilhoso ter irmãos. Uma das maiores tristezas que carrego é não ter conseguido dar um/a irmão/ã à Sofia. Sonhei que crescessem juntos e construíssem uma relação forte e cúmplice. Não consegui dar-lhe o maior presente que uma criança pode ter…

Em Março de 2020 com o início da pandemia pensei “Não é uma boa altura para ter bebés, se calhar é melhor voltar a tomar a pílula” mas logo de seguida pensei “mais de um ano sem pílula e não engravidei, não vai ser agora que vai acontecer.” Não pensei mais no assunto. Em Abril de 2020, com 43 anos, percebi que estava grávida. Tive muito medo de uma nova perda e da pandemia que estava no início e era por si só assustadora.

Felizmente correu tudo muito bem. A minha bebé arco-íris nasceu em Janeiro de 2021, tinha eu 44, é saudável e super bem desenvolvida. Está quase a completar 2 anos de traquinices e muito amor.

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Este ano, em vez dos tradicionais gráficos, decidimos fazer algo que, esperamos, vos dará a oportunidade de dizer o que desejam ao vosso bebé e que o inclua no Natal. Criámos uma carta para vocês, que podem descarregar no link abaixo, imprimir, escrever para o vosso bebé e colocá-la na vossa árvore de Natal.

Podem não poder dar-lhes presentes, mas podem demonstrar o vosso amor. Por isso, escrevam: as vossas saudades, a dor, o amor… sobretudo o amor!

Podem descarregar os modelos de carta: